As duas faces do país
"Lula, no Parlamento Europeu, na Sciences Po, ovacionado, valeu-se de suas experiências e de seu passado para afirmar convicções a respeito do que somos e do que devemos ser. O outro, censurando o INEP e levando em troco o pedido de demissão de 35 técnicos, aparece mal, muito mal, na foto"
Foi, sem parti pris, impressionante o contraste entre um e outro. De um lado, saudado pelos principais dirigentes da Europa como uma figura política de importância inquestionável, o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De outro, no Oriente Médio, depois de um intervalo na Itália, despercebido e desprestigiado, o atual mandatário: Jair Messias Bolsonaro. O contraste não ficou só nisso, numa questão de presença física. Ultrapassou as expectativas, quando se tratou de discurso. Lula, no Parlamento Europeu, na Sciences Po, ovacionado, valeu-se de suas experiências e de seu passado para afirmar convicções a respeito do que somos e do que devemos ser. O outro, censurando o INEP e levando em troco o pedido de demissão de 35 técnicos, aparece mal, muito mal, na foto. Não gostou da palavra golpe, contra revolução, nos exames, contestou a figura da Mafalda e deblaterou contra questões de gênero ou associadas, em suma, o atraso do atraso. Sobre a crise econômica e a fome, a perda de direitos trabalhistas conduzindo ao abismo social, ou a falência da nossa indústria, nada, não diz uma palavra. Questionado a respeito de suas posições e medidas de censura, afirmou que elas tinham ‘a cara do governo’. Provavelmente, se tivesse de se sentar e responder às perguntas para ingressar na universidade, não conseguiria responder. Levaria bomba.
É estranha a sensação de que vivemos em dois países num só, como se, aqui dentro, ora passássemos para um lado, ora para o outro. Já sabíamos que tínhamos, num único pacote, do ponto de vista econômico, a Índia e a Bélgica, a chamada “Belíndia”. Agora, trata-se da nação das ideias. Mais desconcertante ainda é a consciência de que o ex-Presidente Lula vem de uma passagem difícil de sua vida, preso injustamente, sem provas, por 580 dias, longe dos seus e da família. O sucesso de sua viagem constitui a demonstração de que o mundo reconhece a injustiça de que se tornou vítima. Não o queriam em ação com medo de que, mesmo sob o bombardeio de acusações (depois derrubadas no Supremo), com excelente cotação nas pesquisas, ganhasse as eleições. Uma das faces do país, na qual se movimenta Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, lançando-se candidatos, representa como andam as coisas nesta margem do rio. Não se sabe o que acontecerá. Sabe-se que, pelo panorama atual, a verdade que se ergue num dos lados do país, aos poucos contaminará o outro.
Viver num ambiente dividido em dois, constitui, não há dúvida, uma aventura dilacerante.
No passado, com a ditadura militar, também tivemos algo parecido. Hoje, como as discussões democráticas não cessaram, porque mesmo as elites atrasadas fizeram questão de preservá-las, a realidade vem em socorro ao pensamento para trazer luz sobre a complexidade da situação. Será um desafio a ser enfrentado, inclusive com a eventual vitória da oposição em 22. Por enquanto, ainda que dê sinais de estertorar, a administração Bolsonaro, abundante nos absurdos, pode continuar se deleitando nas glorias do conservadorismo estreito, como se fosse dono da raça. Ela saberá virar o jogo, quando chegar a hora.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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