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    Roberto Numeriano

    Jornalista e professor com doutorado e pós-doutorado em estudos sobre a atividade de Inteligência de Estado

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    Abin "paralela" e politização da atividade de Inteligência

    Se a Abin não for refundada desde as suas estruturas institucionais, será sempre um “caso policial” e “político”

    (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

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    Um serviço secreto deve existir como ente invisível no quadro dos órgãos estatais. Tal invisibilidade pode propiciar maior eficácia horizontal e vertical dos meios e métodos de controle e fiscalização do serviço em si e dos seus oficiais e agentes de Inteligência. Chamamos a isso de responsividade, único meio para aferir se o trabalho de coleta, redação e difusão de relatórios atende às necessidades estratégicas do Estado brasileiro, ou seja, se ele é eficaz.

    O oposto da responsividade é a politização (direta e indireta) da atividade de Inteligência, seja civil ou militar; prática malsã dos presidentes da República desde a criação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em 1999. São quase 25 anos de baixo controle / fiscalização e forte e recorrente politização. Nesse período, todos os presidentes trataram de sobrepor suas próprias visões politizadas às práticas herdadas das gestões anteriores, reforçando, camada após camada, a feiúra institucional desse híbrido civil-militar que é a agência.

    Essa prática se instituiu e perdura em face, creio, do medo e desconfiança que o serviço secreto brasileiro provoca: as elites do Executivo e as sucessivas comissões da Comissão de Controle da Atividade de Inteligência (CCAI), do Congresso Nacional, jamais tentaram ou souberam decifrar o enigma dessa Esfinge. Não por acaso, ela sobrepaira a República e seus órgãos como potencial Leviatã devorador do regime democrático e dos direitos e garantias fundamentais da cidadania.

    A politização não significa, aqui, o uso político da atividade, senão a ideia e a prática de soluções políticas supostamente racionais na escolha de nomes para dirigir a agência. Ainda que a atividade, per se, possua um ethos ou natureza política (no sentido aristotélico da palavra), definir nomes com base na “amizade” ou “confiança pessoal”, por exemplo, é, no caso dos serviços secretos, uma ingenuidade que o tempo logo demonstra. 

    Mais do que qualquer outro órgão federal, um serviço secreto deve ser radicalmente enquadrado pelos princípios constitucionais da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Ninguém aqui está a propor que um presidente vá escolher pessoas das quais desconfie ou seja potencial inimigo. O que estamos dizendo é que o contrário não pode ocorrer porque, de fato, significará escolher pessoas com vieses e comportamentos necessariamente contaminados em face de linhas de governo e opões políticas idiossincráticas de dados presidentes.

    Por causas que no momento não vamos abordar agora, a politização aflora / se reforça sob duas variáveis, a saber: a) existência pretérita de uma identidade institucional degenerada, em termos do que pode / deve ser um serviço secreto. Nesse caso, a Abin padece de dois fenômenos interrelacionados: militarização (decadente) e policialização (ascendente); e b) desconhecimento, por parte da elite do Poder Executivo (ministro da Casa Civil e Presidente da República) das funções e papeis desse serviço e seus quadros, avant la lettre. 

    Nesses termos, a “Abin paralela” sempre existiu, e assim continuará depois de depurada de sua porção criminal, recentemente denunciada e sob persecução da Justiça. O nome dessa “Abin paralela” se chama politização. Os desvios e malfeitos institucionais são engendrados e nascem dessa agência politizada, a qual pode propiciar abusos contra os direitos e garantias fundamentais e, no limite, crimes contra o Estado Democrático de Direito ou de corrupção. Essa “Abin paralela” ou politizada é o retrato institucional perfeito da Abin que se reveste e traveste de uma ilegitimidade inata.

    O presidente Lula não tem um problema policial a resolver, em relação à agência secreta. Seu desafio é romper com os legados da militarização / policialização, quistos degenerados que são efeitos da gênese híbrida militar-civil da instituição, em 1999. A recorrência de eventos graves impõe à elite dirigente do Executivo romper o círculo vicioso da politização, internamente ao qual se gera e consolida uma Abin ineficaz e avessa à responsividade. 

    Desde sempre, todos os seus “amigos” indicados demonstram que, para além da “confiança pessoal”, é condição necessária identificar e debelar os efeitos da politização da Abin. Em outras palavras, instaura-se um paradoxo impossível de solucionar nos termos da própria escolha do Executivo. Se não houver rompimento com a politização, apenas vamos manter a Abin como um corvo a nos espreitar, cevando abusos e malfeitos que adiante vão explodir. Se a Abin não for refundada desde as suas estruturas institucionais, ela, ao custo anual de um orçamento que beira 01 (um) bilhão de reais, será sempre um “caso policial” e “político”, além de ineficaz e infenso aos controles democráticos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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