Anti-glossário
O oposto de um glossário: são conceitos ou expressões muito usadas, que muita gente conhece, mas que são desadequadas, de significado manipulador, que servem como semântica ideológica para apoiar o capitalismo
Um glossário serve para melhorar a compreensão. É uma lista com o significado de conceitos ou expressões incomuns, pouco conhecidas, de natureza técnica e/ou específicas a uma determinada área do conhecimento. Apresento aqui o que intitulo de anti-glossário (do capitalismo), que é o oposto de um glossário: são conceitos ou expressões muito usadas, que muita gente conhece, mas que são desadequadas, de significado manipulador, que servem como semântica ideológica para apoiar o sistema vigente, o capitalismo. São apenas alguns exemplos:
“Capitalismo democrático”: o capitalismo é baseado na relação de produção entre patrão e trabalhadores. O patrão decide e os trabalhadores obedecem. Como todos sabemos o patrão é dono dos meios de produção e dos lucros da empresa. O núcleo do capitalismo é portanto anti-democrático. Mas mais do que isso o sistema que emerge e se desenvolve a partir desse núcleo também. O sistema capitalista gera desigualdades tais que acabam por prejudicar e inviabilizar o funcionamento da democracia mesmo que limitada à esfera política, o poder do capital corrompe e manipula, a maioria das pessoas exploradas e/ou marginalizadas pelo capital perdem a disponibilidade e capacidade para o exercício dos direitos democráticos. As tentativas de regulação do capitalismo através da representação política democrática e das políticas de redistribuição da riqueza têm mostrado ser incapazes de dominar a besta.
“Ditadura comunista”: Ditadura e comunismo são conceitos antagônicos. O comunismo é definido pela ausência de qualquer tipo de ditadura. Uma sociedade comunista seria uma sociedade igualitária, emancipada e auto-organizada sem classes sociais e sem Estado. Seria consequentemente uma sociedade democrática e com liberdades para todos. Usar a expressão “ditadura comunista” equivale a usar a expressão “anarquia fascista”. É um oximoro. O que não impede que seja uma das expressões mais usadas no debate político a nível mundial. Dando um exemplo: nos últimos 25 anos o meu país foi governado pelo Partido Socialista durante 18 anos. Será que por isso é um país socialista? Pelo contrário, se analisarmos a história recente podemos concluir que estamos numa trajectória de afastamento do socialismo. Da mesma maneira um país que seja governado por um Partido Comunista não significa que seja comunista.
“Paraíso fiscal”: onde se abrem as empresas e contas bancárias “offshore”. São locais onde a contribuição fiscal é muito reduzida ou nula e a identidade dos proprietários é protegida ou ocultada. É um nome desadequado para descrever o que realmente são estes mecanismos de fuga à fiscalidade dos Estados de origem dos proprietários, nomeadamente de lavagem de dinheiro proveniente das mais diversas actividades criminais. Deviam ser chamados de infernos fiscais pelas consequências negativas que têm para os povos do mundo e para o bem comum.
“Mortos do comunismo”: a contabilização é polémica e muitas vezes criativa, com o objectivo de aumentar a contagem. Este debate começa logo com um problema, o comunismo como sistema não foi materializado. Terá existido o chamado comunismo primitivo durante o Paleolítico: mas não chegaram até nós as contas dos “mortos do comunismo primitivo”. Se queremos falar de mortos causados por acções do movimento político-ideológico teríamos então que fazer a contagem comparativa com outros: Porque não falamos dos “mortos do liberalismo”? Ou dos “mortos do conservadorismo”? No caso do liberalismo são muitos milhões de seres humanos assassinados e escravizados ao longo da história dos últimos séculos. Mas arrisco dizer que nestas contabilidades há um campeão destacado do terror: o capitalismo. Para os “mortos do capitalismo” não há contadores que aguentem!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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