As eleições municipais de São Paulo reavivam o “mundo cão” e a culpa é da imprensa comercial
A imprensa comercial parece ter se rendido às mesmas estratégias adotadas por Marçal em busca de likes, curtidas, compartilhamentos e seguidores
No dia 16 de agosto foi oficialmente iniciada a propaganda eleitoral da campanha para as prefeituras e câmaras de vereadores dos 5.565 municípios brasileiros. Apesar disso, a disputa eleitoral de uma única cidade, São Paulo, tem monopolizado a cobertura da imprensa comercial, as análises de repórteres, os debates entre especialistas e os comentários nas redes sociais.
Todo este engajamento, entretanto, não se deve às propostas feitas pelos candidatos para solucionar os problemas cotidianos da população, como educação, saúde, segurança pública, mobilidade urbana ou serviços de zeladoria. O que tem mobilizado a opinião pública em torno das eleições municipais de São Paulo são os xingamentos, as acusações sem provas, as violações de regras eleitorais, as condenações judiciais, as suspeitas sobre o envolvimento em atividades ilícitas e a falta de propostas para solucionar os problemas cotidianos enfrentados pelos paulistanos, que têm partido de um único candidato ao cargo de prefeito da maior cidade da América Latina.
Pablo Marçal, o candidato coach que se apresenta como outsider, nega a política, ignora a importância das instituições sociais, se intitula antissistema, mente sem qualquer tipo de constrangimento e não apresenta uma única proposta para melhorar a vida dos paulistanos. A única preocupação demonstrada por este candidato é com a produção de cortes e a lacração. Os trechos dos debates e entrevistas são cuidadosamente selecionados e editados para o uso nas suas redes sociais, que contam com milhões de seguidores.
Entretanto, a busca desenfreada por compartilhamentos, likes e engajamento nas redes não é uma exclusividade do Pablo Marçal. A imprensa comercial parece ter se rendido às mesmas estratégias adotadas pelo candidato coach em busca de likes, curtidas, compartilhamentos e seguidores. Exemplo deste comportamento leniente que o jornalismo comercial vem tendo com Marçal é que diante das mentiras, grosserias e faltas de propostas o candidato tem sido convidado para participar de novos debates e entrevistas.
Em momento algum o candidato é questionado sobre as suas recorrentes mentiras, problemas como o aumento da população em situação de rua, a Cracolândia, o Ideb das escolas municipais, a falta de leitos para atendimento na rede municipal, o sistema de transporte público ou as necessárias obras contra enchentes também parecem não ser do interesse dos jornalistas e comentaristas. Aliás, a própria presença de Marçal nos debates e nas entrevistas é, por si só, um grande contrassenso da imprensa comercial.
Talvez, muitas pessoas não saibam, mas, além da candidatura de Pablo Marçal do PRTB, Datena do PSDB, Guilherme Boulos da Federação PSOL/Rede, Marina Helena do Novo, Ricardo Nunes do MDB e Tabata Amaral do PSB, existem outros três candidatos ao cargo de prefeito da cidade de São Paulo, são eles: o Altino Prazeres do PSTU, Bebeto Haddad da DC e Ricardo Senese da UP. Diferente dos seis primeiros, os três últimos candidatos não foram convidados para os debates e as entrevistas realizadas até o momento. Muitos de vocês devem estar se perguntando o motivo para que estes candidatos não estejam participando dos debates e entrevistas, este fato é explicado pela Resolução nº 23.610/2019, publicada no Tribunal Superior Eleitoral. A Resolução nº 23.610/2019 tem o objetivo de regular os pleitos eleitorais. O parágrafo 1º do artigo 44 desta normativa determina a participação nos debates de candidatas e candidatos de partidos, federações ou coligações que tenham no mínimo, cinco parlamentares no Congresso Nacional, sendo facultada a presença dos demais postulantes.
A imprensa comercial tem utilizado a Resolução nº 23.610/2019 para impedir que três candidaturas de partidos que não possuem no mínimo cinco parlamentares no congresso nacional participem dos debates eleitorais. Entretanto, existe outro candidato cujo partido também não dispõe de 5 parlamentares, mas que além de estar participando de todos os debates, seu nome é Pablo Marçal. Para explicar este fato, eu tenho três hipóteses bastante simples.
A primeira hipótese é que o caos que Marçal está produzindo nos debates eleitorais, ainda que inviabilize qualquer tipo de discussão aprofundada sobre os reais problemas da cidade de São Paulo, gera audiência, engajamento, compartilhamento e likes para a imprensa comercial. Independente dos motivos, o aumento da audiência de um programa ou canal faz com que os patrocinadores queiram expor as suas marcas e produtos. A segunda hipótese é que ao se render as estratégias adotadas pelo candidato coach, generalizando as “baixarias” e acusando indiscriminadamente todos os candidatos e as candidatas de estarem recorrendo às mesmas táticas, seria uma tentativa de demonstrar isenção para a opinião pública. A terceira e última hipótese é a mais simples, existe uma questão ideológica norteando a relação da imprensa comercial com Pablo Marçal. A imprensa comercial não apenas o convida para participar de debates e entrevistas, mas, despende um significativo tempo de cobertura jornalística para cobrir ataques, xingamentos e ilegalidades, porque concorda com ele.
Assim, com a cumplicidade da imprensa comercial, a campanha eleitoral da cidade mais importante do país se tornou um vale tudo, que mais lembra os programas jornalísticos sensacionalistas que ficaram conhecidos por apresentarem um “mundo cão”, com qualidade bastante questionável, mas que rendiam uma grande audiência. Em 2024, as imagens de pessoas ensanguentadas, brigas entre vizinhos e desentendimentos familiares foi substituída pelos cortes e pela lacração que também geram audiência e engajamento para um determinado candidato, mas também para a imprensa comercial.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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