As escolhas do Peru entre um novo porto de águas profundas e vagões de metrô usados
Os Estados Unidos tentaram barrar os investimentos chineses no Peru
Publicado originalmente por Globetrotter em 25 de novembro de 2024
Entre os dias 15 e 16 de novembro de 2024, o governo do Peru sediou o fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC). Este encontro de 21 países, iniciado em 1989, reúne as principais nações da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) com os principais países que cercam o Oceano Pacífico, incluindo os Estados Unidos e a China. Não houve nada de dramático no fórum da APEC em si, cuja Declaração de Machu Picchu poderia ter sido escrita em qualquer um dos fóruns anteriores. Contudo, uma frase da declaração chamou a atenção: “Mudanças rápidas e sem precedentes continuam moldando o mundo hoje.” No entanto, os governos não conseguiram elaborar sobre essa frase devido às diferentes visões sobre essas mudanças. Embora o encontro em si não tenha articulado as “mudanças rápidas”, eventos fora da reunião em Lima deixaram a natureza dessas mudanças bem clara.
Vagões de Metrô Usados
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, chegou à APEC com uma oferta um tanto peculiar. Ao lado da presidente peruana Dina Boluarte, Biden anunciou que os Estados Unidos estavam satisfeitos em doar 150 vagões e locomotivas ao sistema de metrô de Lima. Normalmente, esse anúncio seria muito bem-vindo. No entanto, havia algo que incomodava: os vagões e locomotivas não eram novos, mas usados no sistema Caltrain [sistema de trens suburbanos na California]. O governo dos EUA havia inicialmente considerado vendê-los ao Peru, mas decidiu apressadamente transformá-los em uma doação.
Novos equipamentos chegaram ao Peru, mas não para uso civil. Os Estados Unidos forneceram nove helicópteros Black Hawk (cerca de 65 milhões de dólares pagos à Sikorsky Aircraft pelos contribuintes norte-americanos). Esses helicópteros devem ser usados contra traficantes de drogas, mas não há garantia de que o governo peruano não os utilize contra os seus próprios cidadãos. Na mesma linha desses helicópteros militares, os militares dos EUA forneceram segurança para a cúpula da APEC, apesar de o exército peruano já ter demonstrado capacidade de gerenciar um evento desse porte.
Um Porto para a América do Sul
Duas horas ao norte de Lima, ao longo da maravilhosa costa do Peru, fica Chancay, uma cidade costeira famosa por ser um ponto estratégico na Guerra do Pacífico (1879-1884) entre Chile e Peru. O que antes era uma cidade tranquila agora é um grande porto. Em uma joint venture, a empresa peruana Volcan Compañía Minera S.A.A. detém 40% do porto, enquanto a COSCO Shipping Ports, da China, possui os 60% restantes. A COSCO é uma empresa estatal que já detém parte de um porto na costa americana do Pacífico, em Seattle, estado de Washington.
Os chineses investiram 3,6 bilhões de dólares no projeto peruano, iniciado em 2021 e já próximo da conclusão. A parte mais profunda do porto terá 17,8 metros, permitindo a atracação de navios de carga muito grandes, com capacidade de 18.000 TEUs (unidade equivalente a vinte pés, a medida padrão para capacidade de navios de carga). O maior navio de carga é o MSC Irina, construído na China, com capacidade de 24.346 TEUs. Durante a cúpula da APEC, os presidentes Xi Jinping, da China, e Boluarte, do Peru, inauguraram o porto.
O porto de Chancay será complementado por uma linha ferroviária que os chineses construirão, ligando o porto ao estado do Amazonas, no Brasil, até a Zona Franca na cidade de Manaus. O comércio entre a América do Sul e a China será direto e não precisará ser transbordado pela América Central ou do Norte. O tempo de transporte será drasticamente reduzido, tornando o comércio mais lucrativo para ambos os lados. Inicialmente, o porto será um grande impulso para produtos agrícolas (abacates, mirtilos, café e cacau). No entanto, o governo peruano espera, eventualmente, construir zonas industriais no interior do porto para processar esses produtos, incluindo madeira, garantindo que os ganhos de valor agregado permaneçam no Peru. Um exemplo, o Parque Industrial de Ancón, já está nos planos e será desenvolvido no próximo ano. Um estudo do projeto por acadêmicos peruanos prevê benefícios para o Peru e o restante da América do Sul nos próximos anos.
Investimento ou Insegurança
Os Estados Unidos tentaram barrar os investimentos chineses no Peru. Em 2020, os EUA conseguiram bloquear o investimento chinês no porto de La Unión, em El Salvador. Nenhuma pressão semelhante foi possível sobre o governo peruano, apesar dos vínculos militares com os EUA. No ano passado, a general reformada dos EUA Laura J. Richardson, então chefe do Comando Sul, expressou suas opiniões sobre os investimentos chineses ao Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington: “Eu diria que o que a RPC está fazendo – a República Popular da China – parece ser investimento, mas realmente o chamo de extração, no fim das contas. E digo que está na zona vermelha, só para usar… uma analogia. Eles estão na linha de 20 jardas [linha de fundo no chamado futebol americano] para o nosso território. Ou poderíamos dizer que estão na primeira e segunda cadeia de ilhas do nosso território. E a proximidade em termos desta região e a importância da região, acho que precisamos realmente valorizar o que esta região oferece e os desafios de segurança que esses países enfrentam.”
Os Estados Unidos tentaram transformar o investimento em uma questão de segurança, mas, para os países da América Latina, isso foi um investimento. Quando perguntado sobre o porto, o ex-ministro das finanças do Peru, Alex Contreras, disse ao Financial Times que “qualquer investimento é bem-vindo em uma região que tem um enorme déficit de investimento. Se você tiver que escolher entre nenhum investimento e o investimento chinês, sempre preferirá o investimento.”
Na reunião do G20 no Brasil, após a cúpula da APEC, Xi Jinping retomou o tema da Iniciativa do Cinturão e Rota. A China, disse ele, “sempre será membro do Sul Global, um parceiro confiável de longo prazo dos países em desenvolvimento.” Do ponto de vista do Peru, o porto construído não parecia uma ameaça à segurança. Pelo contrário, parecia desenvolvimento.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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