A realidade crua do suposto Brasil de Bolsonaro
"O Brasil virou um grande seriado de suposições e inverdades, cujo título poderia plagiar o humorístico “Vai que cola”", escreve o engenheiro Francis Bogossian
Por Francis Bogossian
Em pleno processo de conquistas sociais e desenvolvimento, fomos vítimas de uma grande conspiração, estimulada por interesses estrangeiros, envolvendo os setores políticos neoliberais do Brasil, a mídia corporativa, o Judiciário, as Forças Armadas, o chamado “mercado financeiro”, as federações patronais, entre outros braços do poder. Todos juntos se contrapondo à perspectiva de um país independente, produtivo e desenvolvido.
Quando o túnel chamado Brasil começou a se iluminar, esse conluio de forças apagou a luz. A projeção positiva do país no exterior reverteu-se, e hoje estamos experimentando a rejeição internacional, afugentando os investidores positivos - aqueles que vinham contribuir, participando conosco de projetos geradores de desenvolvimento e empregos, com bons resultados, e estamos atraindo o investidor negativo - aquele predador, que esgota os nossos recursos naturais e leva para casa todos os lucros e benefícios.
Faço minhas as palavras de João Pedro Stedile: “Derrubaram Dilma para pegar o controle absoluto do Estado e jogaram toda a crise do Capitalismo sobre a classe dos trabalhadores.”
Sentimos o gosto amargo da derrota em todos os campos.
Na Educação, o governo demonstra seu dedo podre, escolhendo sucessivamente quatro ministros para a pasta, cada um pior do que o outro. Houve Ricardo Vélez, que paralisou o MEC. Houve Abraham Weintraub, que, além de declarar que universidades cultivam maconha e fabricam drogas, abriu guerra santa contra o patrono da educação brasileira, Paulo Freire, e polemizou com jornalistas em termos chulos.
Depois do ministro sem educação, temos agora o ministro contra a educação, o pastor Milton Ribeiro, para quem alunos com deficiência atrapalham os demais estudantes, e que as universidades deveriam ser para poucos.
O ensino médio está cada vez mais esvaziado, com as sucessivas reformas, o analfabetismo não é mais combatido, ao contrário, e os professores de todos os níveis são perseguidos e desmerecidos. De acordo com pesquisa feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 46 países, a média salarial brasileira é 13% inferior à média da América Latina, e quase metade da média praticada nos 38 países ricos e integrantes da OCDE. Em síntese, o salário de professor de ensino médio brasileiro é o pior do mundo.
No momento, transitam no Congresso duas PECs de Bolsonaro que atacam direitos dos professores. A PEC 32, da reforma Administrativa, pode privatizar escolas, com concursos e com o plano de carreira do magistério. A PEC do Calote (nº 23) coloca em risco até o pagamento dos salários dos professores.
No Meio Ambiente, somos alvo de tempestades de poeira causadas pelo desmatamento descontrolado, pelas queimadas criminosas, o desmonte dos órgãos de controle ambiental. Chegamos à COP-26, na Escócia, com registros recordes de emissões de gases poluentes, numa década que definirá o futuro da Humanidade.
Nesse meio tempo, o ex-ministro desmatador, Ricardo Salles, em vez de estar sendo arguido nos tribunais, está inaugurando mansão em São Paulo, nos jardins.
Na Agricultura, 50 empresas controlam todo o PIB agrícola. O sucesso do agronegócio, para essas 50 empresas, e o seu insucesso, para os demais brasileiros, se resumem em: somos o segundo maior produtor de carne no mundo, enquanto nosso povo está condenado a roer osso e se alimentar de carcaças de frango e de peixe.
Cerca de 20 milhões de brasileiros passam fome porque não têm renda, 70 milhões estão na chamada insegurança alimentar - se alimentam da pior maneira, aquém das necessidades. A ironia perversa brasileira faz com que, em nosso país, feijão e leite pagam ICM, enquanto o agrotóxico e a exportação de commodities agrícolas e minerais, como petróleo e ferro, não pagam ICM. Temos uma burguesia pré-Revolução Francesa, que ainda não aderiu ao capitalismo, não aceita pagar impostos e quer fazer do trabalhador seu escravo, sem benefícios, sem Leis Trabalhistas, sem aposentadoria.
Vão dizer até que sou comunista por ter uma preocupação social, e quem sabe deixarei de ser convidado pelos salões do alto poder econômico social. Contudo, a situação de penúria brasileira nos leva a desafiar as próprias conveniências. Qualquer cidadão com o mínimo de consciência social sabe que em nosso país estamos na contramão da História e da própria vida humana.
A Academia Nacional de Engenharia, que presido, reunindo 200 acadêmicos do Brasil inteiro, trata de assuntos fundamentais do desenvolvimento brasileiro, através de cinco Comitês Permanentes: Energia, Educação, Inovação, Logística e Saneamento. E ainda um novo grupo, que se dedica à Engenharia do Futuro. Entretanto, a Academia não dispõe de apoio do Governo Federal, como ocorre com a notável Academia Brasileira de Ciência. Para tal, estou pedindo audiência ao senhor Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, desde sua posse. Até hoje não fui atendido. É incrível. Nos EUA, a National Academy of Engineeringé subsidiada pela Presidência da República. Isso, no Brasil, nós não conseguimos. E não é de hoje. O descaso com as entidades científicas é tradição brasileira, independendo do partido que prevaleça no país.
A Academia, contudo, tem tido notável acolhida do Excelentíssimo Senhor Ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque. Em atendimento à solicitação do ministro, a Academia se manifestou, dentre outros, em dois assuntos importantes: a segurança de barragens, notadamente barragens de rejeitos, e os problemas de Energia, mais especificamente sobre a crise hídrica, que tanto nos preocupa. Temos, porém, discordado democraticamente nas posições referentes ao Petróleo brasileiro.
A Petrobrás vem sendo explorada como mulher da vida pelos cafetões do neoliberalismo brasileiro. Vai fazer história o artigo do advogado concursado da Petrobrás, agora aposentado, George Torres Barbosa, publicado recentemente no site Brasil 247, em que ele escancara a caixa preta das verdades da empresa, que desde sempre teve seus segredos vendidos a empresas estrangeiras por funcionários cooptados a peso de ouro.
Cada vez menos o óleo bruto é refinado em refinarias brasileiras. O plano de crescimento do volume de refino, com construções de novas refinarias, foi sustado. Em vez disso, as nossas refinarias estão sendo vendidas. A bandeira brasileira está sendo retirada das refinarias brasileiras. O óleo bruto está sendo encaminhado a terceiros, refinado em refinarias estrangeiras, e a gasolina sendo vendida aos brasileiros a preços internacionais. Jornais noticiam que motoristas brasileiros atravessam a fronteira para encher o tanque na Argentina, pela metade do preço.
Vale enfatizar que a estancada do plano de refino, com a construção de refinarias brasileiras, aumenta o desemprego. Mas essa não parece ser preocupação dos formuladores das políticas econômicas do Brasil.
Vivemos um momento de delírio no Brasil em que mentiras e verdades trocam de papel. Assistindo ao seriado The Good Fight, na Netflix, uma crítica à era Trump, o que seria entretenimento me parece um filme de terror. Constato se repetirem, no Brasil, tal e qual, as mesmas situações, a mesma lógica ilógica, as mesmas falsificações da realidade.
Sou engenheiro e pergunto: como as estruturas de um país podem se equilibrar sobre fundações de mentira? Sobre a argila mole das fake News? Agora vemos nosso Presidente da República mentir no exterior a respeito de um suposto sucesso da economia brasileira, de um suposto apoio recebido da maioria da população, de supostas conquistas de sua gestão e suposto empenho do governo nas medidas contra a pandemia, às quais na verdade sempre se opôs.
O Brasil virou um grande seriado de suposições e inverdades, cujo título poderia plagiar o humorístico “Vai que cola”.
Como na piada do garçom, que diz “colou não colou dois contos”, ao apresentar ao cliente uma conta com acréscimos indevidos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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