A progressividade tributária que Lula quer foi responsável pelo período de maior prosperidade da classe média dos EUA
"Essa taxação aparentemente enlouquecida destruiu o capitalismo americano, certo? Errado"
“O mercado” e a mídia por ele cooptada surtaram com a proposta do governo de isentar do Imposto de Renda quem recebe salário de até 5 mil reais e taxar, em percentuais relativamente baixos, quem ganha mais de 50 mil mensais. É inacreditável a reação dessa gente frente a um projeto tão justo e simples. As justificativas para a posturas contrárias são aulas de contorcionismo retórico.
Imposto progressivo é desde sempre bem-vindo em países desiguais. Tecnicamente, é fácil de implantar - as dificuldades, enormes, são políticas. Thomas Piketty, que conhece o riscado como ninguém, nos dá bons exemplos históricos de progressividade tributária no recente “Natureza, Cultura e Desigualdades – Uma Perspectiva Comparativa e Histórica” (Civilização Brasileira, 2023).
A partir do fim do Século XIX e início do Século XX, os Estados Unidos começaram a se preocupar com uma tal desigualdade, revendo o imposto sobre a renda. Um fenômeno começou a ganhar corpo na década de 1920 e ganhou força com a eleição de Roosevelt, em 1932. Escreve Piketty: “Entre 1932 e 1980, durante meio século, a alíquota superior de tributação nos Estados Unidos, em média, seria de 80%, chegando a 91% no governo de Roosevelt. No entanto, essas alíquotas dizem respeito tão somente ao imposto federal sobre a renda, ao qual se acrescentavam os impostos estaduais que, dependendo do caso, chegavam a 5%, 10% ou 15%”.
Essa taxação aparentemente enlouquecida destruiu o capitalismo americano, certo? Errado, absolutamente errado. Causou, isto sim, os 50 anos de maior prosperidade dos Estados Unidos e de sua maior predominância internacional, apesar da polarização geopolítica com a União Soviética. Por quê? Explica Piketty: “Simplesmente porque as diferenças entre rendas de 1 a 50 salários mínimos, ou de 1 a 100, não servem para grande coisa. Não estou dizendo que mais vale uma igualdade total; talvez sejam necessárias diferenças de 1 a 5 ou de 1 a 10. Tendo em vista a base de dados de que disponho, acredito que uma diferença de 1 a 5 seria ótima. Mas nada justifica diferenças de 1 a 50 ou de 1 a 100”.
A progressividade nascida com Roosevelt perdurou até Reagan, para quem os Estados Unidos estavam se tornando “comunistas”. Sob a batuta do canastrão, a maior alíquota sobre a renda nos Estados Unidos caiu para 28%. “A reforma fiscal de 1986 é a própria definição do reaganismo”, destaca Piketty.
A virada fiscal de 180 graus perpetrada por Reagan atiçou o espírito animal do empreendedor americano e os EUA bombaram, certo? Errado. A partir de Reagan, até 2020, o crescimento naquele país reduziu-se à metade. “Ainda que o sistema de financiamento dos partidos políticos e das mídias não seja alheio a essa constatação, essa fase político-ideológica permanece em vigor”. Seria a velha teimosia? Não. Corporações e pessoas (poucas) lucram com a desigualdade reaganiana.
A verdade é que o imposto progressivo foi responsável pelo período de maior prosperidade da classe média americana – de 1914 a 1980 – e de maior aproximação dos Estados Unidos do seu sonho hollywoodiano de nação, que nada tem a ver com o país imaginado por Donald Trump. Mais Piketty: “Não era admissível taxar o 1% mais rico para financiar o Estado social. Todavia, a fim de que o restante da população aceitasse que uma parte recente das riquezas fosse coletivizada para financiar a educação e saúde, foi preciso que as classes médias e populares tivessem a certeza de que os mais ricos pagariam no mínimo tanto quanto elas. Sob esse ponto de vista, o aumento do poder do imposto progressivo foi um fator decisivo para a construção de um novo contrato fiscal, tornando aceitável essa tributação crescente”.
Hoje, com destaque máximo para o Brasil, as classes médias e populares têm a nítida impressão de que os mais ricos morrem de rir na hora de pagar imposto, apesar de publicamente reclamarem bastante. O governo brasileiro está tentando mudar essa injusta realidade.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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