A verdadeira anistia
Assisti ao filme de Walter Salles na véspera da revelação do plano para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Levei um susto
Assisti ao filme de Walter Salles na véspera da revelação do plano para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Levei um susto. Achei que estava confundindo tudo, realidade com ficção. Como podiam querer que aqueles tempos voltassem? A ditadura que começou em 1964 foi um horror. O filme mostra a total virulência dos militares e o drama de uma família que teve um dos membros sequestrado, assassinado e sumido. Assistir a revelação do plano que visava instaurar novamente o regime militar, aquelas pessoas, os hábitos, a mentalidade, a ideologia, a falta de liberdade e de democracia me fez ficar meio enjoado. Vale a pena assistir ao filme como vale a pena continuar sustentando a luta para que essa gente não ameace a democracia impedindo sobretudo o projeto absurdo de anistia.
Alguns dias antes tinha assistido por acaso, passeando pela internet, ao documentário feito e liberado posteriormente pelo fotógrafo Paulo Jabur sobre a greve de fome que 14 prisioneiros políticos fizeram no Rio de Janeiro em 1979. O governo militar tentava organizar uma anistia que não parecia muito justa. Os militares envolvidos com assassinatos e torturas eram anistiados enquanto prisioneiros políticos, não. Quem estava exilado e não tinha sido processado também foi anistiado.
Faltavam os prisioneiros do regime militar que já cumpriam entre 6 e 9 anos de cadeia e estavam condenados a penas que chegavam à prisão perpétua. Verdade. Chegamos a ter esta aberração por aqui. Entre esses presos estava o próprio Paulo Jabur, o poeta Alex Polari e Nelson Rodrigues Filho, filho do famoso dramaturgo e jornalista.
O regime já estava aos pedaços, mas os prisioneiros ali continuavam pela teimosia de alguns juízes que os consideravam terroristas. Terroristas eram os militares do governo que além das torturas ainda seriam responsabilizados por muitos atos absurdos, incluindo o atentado ao Rio Centro.
Como nada se decidia sobre esses 14 esquecidos pela anistia, eles decidiram por unanimidade fazer uma greve de fome. Não queriam indulto. Não aceitavam o perdão por um crime que não cometeram.
A greve durou 32 dias. Eles tinham decidido que ninguém iria morrer de fome. Muitos foram assistidos por médicos, alguns tomaram soro para resistir e todos chegaram ao fim vivos. A greve funcionou e eles foram soltos aos poucos.
Muito se deve também às constantes visitas de parlamentares brasileiros como Teotônio Vilella, Ulysses Guimarães, Marcelo Cerqueira que defendia os presos, Nelson Carneiro e outros como o escritor Antônio Callado e o filólogo Antônio Houaiss. Não havia como a justiça militar manter aqueles presos diante de tanta repercussão.
A câmera usada nos vídeos entrou no presídio para outra finalidade, filmar o aniversário de um ano do filho de Polari e lá ficou. Os filmes e fotos saiam nos bolsos de deputados e acabaram sendo mostrados do lado de fora. Hoje os vídeos podem ser vistos no YouTube depois de terem sido recuperados pela PUC do Rio de Janeiro. Vale a pena ver e pensar que esses momentos terríveis da vida do país passaram, mas ainda tem gente querendo que voltem. Faz sentido pra eles. O projeto da extrema direita prevê um regime de exceção. É preciso estar atento e forte, sempre.
Os vídeos estão no canal do YouTube do projeto Práticas do Contra-Arquivo, coordenado pela professora Patrícia Machado (PPGCOM PUC-Rio) e financiado pelo Programa Jovem Cientista da FAPERJ. Na entrevista, vemos imagens do filme, registros em Super-8 realizados dentro do presídio e fotografias tiradas por Paulo Jabur e por jornalistas. Pesquisa: Patrícia Machado, Marianna Costa.
Seguem os links para assistir aos vídeos.
https://operamundi.uol.com.br/cultura/filme-feito-clandestinamente-por-presos-politicos-na-ditadura-e-recuperado/
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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