Balanço das eleições e próximas tarefas
A executiva nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 3 de novembro de 2024, aprovou a seguinte resolução de balanço das eleições
A executiva nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 3 de novembro de 2024, aprovou a seguinte resolução de balanço das eleições municipais e nossas próximas tarefas. Esta resolução será submetida a debate na plenária nacional de 22 a 24/11.
1.Em primeiro lugar, reiteramos nossa saudação à toda a militância de esquerda, que defendeu nossas cores, nossa bandeira, nossas propostas e nossa estrela no primeiro turno das eleições de 2024. As eleições municipais de 2024 demonstraram, mais uma vez, a necessidade de reconstruir nossa atuação militante junto às lutas cotidianas da classe trabalhadora. É desta atuação militante cotidiana que dependeu, depende e continuará dependendo a vitalidade e o futuro do nosso Partido e da classe trabalhadora brasileira.
2.Tanto no primeiro quanto no segundo turno, as direitas conseguiram uma vitória em termos de votos válidos, do número de prefeituras e mandatos de vereança, bem como em termos de população governada e controle de cidades estratégicas. Os números e a análise política dos resultados não deixam lugar à dúvida sobre quem venceu na maioria dos 5.569 municípios brasileiros.
3.Orientamos a militância a realizar um balanço completo do processo eleitoral, a começar por cada uma das 3550 cidades em que tivemos candidaturas petistas e em cada um dos 26 estados onde ocorreram eleições. É preciso avaliar o desempenho de cada partido e das Federações, as eleições proporcionais e as eleições majoritárias, a política de alianças, a escolha das candidaturas, a tática de campanha, a comparação entre o desempenho atual e nas eleições passadas, a mobilização militante, a influência dos governos (inclusive dos encabeçados por petistas), o uso e a deformação das pesquisas, o fundo eleitoral, a agenda das lideranças e inclusive do presidente Lula, a influência das emendas parlamentares, da compra de votos, do crime organizado, dos meios de comunicação e das igrejas.
4.No caso da tendência petista Articulação de Esquerda, o processo de balanço deve ser concluído na plenária nacional que vamos realizar nos dias 22, 23 e 24 de novembro de 2024, em São Paulo capital. Por isto mesmo, é importante que compareça, nessa plenária, a militância que protagonizou as campanhas de 2024.
5.No caso do Partido, o processo de balanço deve ser concluído na reunião que o Diretório Nacional do PT realizará no dia 7 de dezembro de 2024. A tendência petista Articulação de Esquerda apresentará ao Diretório um projeto de resolução.
6.Preliminarmente, apontamos que o desempenho no primeiro turno confirma a necessidade de uma mudança urgente na linha política do Partido e na linha de atuação do governo. Vejamos alguns dados que indicam isso.
Primeiro turno
7.Os números (aproximados) do primeiro turno são os seguintes:
*91 milhões de votos em candidaturas vindas do centro à direita, 22 milhões de votos para candidaturas vindas do centro à esquerda;
*4726 prefeituras conquistadas por candidaturas vindas do centro à direita, 740 prefeituras conquistadas por candidaturas vindas do centro à esquerda;
*48.106 mandatos de vereança conquistados por candidaturas vindas do centro à direita, 10.308 mandatos conquistados por candidaturas vindas do centro à esquerda.
*um imenso número de votos em branco, nulos e abstenções, cuja soma é superior à votação das esquerdas.
É importante dizer que – mesmo tomando separadamente a extrema-direita e a direita tradicional – ainda assim elas superam o desempenho das esquerdas.
8.Apesar dos resultados citados anteriormente, ampliamos a votação das esquerdas em relação a 2020, embora em certos casos isso incorpore o efeito estatístico resultante do crescimento do eleitorado nacional. Elegemos mais prefeituras e vereanças do que em 2020, embora este crescimento tenha sido modesto. Ganhamos no primeiro turno em algumas cidades simbólicas, como Juiz de Fora e Contagem, em Minas Gerais; Bagé e Rio Grande, no Rio Grande do Sul; assim como Maricá, no Rio de Janeiro. Fomos ao segundo turno em Camaçari/BA, Caucaia/CE, Fortaleza/CE, Anápolis/GO, Cuiabá/MT, Olinda/PE, Natal/RN, Pelotas/RS, Santa Maria/RS, Porto Alegre/RS, Diadema/SP, Mauá/SP e Sumaré/SP. Elegemos ou projetamos novas lideranças, tanto na disputa das prefeituras quanto nas Câmaras Municipais. E, mesmo onde perdemos, mobilizamos centenas de milhares de pessoas, que dedicaram parte do tempo de suas vidas para defender nossas bandeiras, nossas cores, nossa estrela.
9.Apontar estas vitórias é importante, entre outros motivos porque elas demonstram que nosso resultado - já no primeiro turno - poderia ter sido muito melhor do que foi. Mas, como já foi dito, é inegável que – quando consideramos o resultado do primeiro turno como um todo – os partidos do centro à direita venceram. Cabe então perguntar os motivos disso. Entre estes motivos, há que considerar a força acumulada, o dinheiro, a mídia, o crime, o peso dos aparatos (família militar, igrejas), a legislação eleitoral que os favorece, as emendas parlamentares, o uso da máquina, assim como a linha política adotada pelas candidaturas de direita etc. Mas há que considerar, também, o que nós da esquerda fizemos ou deixamos de fazer.
10.Desde 1982 até 2024, já tivemos doze processos eleitorais municipais. Em todos estes processos, os partidos do centro à direita tiveram mais votos, conquistaram mais prefeituras e vereanças. Portanto, o que ocorreu em 2024 não foi um ponto fora da curva. Entretanto, em várias das eleições municipais anteriores, o desempenho das esquerdas em geral e do PT em particular foi relativamente melhor do que o de 2024. Melhor significa: tivemos um número maior de votos, um percentual maior de votos válidos, conquistamos um número maior de prefeituras e vereanças, conseguimos uma distribuição mais equilibrada das prefeituras e mandatos de vereança pelo território nacional, alcançamos vitórias em maior número de cidades estratégicas. Tudo isso relativamente, ou seja, relativamente aos nossos inimigos e relativamente ao nosso próprio desempenho.
11.Vejamos o caso específico do PT, que é o Partido que possui o melhor desempenho dentre as forças de esquerda. Se compararmos o desempenho de 2024 (metade do governo Lula 3) com o desempenho de 2004 (metade do governo Lula 1), 2008 (metade do governo Lula 2), 2012 (metade do governo Dilma 1) e 2016 (depois do golpe), o resultado para prefeituras é o seguinte:
2004 409
2008 558
2012 635
2016 256
2020 183
2024 252
Portanto, observando a curva dos resultados, voltamos em 2024 a alcançar números absolutos de prefeituras conquistadas que são superiores aos de 2020 e parecidos com os que tivemos em 2016. Mas, ao mesmo tempo, os números de 2024 são inferiores aos de todas as demais eleições ocorridas em meio aos mandatos Lula 1, Lula 2 e Dilma 1.
12. Como já foi dito, apenas se compararmos 2024 (metade do governo Lula 3) com 2020 (metade do governo cavernícola), nosso desempenho foi melhor: de 183 para 252, 69 cidades a mais. Mesmo assim, quando levamos em consideração o porte das cidades, verificamos que nosso progresso em números absolutos incluiu um preocupante desvio de rota. Nas cidades com menos de 20 mil eleitores, crescemos de 147 para 188 prefeituras. Ou seja, neste ano de 2024 conquistamos 69 prefeituras a mais, mas a maior parte disto (41) foi em cidades de pequeno porte. Além disso, é importante lembrar que - quando a eleição começou - o PT governava não 183 cidades, mas sim 265 cidades. Isto porque prefeitos eleitos por outros partidos, resolveram filiar-se ao PT depois da vitória de Lula. Na época, isso foi comemorado comoprova do vigor do Partido. Mas, depois dos resultados, aquele número foi retirado de várias tabelas divulgadas pelo Grupo de Trabalho Eleitoral nacional, provavelmente para ocultar o fato de que, a rigor, caímos de 265 para 252.
13.Além disso, a distribuição das prefeituras eleitas por estado (no primeiro turno) revela uma concentração brutal: 202 das 252 estão concentradas em cinco estados. Bahia e Piauí com 50 cada, Ceará com 47, Minas Gerais com 35 e Rio Grande do Sul com 20. Vale destacar que apenas em dois estados (Ceará e Piauí), o número atual de prefeituras é o maior já obtido na história eleitoral do PT naqueles respectivos estados. Nos outros três (Minas, Rio Grandedo Sul e Bahia), o PT já governou, no passado, um número maior de cidades. A tabela abaixo, a qual acrescentamos a situação de São Paulo, mostra a evolução histórica.
| 2000 | 2004 | 2008 | 2012 | 2016 | 2020 | 2024 |
BA | 7 | 19 | 66 | 93 | 39 | 32 | 50 |
CE | 2 | 12 | 15 | 29 | 15 | 18 | 47 |
MG | 34 | 85 | 110 | 114 | 41 | 28 | 35 |
PI | 1 | 7 | 19 | 21 | 38 | 24 | 50 |
RS | 35 | 43 | 61 | 72 | 38 | 23 | 20 |
SP | 38 | 57 | 63 | 68 | 8 | 4 | 4 |
14.Vale destacar, também, que houve um crescimento importante no número de pessoas que moram em cidades governadas por administradores petistas. Em 2020 governávamos 4,4 milhões de pessoas, agora vamos passar a governar 7,6 milhões de pessoas (lembrando que esse número inclui Fortaleza, que tem 2 milhões e 200 mil habitantes). De toda maneira, houve um crescimento de 73% em termos da população governada. Mas este crescimento precisa ser considerado relativamente ao dos nossos inimigos. Por exemplo: o PL governava 6,6 milhões de habitantes em 2020 e agora passou a governar 19 milhões, um crescimento de 189%. O PSD e o Republicanos também tiveram um crescimento expressivo em termos proporcionais.
15.Ademais, quando comparamos o PT consigo mesmo, o resultado é o seguinte: o PT governava 19,9 milhões em 2008, 27 milhões em 2012, 4,3 milhões em 2016, 4,4 milhões em 2020 e agora vamos governar 7,6 milhões. Ou seja, crescemos sim, mas fizemos isso num patamar ainda muito baixo.
16.Merecem análise detalhada as derrotas em Aracaju, Salvador e Teresina, sendo as duas últimas capitais de estados governados pelo PT; a anulação do partido no Rio de Janeiro e em Recife, apresentada como positiva – em nome de derrotar a extrema-direita – mas que traz no seu bojo um desastre estratégico; a derrota em Belo Horizonte, onde a candidatura do PT foi abandonada por vários setores do partido; o apoio a uma candidatura de direita em Curitiba, que não conseguiu nem ao menos ir ao segundo turno; a presença do PT, inclusive como vice, em chapas encabeçadas por partidos de direita
Segundo turno
17.Os números (aproximados) do segundo turno são os seguintes:
*17 milhões de votos em candidaturas do centro à direita, quase 5 milhões de votos em candidaturas do centro à esquerda;
*45 prefeituras conquistadas por candidaturas do centro à direita, 6 prefeituras conquistadas por candidaturas do centro à esquerda.
12.Merecem análise detalhada: o resultado eleitoral no estado de São Paulo, onde elegemos no primeiro turno apenas três cidades, somada a uma única vitória no segundo turno; o desempenho do PT no Rio Grande do Sul, tanto as vitórias quanto as derrotas, em particular a relação entre as enchentes, a ação do governo federal e o resultado das eleições; os desempenhos regionais do Partido, por exemplo na região amazônica. É necessário, ainda, avaliar o resultado das eleições em Cuiabá, Fortaleza e Natal.
18.As vitórias e as derrotas sempre têm várias causas. Uma delas é a linha de campanha, que precisa ser analisada de maneira muito crítica. Outra delas é o impacto da ação do governo federal. Destacamos, também, a ausência de Lula em boa parte das campanhas. Tanto no primeiro quanto no segundo turno, fez muito mal para o Partido o ultracentralismo que transferiu, em caráter preliminar, todas as decisões para a direção nacional. Atitude que teve como um de seus destaques a decisão de não renovar as direções municipais em 2023.
19.É preciso avaliar, ainda, o comportamento do partido naquelas cidades onde o segundo turno foi disputado entre duas direitas.
20. Finalmente, destacamos que, tanto no primeiro quanto no segundo turno, houve um imenso número de pessoas que não compareceu para votar; ou compareceu, mas votaram branco ou nulo. Estamos falando de mais de 40 milhões de brasileiros e brasileiras. Há quem compreenda este fenômeno como uma demonstração do “fracasso” da democracia, outros como uma manifestação antisistêmica de parte da população, outros ainda como uma confirmação da natureza burguesa do nosso sistema político. Qualquer que seja a explicação, trata-se de um fenômeno que merece ser analisado em detalhe, para informar medidas que precisam ser tomadas com urgência.
Mudança de direção
21.De conjunto, o processo eleitoral confirma a necessidade do Partido existir nos anos ímpares, se quiser ter mais vitórias nos anos pares. Precisamos voltar a ter presença cotidiana junto a classe trabalhadora, presença que não pode ter como objetivo principal a conquista futura de mandatos.
22.Na perspectiva de aprofundar o balanço, convidamos nossa militância a:
-estudar os balanços divulgados em nossa página eletrônica e nas edições de outubro e novembro do jornal Página 13, bem como na revista Esquerda Petista;
-elaborar um balanço da eleição em cada cidade em que o PT teve candidaturas;
-elaborar balanços específicos sobre as cidades em que governávamos e perdemos;
-elaborar um balanço do desempenho do PT na disputa de vereança, inclusive sobre o papel negativo que a Federação jogou na maioria das cidades;
-elaborar um balanço específico de cada candidatura que apoiamos;
-organizar atividades abertas à toda militância petista, para discutir balanço e tarefas, em cada estado.
23.Na plenária nacional de novembro, em que vamos realizar o balanço do processo eleitoral, também vamos discutir nossa tática para a eleição direta das direções partidárias. São óbvios os problemas da atual direção. Mas nossos problemas não serão solucionados apenas substituindo pessoas e/ou tendências. A eleição demonstrou, mais uma vez, a necessidade de enfrentar três grandes questões: em primeiro lugar, um déficit de compreensão acerca da realidade brasileira, das classes e da luta de classes neste momento da história do Brasil, em particular a análise sobre a influência da extrema-direita sobre os setores populares; em segundo lugar, uma reduzida presença cotidiana junto à classe trabalhadora, o que explica parte da dificuldade que enfrentamos nas campanhas eleitorais; em terceiro lugar, uma orientação estratégica equivocada, que não dá conta dos tempos de guerra em que vivemos. O PED de 2025 será útil se, além de substituir quem precisa ser substituído, também ajudar o Partido a perceber e começar a corrigir estes problemas.
24.Defenderemos que a eleição das novas direções seja realizada em prazos que permitam filiar novos militantes, com regras que permitam que todas as chapas e candidaturas possam fazer chegar suas propostas à militância. Orientamos a iniciar, em todas as cidades, campanhas de filiação ao Partido.
25.Cabe ao Partido escolher, através do voto direto e secreto, seus novos dirigentes. Mas, antes de escolher os dirigentes, é preciso escolher a direção, ou seja, nosso rumo estratégico e programático. O partido precisa mudar de linha política. Precisamos defender o socialismo e as reformas estruturais, precisamos reconstruir nossa presença junto à classe trabalhadora, estimular as lutas sociais, participar ativamente da batalha cultural e pressionar o governo para que cumpra o programa para o qual foi eleito.
26.Precisamos de uma direção coletiva, à altura dos imensos desafios da época em que vivemos. Lembrando que presidente do partido não é ministro, não é escolhido pelo presidente da República.
27.Com base nessas orientações, construiremos -em comum acordo com outros setores do Partido – uma tese, uma chapa e uma candidatura à presidência nacional do Partido.
28.Concluímos este balanço opinando ser um grave erro o apoio prestado pela bancada federal do PT na Câmara dos Deputados à candidatura de Hugo Motta à presidência daCâmara. O erro é agravado pela desnecessária antecipação da decisão e, também, pelos motivos apresentados, entre os quais uma suposta vaga no TCU. A decisão de apoiar Hugo Mota corresponde à conclusão que alguns tiraram da eleição: seria necessário ir “ao centro”, eufemismo utilizado para referir-se à direita. Nossa conclusão é diametralmente oposta: as eleições demonstraram que é necessário um giro à esquerda.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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