Bairros de Maceió sob risco de afundamento
O que se repete nos exemplos acima é o caso do gerenciamento privado. As empresas, em seus esquemas com o Estado, se utilizam da burocracia judicial e da corrupção para maximizar seus lucros, mesmo que a troco disso várias pessoas morram
Por Victor Mafra
Em Maceió, já não é novidade para os cidadãos a situação de calamidade que se encontram os moradores dos bairros Pinheiro, Mutange e Bebedouro, onde mais de 17.000 pessoas foram desalojadas da área sob risco de vida.
A capital alagoana havia acabado de passar por um intenso período de chuvas, que abalaram a estrutura da cidade, quando os primeiros sinais do problema que iria abalar vários moradores ocorreram. No dia 03/03/2018, foi sentido no bairro um tremor de magnitude 2,5 na escala Richter, que vai de 0 a 10.
O abalo foi sentido nos bairros do Pinheiro, Serraria, Farol, Bebedouro, Jatiúca e Cruz das Almas. Algumas ruas dos bairros chegaram a ceder e se abrir, paredes de casas e prédios rachadas.
O tremor não foi o primeiro que já ocorreu nos bairros; já foram registrados tremores em 2006, 2010 e 2016, e a situação de rachaduras em residências já era motivo de reclamação há pelo menos uma década. Durante a época, a imprensa burguesa, seus “grandes” especialistas e universidades não deram uma resposta conclusiva para o que ocorria nos bairros e nem sobre sua causa, gerando uma certa tensão nos moradores do bairro, que continuavam sentindo tremores.
O geólogo Renato Senna chegou a afirmar que os tremores eram causados pelo Neotectonismo. Ele trabalhou por 40 anos na Petrobras e afirmou que devido às recentes movimentações das placas tectônicas, o bairro sentiu tremores.
“Não temos controle sobre os tremores. Se pudéssemos prever, não ocorreriam os desastres fenomenais que vemos no mundo inteiro”, afirmou o Geólogo
O que os estudos de Renato deixaram de fazer foi uma análise do que ocorria nos bairros, tendo em vista que abaixo dos bairros afetados pelos tremores estavam os locais de extração das jazidas de sal-gema da Braskem. A empresa extraiu a sal-gema (sólida) e a substituiu por água. Isso pode fazer com que um espaço vazio se forme, no qual a terra pode se acomodar.
Braskem
Após um ano de pesquisas sobre a causa do problema (mesmo com geólogos e professores universitários avisando que a extração causaria um abalo na estrutura da cidade) e o envolvimento de entidades nacionais e internacionais no assunto, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), em 08/05/19, concluiu que a principal causa das rachaduras no Pinheiro, Mutange e Bebedouro era a atividade de extração da sal-gema.
"A gente entende que existem estruturas geológicas importantes em áreas da mineração da Braskem em uma série de cavidades construídas exatamente na intersecção das estruturas e isso não deixou que a caverna ficasse íntegra, desestabilizou a caverna e causou o que a gente está vendo no Pinheiro, a ruptura", afirmou o assessor de Hidrologia e Gestão Territorial do CPRM, Thales Queiroz Sampaio, em audiência pública.
A Braskem, numa tentativa cínica de se livrar do estorvilho, afirmou, no dia 27/09/19, que os tremores advinham de causas naturais. Quem diria que a empresa iria tentar se safar?
Danos que ocorreriam com o desabamento
Caso o afundamento ocorresse de modo súbito, seria um dos maiores desastres já ocorridos no País, sendo maior que Brumadinho e Mariana juntos. A tragédia seria cerca de 10 vezes maior que Brumadinho, contando que por volta de 40.000 pessoas moram nos bairros afetados e sob risco de desabamento - como o Mutange, Bebedouro, Pinheiro, Bom Parto, Farol.
Áreas de risco:
As áreas se dividem em:
Área amarela - baixa intensidade: onde é comum aparecerem trincos nas paredes das casas com em média um metro.
Área laranja - média intensidade: é comum nesta área aparecerem rachaduras com mais de um metro e alguns milímetros de espaçamento das frestas. Também se podem observar feições nos pisos, com persistência menor que 0,8 metros e fechadas, quando mais perto da área vermelha, mais os trincos se aproveitam de fraquezas das construções, como rejuntes e emendas em paredes.
Área vermelha- alta intensidade: Essa é a área onde há o maior número de evidências do desastre, incontáveis trincas nas paredes e chão das casas, também é comum o aparecimento de sumidouros (uma abertura profunda no solo) nas casas e na rua.
E os moradores?
Em janeiro de 2019, os moradores das áreas mais críticas foram despejados de suas moradias e o Governo Federal providenciou um auxílio moradia de R$ 1.000 por família, um valor baixo tendo em vista que com o alto número de mudanças que ocorreram em detrimento do desabamento, o valor de imóveis havia subido consideravelmente, sem contar que, para as famílias onde haviam pessoas que perderam o emprego pela situação de calamidade, os R$ 1.000 deveriam suprir sua casa, contas e comida para uma família. O mesmo governo liberou somente R $480.000 para ações emergenciais.
Além do baixo valor do auxílio e do descaso dos políticos golpistas, os moradores nos momentos de chuva a população do bairro deveria sair do local e voltar apenas quando ela parasse, pois a chuva poderia instigar o afundamento no bairro.
Somente em maio foram disponibilizados mais recursos para auxiliar os moradores de bairros vizinhos ao Pinheiro, como o Mutange e Bebedouro, que se encontravam nas áreas laranja e amarela.
Diante da pouca ajuda que foi oferecida aos residentes, vários continuaram morando no bairro e a prefeitura passou a expulsar moradores que não tinham condições de se mudar, chegando até a cortar água e luz dos residentes.
Em outubro de 2020, pessoas foram realocadas, pois uma atualização no mapa de risco previu que mais de 8.000 domicílios seriam afetados.
O mercado de imóveis também não teve dó, com o alto número de pessoas perdendo suas casas os abutres da Ademi (Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Alagoas) se aproveitaram da tragédia e o setor reagiu à realocação aumentando em 20% o valor das locações, algo que dificultou ainda mais os moradores das áreas mais periféricas como Mutange e Bebedouro.
“É oferta e procura. O valor destinado é mediano. Quando aumentou a procura, esses imóveis começaram a aumentar o valor do aluguel. Um imóvel que eu quero alugar por R $1 mil, com a procura grande eu aumento de 10% a 20% e alugo por até R$ 1.200”, explica o corretor de imóveis Rick Magalhães, superintendente da Ademi.
É absurdo o tratamento dos capitalistas que monopolizam o mercado de imóveis com os moradores, ao perceberem o alto número de pessoas se mudando eles se aproveitam da desgraça alheia para maximizar os lucros.
Paulo, um antigo morador do Pinheiro, que faz atividades de colagens artísticas colocando fotos das famílias em tamanho real nas casas do bairro que foram atingidos pela empresa petroquímica, fez o seguinte relato sobre a situação no bairro.
“Tem uns dias que não passo no pinheiro, mas as imagens de lá sempre chegam até mim. Seja através de filmes da Mostra Sururu ou um amigo que passa pelo bairro e me manda alguma foto da minha antiga casa. O pior já aconteceu. Por mais que os bairros caiam hoje, por mais que ocupe as matérias dos principais jornais do país (quiçá do mundo), a maior tragédia se deu quando a comunidade se dissipou. As pessoas não têm ideia das dores. Já ouvi que pior que a morte é deixar seu lugar, seus amigos e nunca mais vê-los. A história que não sai da minha cabeça é de duas irmãs que também eram vizinhas, que já tem seus setenta-e-tantos-anos. Que não tem condições financeiras de bancar traslados, não tem mais a juventude de usar as redes sociais e que moram cada uma no extremo da capital. Uma está morta pra outra a partir dessa mudança, a chance de que se vejam novamente é tão remota quanto a do bairro voltar a ser o que era um dia.”
Processo na Justiça
O MP-AL e a Defensoria Pública tentaram fazer, através da Justiça, com que a fossem bloqueados R $6,7 bilhões da conta da Braskem, dinheiro este derivado da mineração criminosa promovida pela empresa.
“A Braskem tomou conhecimento pela imprensa da ação judicial proposta contra ela pelo Ministério Público do Estado de Alagoas e Defensoria Pública, cujo pedido seria de bloqueio de bens para garantir eventuais indenizações à população afetada. A Braskem reitera que vem, desde o início dos eventos no bairro do Pinheiro, colaborando junto às autoridades competentes na identificação das causas e que não há, até o momento, laudo conclusivo que demonstre a relação entre as atividades da Braskem e os eventos observados no bairro. A Braskem reafirma seu compromisso com a sociedade alagoana e com a atuação empresarial responsável, e de seguir contribuindo na identificação e implementação das soluções”, afirmou a Braskem em sua nota à imprensa
É um show de demagogia que a empresa leva adiante. Como a Braskem consegue afirmar que está “colaborando junto às autoridades competentes” e, ao mesmo tempo, tenta negar a todo momento sua culpa no caso Pinheiro?
Após vários processos semelhantes ao de cima, a justiça negou vários pedidos contra a empresa, como o dos moradores que pediram o bloqueio de contas, no valor de R $23 milhões (um valor baixo se comparado ao lucro da empresa)
Após muita pressão, e diante da crise social que se instaurou na cidade, em 4 de abril, um juiz da 2ª Vara Cível da capital alagoana aceitou em parte o pedido de bloquear R$ 6,7 bilhões, porém apenas R $100 milhões foram bloqueados.
Só em 2020 o MPT e a Braskem entraram em um acordo, no qual a Braskem deveria destinar R $40 milhões para realocação dos moradores afetados.
Uma tragédia premeditada
Os avisos sobre o desastre são dados faz um bom tempo. Há uma reportagem de 1985, dos estudantes de jornalismo Érico Abreu e Mário Lima, que denuncia a tragédia que poderia ocorrer futuramente no Pinheiro. A matéria ainda mostra um incidente ocorrido em Bhopal, na Índia, onde gases vazados por uma empresa química mataram mais de 3.000 pessoas. O caso foi rapidamente abafado pela imprensa burguesa, que recebia patrocínios da empresa. Em entrevista à Agência Tribuna União, Érico Abreu afirmou que o valor que a Braskem investiu na imprensa foi dez vezes maior do que a empresa normalmente investia.
“Nós estranhamos porque a imprensa de Maceió não se referiu ao acidente de Bhopal e não questionou se isso poderia ocorrer aqui. Nós desconfiamos disso, de que algo tinha sido escondido. Fizemos um levantamento da publicidade que a Braskem fazia nos jornais impressos durante um mês, no mês anterior ao acidente e um mês depois. A gente descobriu que houve um investimento dez vezes maior no valor de publicidade colocado nos jornais. O que a gente pensou na época é que era uma forma de calar a boca da imprensa”, afirmou Érico.
Hoje, a população maceioense aguarda um abalo estrutural na cidade, já que cerca de três bairros estão sob risco de afundamento e a prefeitura, o governo estadual e o governo federal nada fazem para conter a crise de modo efetivo.
Soma-se ao descaso dos golpistas com o bairro, as medidas bastante repressivas contra a população. Várias pessoas poderiam ser multadas ou expulsas no caso de ainda residirem no bairro, independente do motivo.
Mais um caso
Esse não é o único caso de tragédia em larga escala causada por empresas de administração privada. O caso em Brumadinho causado pela Vale pode ser usado de exemplo, visto que o rompimento de uma barragem, apesar dos alertas que foram feitos ao longo dos anos, fez com que cerca de 249 pessoas morressem. Há também o caso da tragédia em Mariana, onde a Samarco - empresa controlada pela Vale S.A. e a empresa anglo-australiana BHP Billiton - provocou um outro desastre de barragem, no qual 18 pessoas morreram.
Apesar de ser mais um de uma série de crimes promovidos por empresas privadas, que priorizam seus lucros à vida de milhares de pessoas, o caso do Pinheiro seria o com o maior número de vítimas, caso o solo tivesse despencado de uma só vez.
Por qual motivo esses casos são recorrentes?
O que se repete nos exemplos acima é o caso do gerenciamento privado. As empresas, em seus esquemas com o Estado, se utilizam da burocracia judicial e da corrupção para maximizar seus lucros, mesmo que a troco disso várias pessoas morram.
Boa parte desses desastres seriam percebidos pelas empresas caso fosse feito uma boa avaliação do local, mas normalmente isso não ocorre, pois essas empresas simplesmente não se importam com os danos que elas podem causar. Além dos casos mencionados, já há um grande histórico de desastres causados por empresas privadas pelo mundo.
Esperar o caso na justiça?
Alguns movimentos de moradores do Pinheiro procuram diminuir o prejuízo através da Justiça, algo extremamente difícil de ocorrer já que a burocracia judicial normalmente não se coloca ao lado da população, mas sim ao lado das grandes empresas, como no caso da petroquímica Braskem. O sistema judiciário não tem interesse em defender os moradores e despejados dos bairros. Seu interesse é defender os lucros dos grandes capitalistas a todo custo. Para a população, há somente repressão.
Semana após semana, mês após mês, ano após ano e a Justiça nada fez. É necessário que os afetados pela mineração ilegal se organizem e lutem para exigir que seus prejuízos e seus direitos básicos sejam ressarcidos e pela estatização de todas as empresas; exigir que as empresas sejam do estado e controladas pelos próprios trabalhadores, pois somente dessa forma é possível evitar a destruição promovida pela ganância capitalista. Estatização com controle operário já! Sem uma mobilização contra a empresa e o governo, que encobre a Braskem, não serão resolvidos os problemas dos afetados.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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