Barca furada: Governo Doria incha a máquina pública com aliados enquanto a crise hídrica avança no Estado
O governador João Doria tem o atrevimento de nomear um político de outro Estado, sem nenhum conhecimento técnico, para assumir a recém criada secretaria estadual de Projetos e Ações Estratégicas, renomeada, veja só, no lugar da secretaria estadual de Saneamento e Recursos Hídricos. E já chega com discurso de privatização da Sabesp, a principal empresa de saneamento do estado de São Paulo.
“Segurança hídrica e saneamento básico são prioridades da nossa gestão.” As palavras do secretário estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente do governo Doria, Marcos Penido, soam inverossímeis frente a crise hídrica que o Estado enfrenta não é de hoje. Aliás, são anos de gestão tucana e uma ausência de projeto de governança que estabeleça uma política estadual de gestão de recursos hídricos e dos recursos ambientais de médio e longo prazo.
Frente a mais uma crise, corroborada em pesquisas científicas, entrevistas de técnicos da área e nos problemas reais já vividos em várias regiões do Estado, o governador João Doria tem o atrevimento de nomear um político de outro Estado, sem nenhum conhecimento técnico, para assumir a recém criada secretaria estadual de Projetos e Ações Estratégicas, renomeada, veja só, no lugar da secretaria estadual de Saneamento e Recursos Hídricos. E já chega com discurso de privatização da Sabesp, a principal empresa de saneamento do estado de São Paulo.
Em termos administrativos, vale destacar que desde o início de sua gestão, Doria desativou (mas não extinguiu) a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos e passou suas atribuições à Secretaria do Meio Ambiente, fundida com a Secretaria de Energia e Mineração, compondo a atual Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA), que hoje é a responsável pela gestão dos recursos hídricos.
Mas o simbólico importa. O governador deixa explícito que acomodar cabos eleitorais é mais importante do que priorizar com ações e recursos as políticas públicas que evitem uma nova pane hídrica no estado.
O estado de São Paulo pouco fez após a crise de 2014/2015. Priorizou obras de engenharia para transposição de água entre bacias hidrográficas para abastecer a Região Metropolitana de São Paulo, numa política em que a água vem cada vez mais de longe, gastando muito dinheiro e perdendo muito produto pelo caminho.
Atualmente o maior reservatório da Região Metropolitana de São Paulo, o sistema Cantareira, abastece, por dia, cerca de 7,5 milhões de pessoas, ou 46% da população da Região Metropolitana de São Paulo, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), órgão que regulamenta o setor. O Cantareira não está geograficamente localizado na RMSP. O sistema Billings, geograficamente mais próximo, está tão poluído que não é mais possível captar sua água para abastecer a região.
A ONU classifica como críticas as áreas com disponibilidades hídricas naturais inferiores a 1.500 m3 /hab./ano. Conforme dados divulgados no Plano Estadual de Gestão de Recursos Hídricos, válido para o período de 2020 a 2024, São Paulo mostrou uma diminuição progressiva da disponibilidade hídrica natural per capita entre 2011 e 2015. O plano apresenta temas críticos a serem enfrentados, relacionados a uma dinâmica socioeconômica marcada pela estrutura de saneamento básico inadequada, insuficiente ou inexistente, com altos índices de perdas na rede de abastecimento; desmatamento e baixo percentual de área vegetada; erosão e assoreamento, contaminação dos aquíferos e uma demanda por água mais alta que a disponibilidade existente. Este é o cenário hídrico paulista, fruto da falta de políticas de saneamento, que resultam em obras caras, que impactam o meio ambiente e o bolso do consumidor. Sem contar na maior tragédia deste modelo, que é o desperdício de água. O índice médio de perdas no sistema administrado pela Sabesp, por exemplo é de 40%. Um desastre.
As propagandas institucionais sempre apelam para o consumo consciente de água. Mas a bem da verdade, a crise hídrica, tal como está, não pode ser resolvida com economia individual. As periferias das grandes cidades já vivem em racionamento permanente. A crise é grave e vai ficar pior por conta das mudanças climáticas, desmatamento e pela falta de planejamento entre os entes federativos.
O Brasil é o terceiro emissor de gases de efeito estufa no mundo. Com o desmatamento desenfreado na Amazonia, sob o desgoverno Bolsonaro, e os reservatórios vazios por falta de chuvas, pode-se se fazer necessário acionar usinas térmicas, que usam óleo e carvão para geração de energia. Abastecimento de água e energia estão intrinsicamente ligados. Se falta água, a conta de luz também fica mais cara. E estes dois setores, embora sejam considerados bens essenciais, estão sob constante ataque de privatização, tanto pelo governo Bolsonaro quanto pelo governo de João Doria.
A crise hídrica é também um problema social. Região periféricas, altamente povoadas e distantes dos reservatórios não estão nas estatísticas oficiais da Sabesp. Essas pessoas moram em áreas não regularizadas ou que não são passíveis de regularização. São milhares de famílias que, alijadas das políticas e ações do poder público, são obrigadas a se virar com poços artesianos, fossa sépticas que alimentam o círculo vicioso dos problemas de saneamento e esgoto nas áreas densamente povoadas, em que o despejo dos detritos não é feito da forma correta.
Não basta chover. Precisamos de governos que tenham como projeto político um desenvolvimento sustentável, que alie crescimento econômico, preservação ambiental e desenvolvimento social. E que efetivamente mobilizem investimentos para isso. Infelizmente, o governo Dória segue na direção oposta. Cito um exemplo importante: a Habitação é um ponto crítico para a gestão dos recursos hídricos, o que é um diagnóstico do próprio plano estadual de recursos hídricos. Dos R$ 834 milhões atualmente previstos para gasto com a área em 2021, até o momento apenas R$ 194 milhões, ou 23% foram efetivamente executados. Os recursos orçados para a regularização fundiária e requalificação habitacional urbana são menores em 2021, comparado ao ano de 2020. O tema, apesar de crítico, não parece ser uma prioridade para o governador.
Para piorar, em junho passado a base governista de deputados aprovou na Assembleia Legislativa o Projeto de Lei 251/21, que regulamenta o Marco Legal do Saneamento, a exemplo da legislação federal aprovada no governo Bolsonaro.
Pela Lei, já sancionada pelo governador, foram criadas unidades regionais de saneamento básico, uma delas englobando todas as cidades já administradas pela Sabesp, independentemente de sua distribuição geográfica. As outras três unidades estão abertas à exploração de outras empresas, certamente privadas.
Apesar das inúmeras críticas da oposição, que votou contrariamente ao projeto, a Lei já está em vigor. Para alcançar a meta prevista de universalização do sistema de água e esgoto até 2033, São Paulo contará com quatro Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário (URAE): Sudeste (com 370 municípios), Centro (com 98 municípios), Leste (com 35 municípios) e Norte (com 142 municípios).
O fato é que sem a ajuda do poder público, certamente as metas de universalização não serão alcançadas. O governo Doria aposta em tarifas cruzadas, alegando que as regiões mais ricas pagarão para cobrir o valor das tarifas nas regiões pobres. Na prática, nenhuma empresa privada se interessará em levar água potável e tratamento de esgoto para as regiões mais pobres. Simplesmente porque o privado visa o lucro.
É o poder público o responsável pelo bem estar da população. Garantir desenvolvimento econômico para todas as regiões do Estado passa, necessariamente, pela garantia de um valor acessível cobrado para serviços de água e energia. E para alcançar a universalização é preciso investir recurso público do orçamento. E não é só investimento para o amanhã. A crise hídrica existe hoje, assim como já estamos sentindo agora as consequências das mudanças climáticas. A ação pública é urgente. Dinheiro tem, falta ao governo Doria vontade de governar o Estado ao invés de usar a máquina pública para apadrinhar correligionários.
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