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    Seymour Hersh

    Jornalista investigativo e independente. Sua carreira inclui passagens pelo The New Yorker e The New York Times. Ganhou inúmeros prêmios por suas reportagens, incluindo cinco vezes o Prêmio George Polk e o Prêmio Pulitzer

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    A última investida de Biden contra a Rússia e Putin

    Frustração cresce para o presidente em final de mandato

    Vladimir Putin (Foto: TASS)

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    Publicado originalmente pelo autor em seu Substack em 26 de novembro de 2024

    Há uma cena no início da novela satírica de 1933 de Nathanael West, Miss Lonelyhearts, que exala depressão, desespero e genialidade. É difícil de esquecer. O protagonista, um colunista de conselhos amorosos de um jornal em Nova York, recebe uma carta de uma adolescente que se descreve como bela, com uma figura esbelta que muitos admiram, mas que nunca teve um encontro amoroso. Ela pergunta amargamente: poderia ser porque ela não tem nariz?

    Essa cena me veio à mente nesta semana ao considerar a amargura do presidente Joe Biden, que parece estar cheio de ressentimento porque um grupo de líderes do Partido Democrata, cientes de que ele estava falhando, forçou-o a desistir de sua planejada campanha de reeleição e entregar a luta contra Donald Trump à vice-presidente Kamala Harris — ressentimento ainda maior porque ela não conseguiu vencer Trump, como Biden fez em 2020.

    O presidente já não fala mais da sua política fracassada no Oriente Médio, embora bombas e outros armamentos dos EUA continuem fluindo para Israel e sendo usados de forma letal. Agora, Biden está tentando conter as perdas na guerra da Ucrânia contra a Rússia. Há uma semana, ele deu permissão ao governo ucraniano, liderado pelo presidente Volodymyr Zelensky, para usar um avançado míssil balístico estadunidense, capaz de atingir alvos a 190 milhas dentro da Rússia, que havia sido retido até então. Dias depois, decidiu fornecer à Ucrânia minas terrestres capazes de mutilar e matar qualquer um que cruze o seu caminho, sejam jovens ou idosos, amigos ou inimigos.

    Fui informado de que as implicações estratégicas da escalada do presidente — ambos, Biden e o presidente russo Vladimir Putin, têm bombas nucleares à disposição — não foram completamente analisadas dentro do Pentágono, e que alguns escritórios importantes, que certamente teriam diferentes visões sobre a escalada, não foram consultados. Putin respondeu escalando por sua vez, disparando um míssil balístico hipersônico em direção à Ucrânia e afirmando em um discurso que o que era um conflito regional “agora adquirira elementos de caráter global”. O New York Times observou que a resposta “tinha o objetivo de instilar medo em Kyiv e no Ocidente”.

    O aviso explícito de Putin veio um dia após a decisão de Biden de permitir o uso de minas antipessoais dos EUA como um esforço para conter os avanços russos na região do Donbass. Nem Washington nem Moscou são signatários do tratado internacional de proibição de minas, que já foi assinado por 164 partes, mas a decisão de Biden de implantar a arma foi amplamente criticada por grupos internacionais de direitos humanos.

    Enquanto isso, o exército russo, cujas tropas na linha de frente estão exaustas, continua avançando contra um inimigo ainda mais desfalcado e mal equipado. A bem-sucedida penetração ucraniana em Kursk, cena de uma dramática derrota alemã na Segunda Guerra Mundial, é agora alvo de um brutal contra-ataque russo, com enormes perdas ucranianas em homens e equipamentos. O prognóstico de longo prazo para o exército ucraniano permanece sombrio.

    Por que Putin, claramente irritado com a disposição de Biden em permitir que Zelensky lance mísseis em alvos russos, em meio ao discurso público de estar agora em guerra com a OTAN, não está avançando completamente contra o enfraquecido exército ucraniano e a capital Kyiv?

    A resposta pode estar nas mensagens vindas de Donald Trump, talvez retransmitidas por um associado próximo, que, desde a sua eleição, tem nomeado o gabinete mais inexperiente e politicamente radical da história estadunidense. Trump frequentemente ressalta em público que os EUA não estavam em guerra durante o seu primeiro mandato como presidente, encerrado em janeiro de 2021, convenientemente esquecendo a ocupação então em curso no Afeganistão e as operações militares dos EUA em outros lugares. Ele tem sido um defensor consistente de Israel e um apoiador ferrenho da atual guerra de Israel contra o Hamas, que se transformou no direcionamento brutal contra a população de Gaza. Suas nomeações para política externa até agora compartilham um compromisso zeloso com Israel e apoio incondicional à sua guerra em andamento.

    A Rússia é outra questão. Trump foi preciso sobre a guerra entre a Ucrânia e a Rússia em seu debate de setembro com Kamala Harris. E o que ele disse então é consistente com o que venho ouvindo em minhas reportagens.

    “Se eu fosse presidente,” disse Trump, a guerra “nunca teria começado... Eu conheço Putin muito bem. Ele nunca teria... invadido a Ucrânia e matado milhões de pessoas... Eu vou acabar com a guerra entre Rússia e Ucrânia.” Nesse ponto, ele acrescentou: “Se eu for eleito presidente, vou resolver isso antes mesmo de me tornar presidente... Essa é uma guerra que implora por ser encerrada.”

    Um dos moderadores fez uma pergunta capciosa direto da Guerra Fria: “Você quer que a Ucrânia vença essa guerra?” Era uma pergunta à qual a vice-presidente [Harris] responderia “sim”. Trump não respondeu assim. “Quero que a guerra pare,” ele disse. “Quero salvar vidas que estão sendo inutilmente... mortas aos milhões.” Um momento depois, ele acrescentou sobre Putin: “Ele tem algo que outras pessoas não têm: armas nucleares.”

    Os números de vítimas citados por Trump podem estar errados, mas a sua consistência, especialmente quando pressionado, adiciona credibilidade ao que venho aprendendo nas últimas semanas: que uma compreensão sobre os mecanismos para encerrar a guerra tem sido debatida, discutida e até mesmo delineada de forma preliminar entre conselheiros informais de Trump e Putin e suas equipes. Fui informado por um estadunidense que “as linhas estão abertas” entre aqueles que representam os dois homens, com algumas vagas “garantias enviadas e recebidas”.

    Também fui informado por especialistas aqui em Washington, com conhecimento sobre assuntos políticos russos, que Putin não quer fazer um acordo com Zelensky “até que esteja completamente pronto” — significando que ele vai esperar até que o atual avanço russo, muito bem-sucedido, direcionado a Donetsk e Kursk, se esgote. Há uma preocupação em Moscou sobre extensas atividades de inteligência e operacionais “permanentes” na Ucrânia, que se acredita serem organizadas por agências estadunidenses e britânicas.

    O que está acontecendo agora, disse-me um especialista estadunidense, é uma tentativa de mudar o antigo apoio dos EUA à contenção, exemplificado pelo instintivo desprezo do governo Biden pelos governos da Rússia e da China, que marcou as reuniões iniciais com cada um em 2021. A delegação chinesa na reunião no Alasca no início daquele ano deixou o encontro com o secretário de Estado Antony Blinken após acusá-lo e a sua delegação de tentarem interferir em assuntos internos chineses.

    Biden tem sido um crítico desdenhoso de Putin ao longo da sua vida pública, chamando-o em diferentes ocasiões de “criminoso de guerra,” “ditador assassino” e “puro bandido.” Ele afirmou famosamente em uma reunião cara a cara com Putin em Moscou, em 2011, que olhou em seus olhos e disse: “Não acho que você tenha uma alma.” Putin respondeu, de acordo com Biden: “Nós nos entendemos.”

    Isso não é uma defesa de Putin, um ex-agente de inteligência soviético que é brutal com seus oponentes políticos e comanda um governo que rapidamente coloca jornalistas estrangeiros na prisão. Ele também é considerado por muitos na comunidade de inteligência dos EUA como um líder competente e informado.

    A pauta de Trump, disseram-me, era encontrar uma maneira, uma vez no cargo, de não ser atormentado por preocupações sobre contatos com aqueles que discordam da política externa dos EUA. Daí a ideia de trabalhar mais com negociações militares entre os dois lados como ponto de partida. Um estadunidense me disse que “realidade acima de política e história acima de manchetes” seria uma abordagem nova para encerrar a guerra sangrenta entre a Rússia e a Ucrânia.

    Essas táticas não vão resolver a crise em Israel, Gaza e na Cisjordânia, mas deve haver uma abordagem melhor do que se curvar à direita religiosa israelense e a Benjamin Netanyahu. Isso será um teste para o futuro presidente, cujas escolhas para cargos no gabinete deixaram Washington oficial e a imprensa perplexos. Terminar a guerra entre a Ucrânia e a Rússia será um começo.

    Não havia como Joe Biden resolver isso sem muito mais sangue sendo derramado.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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