Ato falho ou desprezo pelos pobres?
Nosso país é o 9º mais desigual do mundo e o 1º na América Latina neste mesmo ranking. Ano passado, segundo a Oxfam, a parcela de 1% mais rica da população se apropriava de mais de 25% da renda nacional. E a soma da riqueza dos 5% mais ricos era igual à soma da riqueza dos demais 95% da população
Ainda é tempo de recordar que, ao discursar no Palácio do Planalto, no dia da posse, Bolsonaro leu o discurso, não falou de improviso. O texto original, distribuído previamente pelo novo governo, continha a afirmação de que investimentos em educação poderiam atenuar as diferenças entre ricos e pobres no Brasil.
Nosso país é o 9º mais desigual do mundo e o 1º na América Latina neste mesmo ranking. Ano passado, segundo a Oxfam, a parcela de 1% mais rica da população se apropriava de mais de 25% da renda nacional. E a soma da riqueza dos 5% mais ricos era igual à soma da riqueza dos demais 95% da população.
Entre a população, 80% (ou 165 milhões de pessoas) sobreviviam com uma renda inferior a dois salários mínimos por mês (R$ 1.996). E 0,1% da parcela mais rica concentrava em mãos 48% de toda a riqueza nacional. Além disso, o Brasil é o país mais violento do mundo. Em 2017, foram registrados 63.880 mil assassinatos. A principal causa da violência foi a desigualdade social.
Eis a versão do texto lido por Bolsonaro: “Pela primeira vez, o Brasil irá priorizar a educação básica, que é a que realmente transforma o presente e o futuro de nossos filhos e netos, diminuindo a desigualdade social”.
Do alto do parlatório, na Praça dos Três Poderes, ele encerrou seu discurso em “’filhos”. Omitiu a referência à redução da desigualdade social.
Assessores do presidente, questionados pela mídia, disseram ter sido um lapso. “Ele deve ter pulado, até porque seria bom fazer referência à desigualdade”, tentou explicar o general Heleno. “Não é fácil ler discurso assim. De repente, as letras começam a embaralhar...”, concluiu o militar.
Ora, Bolsonaro não trai o seu viés ideológico. Sabe ser real a desigualdade social, mas considera concessão ao “marxismo cultural” referir-se a esta realidade. Porque, segundo a lógica dessa ideologia, falar da desigualdade implica querer combatê-la. E para isso é preciso buscar as suas causas. E elas são óbvias: o sistema predatório que torna os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
Na abertura de Davos, neste ano, a Oxfam noticiou que, em 2018, os mais ricos do mundo tiveram aumento de 12% em suas fortunas, enquanto os mais pobres uma diminuição de 11% em suas rendas.
Já que não se pretende reduzir a desigualdade social, nem mesmo pela melhoria da educação ou aumento da oferta de emprego (tema também omitido pelo presidente), há que tentar dissimulá-la. Para tanto há vários recursos ideológicos, já que não há milagre que faça desaparecer favelas, pedintes, moradores de rua, corpos caídos nas calçadas, enfim, os 165 milhões de brasileiros que sobrevivem com menos de dois salários mínimos mensais.
O recurso mais utilizado para naturalizar a pobreza é o religioso: “As coisas são assim porque Deus quer.” Porém, quem vive conforme os preceitos da fé alcança a prosperidade. Basta trabalhar arduamente, deixar de fumar e beber, limitar o número de filhos (de preferência, o homem fazer vasectomia) e, se necessário, praticar o aborto induzido, conforme defende Edir Macedo, cuja Igreja é a favor de sua descriminalização.
O importante nesse viés ideológico é aceitar que a riqueza é uma bênção divina e não se deve pretender reduzi-la através de políticas que propiciem distribuição de renda. E a pobreza é sinal de maldição...
O único grande problema é que não se conhece povo que tenha suportado a desigualdade por longo tempo. Há um momento em que a ostentação dos ricos é recebida como ofensa pelos pobres. Então estes descobrem que são maioria, e têm em mãos um poder que, até hoje, nenhuma força bélica foi capaz de superar.
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