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    Miguel Paiva

    Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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    Abaixo o Imperialismo

    "Foram séculos de exploração e extermínio que hoje ainda estão de pé nas estátuas que sobram e que a nova História haverá de reconstruir. Ela será escrita pelos verdadeiros protagonistas e talvez surja bem melhor, bem mais justa e nos faça mais feliz", escreve Miguel Paiva

    (Foto: Miguel Paiva)

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    Sou de uma geração que cresceu ouvindo falar de Imperialismo Norte Americano. De fato, depois da Segunda Guerra Mundial, na disputa da Guerra Fria com a União Soviética, o lado de cá do planeta passou a ser orientado, em quase todos os seus países, pela influência americana. O American Way of Life invadiu  as sociedades ocidentais e mesmo na Europa o padrão americano se estabeleceu. Não falo nem da economia regida pelo capitalismo, mas falo das influências culturais espalhadas através do jazz, do cinema, da literatura, das artes em geral e do fast-food. Do hambúrguer à Hollywood viramos apreciadores quase que automáticos de uma cultura importada. Apesar de ser extremamente competente e criativa passava, em quase todos os seus produtos, uma ideia de sociedade perfeita e de liberdade numa definição ampla e vaga do que venha a ser isso. Mas funcionou, pelo menos aqui deste lado da América.

    Na Europa, apesar da influência, houve uma certa resistência cultural. A arte dos países europeus, sobretudo França, Itália e Grã Bretanha renasceu forte no pós-guerra e estabeleceu um padrão de criação e de mensagem que se opunha àquele americano, apesar da influência que existia. Usando o que os americanos sabiam fazer muito bem, o cinema e a música por exemplo, os europeus  devolveram ao mundo um novo jeito de olhar a sociedade.  Mas a influência norte-americana principalmente aqui no Brasil foi enorme. 

    A partir daí que comecei a ver o mundo. 

    Primeiro me deixei levar sem capacidade ou conteúdo para me opor. Fui americanófilo como todos na minha idade. Adorava tudo que via, que ouvia e que comia. Com um certo distanciamento crítico, algumas dessas coisas fazem parte da minha vida até hoje. Mas, depois de um certo momento, comecei a conviver com o termo anti-imperialismo e fazia todo o sentido. 

    Quando começamos a pensar no mundo como uma coisa complexa, sem roteiro preestabelecido, sem a compreensão religiosa do mistério que é a vida, passamos a ser mais racionais em relação a este equilíbrio de forças. Não há mocinhos e bandidos. O que há é uma população perplexa tentando sobreviver e ser feliz enquanto uma outra parcela, bem menor e mais favorecida explora essa situação. Chamamos isso de capitalismo mas também podemos chamar de sistema natural e cruel da vida no planeta. 

    Alguns países, mesmo que criticados, conseguem colocar a população em um lugar mais favorecido. Temos regimes que olham mais para o povo do que outros mas em geral o mundo é composto por seres humanos e esses, de humanos, têm pouca coisa. Neste equilíbrio destorcido os EUA sempre foram cultuados do lado de cá do mundo. Do lado de lá o buraco é mais embaixo. A Europa não se curva mais tanto e o que é bom para os americanos nem sempre é bom para os europeus. O que vai da América para a Europa e é bom, é adaptado à cultura europeia. Me lembro de uma loja da rede McDonald's em Roma que você não percebia de inicio. Era no subterrâneo de um velho edifício do centro histórico e só havia, como identificação, uma placa em metal com a logo. Você tinha que querer realmente ir à lanchonete pata achá-la. Ela não invadia o seu olhar e te conduzia para dentro como no resto mundo. Uma cultura aceitava a outra mas estabelecia suas regras. 

    Aqui nada disso aconteceu. Fomos comandados pelos americanos o tempo todo. Eles organizaram golpes de estado em todo o continente, determinaram as regras da economia, impuseram uma cultura além da conta, ouviram clandestinamente o que pensavam nossos presidentes inclusive durante o período Obama e ainda hoje, mais ainda, são bandeira e coração do nosso governo. Por isso, o termo anti-imperialismo continua vivo. 

    Os americanos acusam a Rússia de roubar os estudos da vacina contra a Covid 19. A Rússia, sempre a Rússia. Não estou desculpando o império de Putin nessa história e nem sei a verdade, mas o padrão se repete. Durante um certo tempo foram os árabes. Tudo era culpa deles. O Estado Islâmico surgiu justamente, coincidentemente ou não, durante o governo Obama. Ser americano é ser americano e apesar de todos os avanços do primeiro presidente negro dos EUA, ele também era americano. Os americanos pregam uma liberdade ampla e vaga que mantém pobres e ricos onde estão. Liberdade de expressão, sim, essa é respeitada. Você pode dizer o que quiser por lá, o que não necessariamente significa que você terá acesso aos meios de comunicação para se fazer ouvir.

    Enfim, os padrões da  sociedade americana estão nas nossas veias e apesar de nosso sangue latino, às vezes a população de lá faz mais do que a de cá. Foi o que mostraram há pouco tempo com o episódio George Floyd. É que por detrás de toda essa imagem que eles tentam impor ao mundo hoje temos extratos da sociedade que se fazem mais fortes e presentes que as belas canções de Doris Day. Os negros, os latinos, os índios, os LGBTs são a parte mais significante da sociedade americana.

    É isso que hoje também se espalha pelo mundo junto com o hambúrguer. É isso que precisa se estabelecer como cultura junto com o que o mundo ocidental construiu nesses séculos todos. Não dá mais para ver e absorver certas coisas sem levar os novos tempos em consideração. Foram séculos de exploração e extermínio que hoje ainda estão de pé nas estátuas que sobram e que a nova História haverá de reconstruir. Ela será escrita pelos verdadeiros protagonistas e talvez surja bem melhor, bem mais justa e nos faça mais feliz.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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