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    Miguel Paiva

    Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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    Acreditar em mentiras

    "Eles não ficam escandalizados com o falso vício do Boulos em cocaína, e sim com o escândalo que isso vai gerar", escreve Miguel Paiva

    Charge de Miguel Paiva

    Quando fazia análise, discutia muito com o meu querido terapeuta Giovanni Gangemi o verdadeiro significado da mentira. Quando ela é uma resposta a uma invasão de privacidade, uma reação a uma atitude autoritária de querer saber da sua intimidade, ela se justifica. A mentira é nociva quando faz mal a alguém, quando distorce a realidade para fins desonestos. É o que estamos vendo há algum tempo na política e, sobretudo, nas redes sociais.

    Insisto aqui neste tema. Acreditar em mentiras não é só sinal de ingenuidade, de desconhecimento ou de ignorância. Às vezes é também um desejo de que aquela mentira seja verdade. Quando o Marçal inventa repetidamente e sem medo de represálias mentiras sobre os outros candidatos, sobretudo o Boulos, ele está abusando da permissividade da justiça, da sociedade, da grande imprensa e, sobretudo, apostando no desejo de quem o ouve de que aquilo seja verdade.

    O Boulos ser um cara legal, como ele é de fato, para parte da população que perdeu a crença na política, não tem muito atrativo. Ele ser um drogado, como quer o Marçal, sim. Essa concordância permitida com o crime cai como uma luva na população descrente. A justiça permite, a sociedade releva e a grande imprensa repercute. Perfeito para os mentirosos.

    As ideias que a mentira propaga são sempre mirabolantes, fantasiosas, ficcionais e até mesmo fantásticas. Eles não ficam escandalizados com o falso vício do Boulos em cocaína, e sim com o escândalo que isso vai gerar. Anima a vida tediosa de quem tem que lutar para sobreviver. A igreja também explora essa crença. Nada mais fantasioso do que a ideia de juízo final, do pecado ou até mesmo a existência de um ser barbudo lá no alto que tudo vê e tudo julga.

    Não basta acreditar na mentira. Tem que querer ser como o mentiroso. Acreditar também que você vai se dar bem como ele. Esse é o grande desafio para quem diz a verdade: mostrar uma realidade que atraia quem escuta, provar que é melhor lutar ao lado do seu vizinho do que se isolar no escuro das crenças, achando que um dia você vai ser escolhido.
    Deus pode até não existir, mas Marçal existe e está aí fazendo você acreditar nos seus mandamentos mentirosos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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