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Sara Goes

Sara Goes é âncora da TV247, comunicadora e nordestina antes de brasileira

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André Fernandes, me compre um bode!

Se ele está chocado com o atual cenário, nós também estamos — mas pelo fato de que alguém com essa trajetória tenha a audácia de se declarar vítima

André Fernandes (Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

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A frase "ora, me compre um bode!" foi popularizada pelo radialista maranhense Renato Sousa, que a usou como bordão e marcou um estilo nos mais de 40 anos de carreira. Ela é usada para demonstrar incredulidade, indignação ou para reagir a mentiras e hipocrisias e também reflete impaciência diante de conversas sem sentido. Nos anos 1990, a expressão se espalhou por parte do Nordeste, sobretudo do Piauí e Ceará. De tão inusitada se torna ideal para capturar o absurdo da nova postura do bolsonarista André Fernandes (PL) no segundo turno em Fortaleza. Acreditem, o mesmo André Fernandes que propagou fake news e incitou atos antidemocráticos agora está cho-ca-do com a violência política.

É possível que a maior parte dos leitores nunca tenha assistido ao vídeo que projetou André Fernandes no cenário político, mas certamente todos conhecem sua reputação como um dos principais propagadores de fake news no país. Em 2022, ele foi o primeiro a compartilhar no Telegram uma mensagem de Jair Bolsonaro insinuando fraudes no processo eleitoral. Esse foi o gatilho para sua investigação no Supremo Tribunal Federal e na Polícia Federal, que o conectam diretamente à organização dos atos golpistas de 8 de Janeiro.

Somente no Ceará, André Fernandes coleciona uma série de acusações e condenações. Em 2019 ele acusou os deputados estaduais Nezinho Farias (PDT) e Osmar Baquit (PDT) de envolvimento com facções criminosas no estado. No mesmo ano o bolsonarista fez acusações semelhantes ao então governador Camilo Santana, que assim como os deputados, processou o bolsonarista. Condenado a pagar indenização por calúnia e difamação, André não aprendeu nada e insistiu na associação do PT às facções criminosas durante os debates no primeiro turno de Fortaleza. Aliás, a insistência de André Fernandes em mencionar organizações criminosas parece refletir algum tipo de projeção psicanalítica, especialmente considerando sua participação ativa no acampamento golpista em Fortaleza, identificado como um centro de disparo de fake news pela 16ª fase da Operação Lesa Pátria.

O deputado usa a manjada estratégia de mentir e incitar a violência com o intuito de silenciar e atacar seus opositores, como a jornalista Patrícia Campos Mello. Em 2021, ao insinuar que ela teria trocado favores sexuais por informações prejudiciais a Jair Bolsonaro, André foi condenado por difamação e precisou indenizar a repórter em R$50 mil. Pouco.

Escapando, até agora, de uma condenação no golpe de 8 de Janeiro, André usou parte do seu tempo na CCJ durante o ano passado para defender as mais diversas teorias sobre o evento. A possibilidade de finalmente ser punido de forma didática mexe com os nervos de André: No dia 22 de março de 2023 Fernandes quebrou o microfone da câmara após se exaltar enquanto esbravejava pelo direito... de mentir.

(Embora passar vergonha não seja crime, é impossível ignorar a emblemática sessão da CCJ que recebeu o então ministro da Justiça Flávio Dino. Naquele espetáculo que durou 7 horas, André Fernandes repetiu sua cartela de acusações até ser humilhado publicamente por Dino, que rebateu com precisão e ironia quando Fernandes o acusou de responder a 277 processos judiciais pelo fato de estar citado… como juiz.)

Mas nenhum momento foi mais produtivo para André Fernandes do que a pandemia de Covid-19. Durante esse período, ele se destacou pela produção frenética de desinformação, espalhando a falsa alegação de que o governo cearense estaria inflando os números de mortes por coronavírus. A rápida resposta dos profissionais de saúde e da prefeitura, que na época era liderada pelo médico Roberto Cláudio (PDT), evitou que a situação, com quase 12 mil mortos na capital, se agravasse ainda mais. Ironicamente, Roberto Cláudio, que demonstrou profunda indignação pela irresponsabilidade de Fernandes, agora se encontra no mesmo palanque que ele. O deputado também mobilizou agentes de segurança de Ipojuca (PE) ao ir à praia em pleno período de isolamento. Na ocasião, a Polícia Civil registrou um inquérito por abuso de autoridade e infração de medida sanitária preventiva. De todas as estratégias de desinformação usadas pelo bolsonarismo, a disseminação de mentiras sobre a pandemia foi a menos eficaz para a popularidade de André Fernandes, que tenta minimizar esses fatos ao mesmo tempo em que convida a "Capitã Cloroquina" para a secretaria de saúde.

No primeiro turno Fernandes repetiu a estratégia do derrotado Pablo Marçal (PRTB) ao sugerir que o amigo/adversário/amigo de novo Capitão Wagner (União) estava sob efeito de substâncias ilícitas. A Justiça Eleitoral determinou a remoção do vídeo naquele momento e o assunto deve ter sido esquecido entre os ex/novos amigos.

Ontem (19) o candidato do PL publicou em seu Instagram, em tom de choque, um vídeo em que ele se dizia perplexo com a divulgação de um áudio falso associado a ele, disseminado nas redes sociais e disparado em grupos de whatsapp durante todo o dia. Segundo o candidato, cujo histórico na internet não corresponde a tamanho pudor, mentir em um processo eleitoral não é apenas feio, mas um crime. Marmenino!

Ao simular indignação, André Fernandes tenta se distanciar das consequências de suas próprias ações. A estratégia de vitimização tem um timming: Aconteceram ontem grandes eventos simultâneos em apoio à candidatura de Evandro Leitão (PT), destacando-se uma caminhada em defesa dos direitos das mulheres que reuniu a candidata à vice-prefeita, Gabriella Aguiar, a vice-governadora Jade Romero, parlamentares e lideranças femininas e a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves. O evento reuniu milhares de mulheres a fim de lembrar do histórico misógino de André, um dos seus pontos fracos. Vendo o reforço de cabos eleitorais do candidato petista, a campanha de André passou a reforçar a estratégia de vitimização, afirmando que "os homens mais poderosos do Brasil" se uniram contra "um jovem de 26 anos". Se ele está chocado com o atual cenário, nós também estamos — mas pelo fato de que alguém com essa trajetória tenha a audácia de se declarar vítima.

Infelizmente existe eficácia nessa estratégia: André Fernandes apresenta em Fortaleza uma postura totalmente diferente de suas aparições anteriores como deputado e youtuber. Do rosto harmonizado à fala sem o sotaque típico de Iguatu, tudo nele parece renovado, cuidadosamente construído para atrair novos públicos, especialmente aqueles mais crédulos. Até mesmo seu mito, de quem se dizia o 01,  foi varrido para debaixo do tapete e continuará lá até o final das eleições. Além disso, um dos motivos pelos quais André Fernandes continua mantendo um apoio expressivo é a lógica do perdão e da regeneração espiritual no imaginário neopentecostal, que enxerga o candidato crente como uma pessoa renovada, redimida por sua fé. A prova disso é a intenção de trazer Michele Bolsonaro para Fortaleza, numa tentativa de apagar o incêndio entre o eleitorado evangélico, que vê o passado recente de André emergir graças à campanha de Evandro Leitão. A artimanha de esconder Bolsonaro e colocar Michelle em evidência não foi eficaz em 2022 e espero que agora também não seja.

Desde o tal vídeo - que o leitor provavelmente não viu, gravado sob o mesmo teto do pai, pastor Alcides (não vigiou, né irmão?), até sua tentativa de parecer uma vítima, fica claro a facilidade para André Fernandes fingir ser alguém que ele não é. Em uma campanha marcada por empates persistentes nas pesquisas, a expectativa é de que André Fernandes, sob intensa pressão e sob os limites da personagem que encarna, acabe cansando de manter essa fachada. Tomara.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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