Assange, Lula e a necessidade de dizer o óbvio
Se nos acovardarmos, não apenas Assange, mas todos nós teremos um fim trágico
Nesta sexta-feira, dia 17 de julho de 2022 foi publicada a decisão da Ministra do Interior Britânico em favor da extradição de Julian Assange para os Estados Unidos.
Esta decisão positiva para os Estados Unidos já era esperada.
O grupo de advogados de defesa do jornalista-editor-fundador do WikiLeaks seguirá recorrendo até a última instância, assim como continuarão a pressionar os muitos grupos populares em diversos países no mundo pela libertação de Julian Assange.
Muito já foi dito (e ainda precisa ser dito) sobre as implicações jurídicas, diplomáticas e políticas caso esta extradição ocorra.
Em resposta a esta decisão o ex-presidente Lula fez neste mesmo dia seu mais contundente pronunciamento em apoio a libertação de Assange em evento público em Maceió (Alagoas).
Seu discurso direto e emocionado de quem foi vitimado com prisão injusta de 580 dias e perdas pessoais direta e indiretamente relacionadas à uma perseguição igualmente política-jurídica-midiática foi um apelo a uma conscientização mundial sobre o que realmente está em jogo na perseguição em curso contra Julian Assange.
Lula reafirma o óbvio (que em tempos sombrios precisa ser dito repetidamente): Julian Assange cometeu o crime de revelar a verdade sobre os crimes cometidos pela superpotência mundial que é os Estados Unidos. Como estadista que é, um homem que governou por 8 anos um país de tamanho e complexidade continental e importância mundial, Lula afirmou em seu discurso “os EUA, através de seus departamentos de investigação, da CIA, dos departamentos de estado, grampeou muitos países do mundo inclusive grampeou a presidenta Dilma Rousseff. Assange denunciou as falcatruas feitas no país mais importante do planeta. Mais importante do ponto de vista intelectual, econômico ou armamentista.”
Lula compreende e aponta a captura do estado por forças econômicas dos Estados Unidos que corrompem tanto a justiça e a diplomacia quanto interferem na política de outros países como o Brasil, vítima de espionagem política na pessoa de Dilma e comercial na Petrobrás. Espionagem essa que se provou mais tarde ser a ponta de lança para o golpe de estado arquitetado dentro do departamento de estado dos EUA e CIA na figura da Lava Jato.
Lula lembra que sem as revelações do WikiLeaks não teríamos o conhecimento de diversos indícios de que se preparava um golpe suave contra o Brasil e que a própria atitude pública do chefe de estado dos EUA revela o papel reservado a este e aquele país.
“Os EUA ainda teve a coragem de pedir desculpas à Angela Merkel, mas não teve coragem, ou não sentiu necessidade, de pedir desculpas ao Brasil.”
Este tratamento diferenciado dado a Alemanha (país aliado membro da OTAN que mostra-se submisso aos EUA, mesmo agora sofrendo prejuízos com a guerra da Ucrânia) e Brasil (país emergente, membro do BRICS e até 2015 em franca ascensão no cenário mundial – e com uma projeção de crescimento econômico e de valor geopolítico que faria concorrência aos EUA) reflete o tratamento dado pela CIA aos países envolvidos no imbróglio diplomático em que se encontrava Julian Assange em 2017.
Ainda em 2021 o site YahooNews! revelou que a CIA tinha planos para sequestrar/assassinar Julian Assange em 2017 quando o jornalista se encontrava asilado na embaixada do Equador em Londres. Segundo funcionários da agência, tais planos não se concretizaram tão somente porque sequestrar/assassinar um cidadão australiano em território britânico criaria um enorme embaraço diplomático entre países aliados dos EUA (Austrália e Reino Unido). Assassinar um jornalista por ele ter revelado crimes de guerra e corrupção não era visto como problemático para o superior responsável por dar o aval para assassinatos. E ainda menos foi visto como problemático invadir a embaixada de um país soberano (Equador).
A fala de Lula é tristemente encorajadora em afirmar o óbvio: quem cometeu crimes “foi quem, em nome dos EUA, estava espionando o planeta Terra, espionando outros países, inclusive espionando a nossa Petrobrás, logo depois da descoberta do pré-sal.”
Não é uma hipérbole, posto que os EUA realmente espionam praticamente todos países do mundo, como ficou provado por Assange e Edward Snowden.
É também corajosa a fala de Lula ao posicionar-se como estadista quando coloca de forma cristalina o que está em jogo para os EUA nas revelações do WikiLeaks. Os vazamentos que deram a Assange reconhecimento de seus pares da imprensa em todo o mundo e 18 acusações na justiça estado-unidense são chamados na imprensa corporativa ainda agora de “segredos sensíveis e embaraçosos”.
No discurso de Lula em Maceió, estes vazamentos são denúncias dos crimes cometidos contra países soberanos na forma de espionagem industrial sob a roupagem falsa de campanha de guerra ao crime transnacional (de tráfico de drogas à terrorismo) como é revelado no documento de 2009 da embaixada dos EUA em Brasília em que o então juiz Sergio Moro é flagrado como palestrante de valor no “Projeto Pontes” no que veio a ser o embrião da Lava Jato.
Lula ao chamar Assange diversas vezes de “cidadão”, defender que ele merece um prêmio Nobel e ao clamar por “uma pressão (...) um posicionamento público, para que esse homem seja colocado em liberdade” Lula reconhece o valor do trabalho de Assange para o fortalecimento da democracia em escala mundial, e assim estabelece Assange não apenas como prisioneiro político, mas como um cidadão do mundo.
Por ser um sobrevivente de enorme perseguição política-midiática-jurídica, Lula sabe que só uma coalisão mundial “de todas as pessoas que são democratas, que acreditam na liberdade, de todas as pessoas que reivindicam a verdade” para liberar aquele que neste século mais lutou por democracia, liberdade, verdade.
Diante da retirada de direitos, do acirramento da violência contra jornalistas e denunciantes em países democráticos, parafraseando o presidente Lula, se nos acovardarmos, não apenas Assange, mas todos nós teremos um fim trágico.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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