Barbárie e capitalismo selvagem no Brasil
"O neofascismo sem máscara é um fator emergente e forte na nossa saciedade", escreve Pedro Cláudio Cunca Bocayuva
Por Pedro Cláudio Cunca Bocayuva
A necropolítica avança com a banalização da crueldade com efeitos catastróficos sobre os laços sociais, e com o efeito regressista na cultura. Como definir a especificidade do nosso capitalismo senão pela relação com o avanço de um modo violento de governar, que prospera com os apelos para novas cruzadas que mesclam capitalismo e religião através do culto as armas? Devemos considerar o movimento atual como sendo o da fusão do autoritarismo ideológico com o fundamentalismo da religião do mercado. O negacionismo emerge enquanto a resultante de uma retórica brutal da “pós-verdade”, como um desdobramento do discurso pós-moderno do “fim da história”.
Negar a mudança, a ciência e os valores democráticos é parte do ataque ao Estado de Direito, enquanto base do modo de governar, apelando para a idéia de que travamos uma guerra. O negacionismo é a forma atual de sinteze da estrutura discursiva com base no encontro entre as várias retóricas da extrema direita: Deus, Mercado e Família com apoio no direto de matar. Os afluentes classistas, sexistas e racistas da ideologia desaguam no culto das armas e da morte. O capitão do mato vira o herói dos praticantes da razão cínica, que buscam dar legitimidade ao gozo perverso da violência visível e aberta. A nova direita age contra a ampliação e o aprofundamento de um regime de direitos, conforme definido na nossa Constituição, em especial no seu artigo 6.
Aterrorizar, ameaçar e abusar do uso da força completa o arsenal dos modos de governar. Dominando a sociedade pelo medo e pelo encarceramento, pelas chacinas, pelo desaparecimento forçado e pelas execuções sumárias.
A paixão mórbida que cultua este extremismo é alimentada pela pulsão de crueldade que sustenta uma vontade de poder, que libera o pior em matéria de perversidade. Vemos por toda parte os recalques, frustrações e ambições ser canalizados contra o Outro: o inimigo diariamente produzido, multiplicado, enquadrado nos estereótipos de uma criminologia que segue uma espécie de “síndrome de Canudos”.
Nos caminhos do nexo expresso nos estudos do totalitarismo (entre ideologia e terror de Estado), cabe na articulação conceitual fascizante desconfiar e romper com as leis. Cabe encontrar toda sorte de justificativas para a grosseria, o abuso e a prepotência dos pequenos egos que precisam justificar-se pela imagem do chefe transgressor, simplório, agressivo que aposta num “banho de sangue”, numa limpeza étnica. Aquele que se permite toda a sorte de delírio e de passagem para os atos de saque e de destruição acaba espelhando o narcismo dos pequenos egos, que vibram com os apelos mórbidos vindos da antipolítica.
A acumulação primitiva permanente, a economia politica do saque e a lógica dos lobos no galinheiro alimentam a velha noção de "capitalismo selvagem". Vivemos o cassino-espetáculo completado pelo novo “apartheid”. O governo se organiza pelo desvio”das fujcões orientado pela relação entre militarização dos cargos e milicianização dos territórios ocupados, explorados com o reforço da concentração patrimonial. Assim como, o retorno das formas de oligarquização e colonialidade, nas práticas de controle territorial local sobre a vida cotidiana.
Para sacralizar esta passagem para um novo regime de segurança, cghb paixão pela crueldade ousa mobilizar a fantasia da “nostalgia imperial”. O fascismo parece como um novo franquismo. O pequeno narcisista odeia a Constituição, a República e a cultura. Ataca as instituições e rompe com toda a narrativa tradicional de conciliação.
O neofascismo sem máscara é um fator emergente e forte na nossa saciedade. No quadro de calamidade necropoltica cabe retomar a construção de uma frente pela vida como forma de unificação das resistências.
A grande questão é a violência ampliada sem os véus de alguma eticidade, pois que sua marca é uma enorme amoralidade do individualismo mais rasteiro. A crueldade intensificada acentua a perversão da ética com a pior das estéticas, buscando aceitar como inevitável a calamidade social, sanitária, epidemiológica, ecológica, cultural, alimentar e moral.
A irresponsabilidade com a fala e com a coisa pública convidam para destruir as conquistas e instrumentos da soberania popular, para poder retroalimentar o cenário que justifica sempre o uso "emergencial" da força. Como construir um bom senso quando o senso comum é povoado pelas imagens escatológicas dos pequenos tiranos que se sentem autorizados a empunhar as armas da barbárie ?
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