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    Alvaro Penteado Crósta

    Professor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas

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    A Unicamp, o título e o coronel – O desfecho

    O Conselho Universitário da Unicamp reparou hoje um equívoco histórico, ao aprovar, por unanimidade, a revogação do título de Doutor Honoris Causa concedido em 30 de novembro 1973 ao Coronel Jarbas Passarinho, então ministro da Educação do governo da ditadura militar (1964 a 1985)

    (Foto: Picasa)

    Leia a parte 1 aqui.

    O Conselho Universitário da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) reparou hoje um equívoco histórico, ao aprovar, por unanimidade, a revogação do título de Doutor Honoris Causa concedido em 30 de novembro 1973 ao Coronel Jarbas Passarinho, então ministro da Educação do governo da ditadura militar (1964 a 1985).

    Em um artigo anterior, publicado pelo Brasil 247 em 07/06/2021, intitulado “A Unicamp, o título e o coronel”, analisei esse fato, situando-o no contexto histórico do momento em que o título foi concedido e da oportunidade que esse mesmo Conselho havia tido em 2014, ao analisar pela primeira vez o pedido de revogação. Em 2014, a revogação não foi aprovada naquela ocasião pela diferença de apenas um voto.

    Na 173ª reunião ordinária de seu Conselho Universitário, realizada hoje (28 de setembro de 2021), a Unicamp decidiu revogar esse título honorífico, com a aprovação unânime pelo seu corpo de conselheiros, composto por docentes, alunos e funcionários da Unicamp, além de representantes da comunidade externa. Devo, portanto, retomar esse assunto, enfocando-o desde alguns ângulos.

    O primeiro deles é de que se trata, inquestionavelmente, de uma decisão histórica e inédita, visto que jamais em sua história a Unicamp revogou sua mais alta honraria. É regimentalmente prevista a concessão do título de Doutor Honoris Causa a personalidades que não pertençam ao quadro da Universidade, e que tenham “contribuído de maneira notável para o progresso das ciências, letras ou das artes; beneficiado a humanidade de forma excepcional, ou, ainda, prestado relevantes serviços à Universidade”. Uma exceção havia sido aberta neste caso, pois o então homenageado jamais preencheu qualquer uma das qualidades regimentalmente exigidas para o título. Ao contrário, o coronel Passarinho se notabilizou por ter sido um dos ideólogos e mais destacados apoiadores da ditadura militar, tendo participado da elaboração do Ato Institucional no 5. Por meio desse instrumento de exceção às liberdades e direitos democráticos, ele mesmo, como ministro da Educação, fez perseguir, demitir, prender, exilar, torturar e/ou assassinar centenas de membros da comunidade acadêmica brasileira, incluindo da Unicamp.

    O segundo ângulo é o clima de forte emoção com que se desenrolou a reunião de hoje na qual, durante mais de três horas, sucederam-se dezenas de depoimentos profundamente tocantes dos conselheiros, apontando o claro equívoco que foi a concessão do título, mas ao mesmo tempo buscando entender as circunstâncias daquela decisão tomada há quase 48 anos. Afinal, vivia-se sob pleno domínio do medo, do terrorismo de Estado, em que por muito pouco ou, em alguns casos, por quase nada, as pessoas desapareciam, subtraídas de suas casas, locais de trabalho, ou do convívio de seus familiares, para reaparecerem assassinadas, torturadas, condenadas à prisão... Dentre os depoimentos, estavam os de pessoas que viveram o clima de medo vigente durante a ditadura, assim como o dos mais jovens, que ouviram os relatos de seus pais e avós sobre o qual sanguinária foi a ditadura brasileira.

    Um terceiro aspecto dessa importante decisão tomada hoje pela Unicamp é a sua natureza de resgate histórico e de função pedagógica. Não se trata, como bem registrou uma das conselheiras durante a sessão, de reescrever a história, mas sim de registrá-la sob uma outra ótica. A concessão do título é fato que ficará registrado para sempre nos anais da Unicamp e sua revogação é um ato histórico de reparação que ficará indelevelmente para a posteridade. Ambos são parte da história da Universidade e ambos deixam lições fundamentais tanto para a geração atual, como para as futuras. 

    Finalmente, cabe um paralelo entre o Brasil de hoje e o Brasil de 1973. Se neste último vivíamos sob permanente medo do terrorismo de Estado, hoje vivemos um período sombrio de enormes ameaças à democracia. Atos e atitudes do atual governo federal, pequenos e nem tanto, quando somados, indicam claramente o caminho de um novo regime de exceção. 

    Aquela(e)s que na sessão do Conselho Universitário da Unicamp de novembro de 2014 talvez não tivessem conseguido vislumbrar esse monstrengo que já se fazia presente em nosso cotidiano político, provavelmente hoje mudaram de opinião, ao ver a sua liberdade de expressão, o seu ato de ensinar e pesquisar em uma das melhores universidades públicas do mundo, profundamente ameaçados, como infelizmente está ocorrendo.

    Por tudo isso, pode-se afirmar sem sombra de dúvida que, hoje, a Unicamp tomou sua própria história nas mãos!

    “Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça” (Projeto Memórias Reveladas)

    Todos esses que aí estão/ atravancando meu caminho/ eles passarão/ eu passarinho. (Mário Quintana)

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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