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    Cândido Vaccarezza

    Dr. Cândido Vaccarezza é um médico e político formado pela Universidade Federal da Bahia e atualmente mora em São Paulo. Ele tem especializações em ginecologia e obstetrícia, saúde pública e saúde coletiva. Durante a pandemia, foi diretor do Hospital Ignácio P Gouveia, referência para o tratamento de Covid na Zona Leste de São Paulo. Como político, ele participou da luta pela democracia no Brasil na década de 1970 e foi deputado estadual e federal pelo PT. Além disso, ele também foi líder na Câmara do Governo Lula e Dilma e secretário de esporte e cultura em Mauá. Reg

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    As desigualdades sociais e a presença do Brasil em Davos

    'Floresta não é santuário e não precisa de doações de bilionários', escreve Cândido Vaccarezza

    Marina Silva (Foto: World Economic Forum/Sandra Blaser)

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    Pouco antes da abertura do Fórum Econômico Mundial (WEF, sigla em inglês), a OXFAM, divulgou um relatório sobre as desigualdades sociais no mundo e a reprodução da pobreza; independentemente das discussões sobre eventuais falhas deste relatório, todos deveriam lê-lo com atenção, cito um dado para abrir o debate sobre a agenda que o Brasil destacou nesse fórum anual.

    “A riqueza dos cinco maiores bilionários do mundo dobrou desde 2020, enquanto a de 60% da população global – cerca de 5 bilhões de pessoas – diminuiu nesse mesmo período” (OXFAM 2024). Em 2020 os 5 tinham juntos 405 bilhões de dólares e em 2023 esta fortuna somava 869 bilhões de dólares. Para termos uma ideia da significância dos números, podemos compará-los ao total das reservas internacionais do Brasil, 350 bilhões de dólares. Segundo o Diretor do Banco Central, Galípolo, este imenso volume em reservas dá condição privilegiada ao Brasil em relação a outros países. Imagine que 5 pessoas detém 2,5 vezes o total das reservas internacionais de nosso país.

    No Brasil, apesar de termos um dos maiores PIBs, estamos entre os que têm maior concentração de riqueza e maior desigualdade social no mundo. O trabalho do economista Sérgio Gobetti, para a Fundação Getúlio Vargas, mostrou alguns dados impressionantes: a renda dos 0,01% mais ricos do Brasil, 15 mil pessoas, cresceu 95%, quase dobrou, entre 2017 e 2022, a inflação do período foi 31%; para os 1% mais ricos em idade de trabalhar, 1,5 milhão de pessoas, a renda média mensal, saltou neste período, de 52,5 mil reais para 87,7 mil reais, crescimento de 67%. Do outro lado, a imensa maioria da população brasileira, 95% dos adultos, recebia, em média mensal, 1748 reais por mês em 2017, 5 anos depois passou a receber 2332 reais. É preciso observar que estamos falando de uma média entre 95% da população, se considerarmos os 50% mais pobres a situação é de calamidade. Esta é uma tragédia que não interessa aos ricos e nem aos pobres, e tem causas, apesar de complexas, resolvíveis. Parte desta situação foi construída historicamente por uma conjunção de fatores, a estrutura tributária, o valor do salário mínimo, a qualidade da educação, a jornada de trabalho, a baixa infraestrutura do país, a baixa produtividade, entre outros. Tratarei destes assuntos em outros artigos, porém, já adianto, que falta muito para dizermos que o Brasil fez a reforma tributária; foram aprimoradas a cobrança de impostos e a qualidade desta cobrança, entretanto, há muito a ser feito.

    No primeiro dia do Fórum Mundial de Economia que acontece anualmente na Suíça, a Agência GOV deu os seguintes destaque às falas dos Ministros brasileiros que participariam do Encontro.

    A ministra Marina Silva, se referindo à agenda climática: “O presidente Lula colocou essa agenda no mais alto nível das prioridades e assumiu que a política ambiental brasileira, política de clima, não será uma política setorial, será uma política transversal e estará presente nas políticas de energia, de transporte, de mobilidade, na agricultura, na indústria, em todos os setores”. Informou, ainda, que a ministra Marina participará com o tema “Reconstruindo a confiança”, no painel “A transformação ecológica do Brasil”. A ministra Nilza Trindade participará do debate sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde e o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, debaterá a transição energética. Tudo seguiu o rito traçado e a presença do Brasil no Fórum Econômico Mundial, ficou circunscrita à defesa da transição energética, até com especulações sobre a definição de um preço, um valor para a natureza. Tenho dúvida se representantes do Brasil têm autoridade para, em encontros internacionais, poderem aventar temas tão polêmicos como estes.

    Ainda em Davos, a Ministra Marina se reuniu com o arqui bilionário BIll Gates, para falar sobre o meio ambiente no Brasil, encontro fartamente divulgado pela imprensa, reproduzo aqui um trecho da matéria CNN: “Fontes que acompanharam o encontro bilateral afirmaram que Gates ‘manifestou o desejo de visitar o Brasil’ e a ministra respondeu que a viagem seria muito interessante, diante da possibilidade de destinação de recursos de filantropia à comunidades tradicionais indígenas”. Eles conversaram sobre transição energética e o bilionário reforçou o seu discurso de defesa dos investimentos em adaptação para os países alcançarem as metas de emissões zero de carbono.

    A ministra apresentou a Gates os destaques da agenda ambiental brasileira, falou sobre as ações de combate ao desmatamento e sobre a realização da COP 30 em Belém, no Pará, em 2025. Gates se interessou pela realização da cúpula, mas segundo fontes, a visita ao Brasil poderia acontecer antes do evento.

    Sou totalmente a favor das articulações e conversas com quase todos os segmentos políticos, econômicos e culturais mundiais, a questão para mim é: qual a agenda e qual postura deve ter o Brasil nestes encontros. Lembrando Caetano Veloso:

    “Aqui tudo parece/ Que era ainda construção/ E já é ruína/ Tudo é menino, menina/ No olho da rua/ O asfalto, a ponte, o viaduto/ Ganindo pra lua/ Nada continua” (...) “Alguma coisa/ Está fora da ordem/ Fora da nova ordem Mundial”.

    Na Amazônia vivem mais de 40 milhões de pessoas, a maior parte delas sem as mínimas condições de sobrevivência; a comunidade indígena e ribeirinha, vive sobre, e ao lado, da maior riqueza mineral, ambiental, aquática e energética do Brasil; infelizmente, não tem água potável, energia elétrica, saneamento básico e nem meios de sobrevivência adequados. Considero que esta seja a principal agenda a ser debatida para a amazônia: como empreender o desenvolvimento possível e vigoroso que ajude ao Brasil a crescer e distribuir renda com segurança ambiental, com manejo do meio ambiente baseado na ciência, que seja usada esta imensa riqueza para melhorar a vida da população e ajudar ao desenvolvimento nacional, sem comprometimento da floresta. Não com a visão de que a floresta é um santuário e precisa de doações de bilionários para ajudar aos pobres.

    Este, para mim, é um dos debates centrais para a formulação de um projeto para o Brasil.

    O Brasil tem jeito!

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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