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    Roberto Numeriano

    Jornalista e professor com doutorado e pós-doutorado em estudos sobre a atividade de Inteligência de Estado

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    Abin: imagem institucional e eficácia da atividade de Inteligência de Estado

    "A Abin, como olhar do Príncipe moderno, precisa ser refundada", escreve Roberto Numeriano

    (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

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    A atividade de Inteligência de Estado civil brasileira enfrenta dois desafios institucionais especialmente difíceis na atual conjuntura política, ideológica e social. São eles: a questão da imagem institucional e o controle e fiscalização da eficácia do seu trabalho. Ao ler ou escutar os noticiários sobre a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), podemos ter uma noção de como esses dois desafios estão imbricados numa relação de causa e efeito em mão dupla. 

    Em quase 25 anos de existência, a imagem institucional da Abin nunca obteve legitimação por parte do mundo político e acadêmico, da sociedade civil e da própria estrutura estatal encarregada de pensar, elaborar e executar os planos e programas de Segurança e Defesa nacionais. Essa legitimação não é algo etéreo, restrito à “boa” imagem de um órgão. Ela é, per se, necessaeiamente política, e por isso mesmo fundamental para instituir / capilarizar o serviço secreto naqueles quatro ambientes.

    Essa realidade reflete, por sua vez, dois problemas que constituem sua origem na estrutura do Poder Executivo como singular aparelho de Estado: numa primeira fase, sua identidade original criptomilitar (com deletéria degeneração do seu papel por parte de quadros egressos do Serviço Nacional de Informações da ditadura militar); mais recentemente, pela eclosão do fenômeno da policialização, espécie de detrito institucional das mentalidades e práticas da decadente militarização. As gestões petistas, de Temer e de Bolsonaro são igualmente responsáveis pela policialização.

    Não é possível legitimar o órgão e seus agentes se naquelas quatro perspectivas as imagens prevalentes são de medo, estranheza e desconfiança, sobretudo interinstitucional. Por mais republicano e esclarecido que seja um agente estatal, pesquisador ou empresário, ninguém vai receber um Oficial de Inteligência em busca de dados se por trás dele paira a “ameaça” velada ou aberta de algo perigoso; algo que impõe ao contatado falar pouco ou nada relevante. O nó górdio da questão está justamente nesse impasse: como uma instituição pode se legitimar se desde fora de seus muros há uma recusa / bloqueio?

    Ora, se a sua imagem institucional já está consolidada negativamente (a despeito de inegáveis e relevantes bons serviços prestados à nação e sociedade), e existe essa espécie de quisto parasitário político-ideológico que lhe deforma a doutrina e suas práticas, caberá à elite política que a tutela (o Executivo, via Casa Civil), debelar esse legado autoritário que operou tal adaptação. 

    A iniciativa cabe ao governo Lula, um dos presidentes que, talvez por ignorância, propiciou a policialização da atividade, depois de manter intocáveis os legados da militarização herdados das gestões de Fernando Henrique Cardoso. Extinguir tal “herança maldita” enquistada nesse sensível aparato estratégico estatal só é possível pela formulação e aplicação de políticas institucionais do que chamamos de civilianização, um processo cuja engenharia requer sabedoria e coragem políticas.

    Os fenômenos da militarização e da policialização sempre afetaram a eficácia da atividade, cujo controle e fiscalização rebaixados explicam em parte a imagem da Abin, em geral negativa. Em nível parlamentar, efetivamente, não há, como prova a excelente dissertação de mestrado de Simone Pereira do Vale, intitulada “A accountability horizontal exercida pela CCAI sobre a atividade de Inteligência realizada pela Abin no período 2007-2014”. O estudo cobre duas gestões petistas. 

    Asseguro que o trabalho de responsividade feito pelo Congresso (relativo ao controle e fiscalização da Inteligência civil), mantém-se num grau burocrático e superficial. Não por acaso, o ex-Diretor Geral da Abin, Alexandre Ramagem, quis integrar a CCAI, mal assumiu o mandato. Sua presença na Comissão congressual deve ser objeto de cuidadoso acompanhamento da mídia jornalística, acadêmicos de Ciência Política e parlamentares. Aliás, a enésima presença da Abin envolvida direta e indiretamente em questões de polícia apenas comprova a hipótese acima formulada, em relação aos seus desafios institucionais.

    Por tudo isso, a Abin, como olhar do Príncipe moderno, precisa ser refundada. E assim é porque ela e seus agentes lidam com o “segredo de Estado”. Sua refundação se impõe em forma e conteúdo. Numa natureza civil, sem heranças degenerativas da militarização / policialização. 

    Nem todo segredo o Príncipe (governante) deve conhecer, em face daquilo que o Leviatã (Estado) pode fazer. Porque, não fosse assim (como sempre ocorre na história política), se acaso ao Príncipe for dado o poder de conhecer em absoluto todos os segredos, ele se instituirá em um Leviatã que tudo pode e deve em termos de fazer e conhecer. Esse é o princípio de um regime totalitário, sedução imortal que também atravessa os dirigentes dos serviços de Inteligência nos Estados contemporâneos. O PT, pelo que nos parece, desconhece esse perigo.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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