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    Sara Goes

    Sara Goes é âncora da TV247, comunicadora e nordestina antes de brasileira

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    A última ceia de Bolsonaro

    "Bolsonaro serviu mais um banquete de bravatas, mas a mesa estava vazia. Sua última ceia política foi indigesta", diz Sara Goes

    Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução/YT/Flow Podcast)

    Em maio de 1994, os corredores da prisão estadual de segurança máxima do Centro Correcional de Stateville, nos Estados Unidos, foram atravessados pelo cheiro de gordura de frango frito da KFC e camarões. A entrega tinha como destinatário John Wayne Gacy, o "Palhaço Assassino", responsável por atrair jovens e adolescentes para sua casa, onde os torturava e assassinava brutalmente antes de enterrar os corpos em seu porão. Sua escolha para a última refeição parecia uma ironia perversa, um banquete farto para um homem que passara anos escondendo sua verdadeira face atrás de uma fantasia colorida. Timothy McVeigh escolheu dois potes de sorvete de chocolate com menta, um pedido simples para alguém responsável pelo atentado de Oklahoma, em 1995, um dos piores atentados da história americana, que matou 168 pessoas e feriu mais de 600. Ted Bundy, por sua vez, recusou um pedido especial e recebeu a refeição padrão da prisão: bife, ovos, batatas fritas, torradas e leite, mas não tocou na comida. 

    Se esses criminosos carregavam dezenas de mortes, Jair Bolsonaro tem, nas costas, uma conta de 700 mil vidas perdidas apenas em uma estimativa rápida, sem considerar as subnotificações. Um genocida cuja gestão da pandemia serviu à morte com descaso e desprezo, temperando o país com cloroquina e desinformação. Sua manifestação fracassada em Copacabana no último domingo foi sua "última refeição" política. Um prato servido em praça pública, mas rejeitado pelo grande público, que preferiu não comparecer ao banquete de bravatas e discursos requentados. Foi um evento que se pretendia apoteótico, mas revelou-se insosso, desbotado e insípido. O ex-presidente, acostumado a multidões inflamadas, encontrou-se diante de um prato frio e sem tempero: o esvaziamento simbólico de seu capital político.

    As manifestações bolsonaristas sempre foram sustentadas pela mística da força numérica. Em sua trajetória, Bolsonaro consolidou sua base apostando no espetáculo da ocupação das ruas, em atos que tentavam transmitir a ilusão de um apoio popular maciço e inabalável. No entanto, a cena em Copacabana desmontou essa narrativa. A multidão esperada virou um punhado de fiéis seguidores, muitos deles organizados por caravanas, tentando criar um impacto visual que não se confirmou. O prato principal que Bolsonaro ofereceu — um cardápio de retórica agressiva, ataques ao STF e promessas vazias — já não despertava mais o apetite da clientela.

    O esvaziamento da manifestação reflete a derrocada de um líder que já não tem o mesmo apelo de outrora. Desde sua derrota nas urnas, Bolsonaro acumula desgastes, sendo investigado por tentativas golpistas e outros crimes graves. Sua convocação para o evento visava demonstrar força, mas teve efeito contrário. Se esperava um festim, serviram-lhe um prato indigesto: o prenúncio de sua irrelevância. O palanque que um dia foi sua cozinha de fervor popular, agora servia apenas sobras de um banquete que já havia sido devorado pelo tempo. Os poucos que compareceram, especialmente figuras políticas que se aproveitaram da ocasião, mostraram que o lema da vez era "farinha pouca, meu pirão primeiro". O palco bolsonarista serviu muito mais a projetos pessoais do que a uma verdadeira demonstração de força coletiva.

    Bolsonaro, por sua vez, fez sua escolha: tentou servir a velha receita de seu populismo agressivo, mas encontrou a mesa vazia e os pratos intocados. Sua última ceia política não foi uma despedida triunfal, mas um jantar solitário, indigesto e mal apresentado. Tentou alimentar sua base com os mesmos ingredientes de sempre, mas o cardápio já estava vencido e sem sabor.

    E se Bolsonaro já não tem mais apetite para continuar sua farsa, cabe à esquerda ocupar a cozinha da história. Em momentos como esse, a oposição não pode se dar ao luxo de jejuar. Deve aproveitar o banquete servido pelo fracasso bolsonarista e nutrir a sociedade com alternativas concretas, fortalecendo sua presença e consolidando um cardápio político que alimente as esperanças populares. A fome de mudança existe, e quem souber apresentar o prato certo no momento certo poderá ditar o rumo do futuro. O Brasil já não tem apetite para o projeto autoritário de Bolsonaro. Resta saber se ele perceberá que sua última ceia política já foi servida ou se continuará tentando engolir um futuro que não mais lhe pertence.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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