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Emerson Barros de Aguiar

Escritor, bioeticista e professor universitário

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Algemas digitais: a “liberdade” vigiada das redes

"Enquanto as empresas sabem tudo sobre seus usuários, eles pouco ou nada sabem sobre como seus dados estão sendo manipulados"

(Foto: Freepik)

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No capitalismo, os trabalhadores têm a sua liberdade tolhida desde o momento em que são obrigados a vender a sua força de trabalho para sobreviver. Quem os obriga? O sistema, que não admite que subsistam de outro modo, concedendo ainda uma ilusão alienada, segundo a qual ele o faz espontaneamente, como “patrão de si mesmo”, seja na condição de motorista, de entregador de aplicativo, de microinvestidor independente ou de empreendedor digital. É um analgésico e uma distração, diante da dor de ser explorado, roubado e deixado sem direitos sociais. Ao perder o controle sobre o produto de seu trabalho, o trabalhador também perde o comando de sua própria vida.

Com uma “liberdade” reduzida ao consumo de produtos analógicos e digitais, ou restrita à participação no mercado como sardinhas em meio às baleias que as devoram, os indivíduos tem as suas mais caras faculdades e possibilidades pessoais suprimidas em troca de um regime de conformidade, num contexto onde a sua criatividade, pensamento crítico e realização pessoal são obliteradas em função de conveniências econômicas. A alienação leva a própria vítima a defender o sistema, fazendo com que aqueles que sofrem as consequências e os danos de uma ação predatória defendam os que perpetraram esse mal sobre eles. O predador internaliza na presa as regras que o favorecem, criando o cenário de caça ideal: aquele no qual o alvo se compraz em ser atingido ou capturado. 

Para que as engrenagens da máquina de alienação se movimentem sem maiores atritos é preciso que a opinião pública seja domesticada. O controle da cultura de massa só é possível com o domínio das mídias, sendo as digitais as mais eficientes de todas atualmente. As BigTechs, proprietárias das principais plataformas digitais nas quais o público interage “legislam” em causa própria, estabelecendo regras e algoritmos que as favorecem, à margem de quaisquer critérios éticos ou legais. Os dados viciados sempre favorecem o cassino, que ainda chama a trapaça de auto regulação. Com as percepções e o pensamento das pessoas moldados em função dos interesses corporativos que controlam a economia, a hegemonia dos donos do poder é resguardada e preservada tanto no mundo real quanto no virtual. 

Embora o capitalismo avance para a decadência, como o rabo do cavalo, que só cresce para baixo; ele ainda se move e se metamorfoseia para sobreviver, sob novas formas e modalidades que sirvam ao seu propósito. Shoshana Zuboff diagnosticou uma dessas facetas mais recentes, que ela chamou de “capitalismo de vigilância” que, segundo ela, consiste na adaptação do capitalismo às tecnologias digitais, com corporações e empresas coletando, analisando e comercializando dados pessoais de usuários para prever e influenciar comportamentos.

O capitalismo de vigilância se dedica, primordialmente, à coleta massiva de informações por meio de plataformas digitais, como redes sociais, motores de busca, aplicativos e dispositivos conectados. As empresas que controlam esse mercado, monitoram as atividades online e offline dos usuários, incluindo cliques, pesquisas, localização e até interações pessoais, transformando essas informações em dados que são processados por algoritmos para criar perfis detalhados, com o objetivo de prever comportamentos futuros e vender essa capacidade preditiva para quem pagar melhor. Obviamente, quem coleta as informações as usa primeiramente para si e, só depois, vende-as, em retalhos, para segmentos nelas interessados.

A grande busca de qualquer homem sem escrúpulos é moldar o comportamento humano ao seu bel prazer. Toda mão que reúne, sozinha, muito poder já é, por si só, a mão errada. O poder absoluto continuará sendo, felizmente, inacessível, porém, muito poder acumulado por um só indivíduo ou grupo sempre causará um enorme estrago. Interesses individuais e corporativos motivados pela ganância não costumam medir as consequências para obterem o que desejam. Ou a sociedade coloca limites sobre o que a afeta diretamente, ou será vitimada continuamente por quem não se preocupa com o interesse comum.

O conhecimento sobre as pessoas se tornou um recurso valioso e comercializado para maximizar lucros e obter poder, mesmo sem o consentimento ou a compreensão dos usuários em relação a como suas informações pessoais estão sendo utilizadas. Os dados individuais são a matéria-prima para prever e moldar o comportamento humano em escala massiva. As BigTechs lideram esse modelo ao transformar a coleta de informações no foco central dos seus negócios. Para além de seu alegado propósito de melhorar produtos e serviços, a intenção é usar o material coletado para criar novos mercados baseados na previsão de comportamentos futuros. A atuação indiscriminada dessas grandes corporações de coleta de dados não apenas compromete a privacidade individual, como ameaça a democracia e a autonomia pessoal, ao permitir que empresas acumulem um poder sem precedentes sobre a sociedade. 

Enquanto as empresas sabem tudo sobre seus usuários, eles pouco ou nada sabem sobre como seus dados estão sendo manipulados, num “Admirável Mundo Novo” onde quem utiliza as plataformas digitais é expropriado em sua privacidade, direitos individuais, comportamento e dignidade. 

O touch screen, o teclado convencional e o mouse são ratoeiras de dedos. Sem respostas regulatórias à altura da ameaça que representam, continuaremos a cair nelas, mesmo sem querer. 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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