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    Tânia Oliveira

    Secretária-Executiva Adjunta da Secretaria-Geral da Presidência

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    Barroso, Terra plana e prisão em segunda instância

    O voto do ministro Barroso é assustador e preocupante. Ao fazer manipulação de dados a partir de sua particular análise, e colocar isso formalmente em um voto em uma questão absolutamente sensível, que é o encarceramento de seres humanos, produz uma distopia de informações e joga com o imaginário popular

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    O ministro Luís Roberto Barroso, em sua declarada sanha de tornar o STF a “vanguarda iluminista” – conforme defendeu em artigo publicado -  tem se esmerado em proferir seus votos, nos julgamentos na Corte, a partir de sua particular análise de números, pesquisas e estatísticas, que apresenta sem qualquer critério técnico ou acadêmico, para conclusões sui generis.

    No julgamento das ADC,s 43, 44 e 54, nesta quarta-feira (23) o ministro afirmou que a autorização para prisões em segunda instância reduziu o número de presos. Seria algo como se, ao detectar que em um período de seca nasceram, em maior número, frutas que não são resistentes a ciclos de estiagem, afirmássemos que a seca favorece sua reprodução. Embora seja evidente que há elementos que devam ser analisados, com vistas a detectar como foi conquistado o resultado, opta-se pela imprópria conclusão, mesmo diante de sua óbvia incorreção.

    O ministro Barroso também é professor de Direito. E qualquer profissional acadêmico sabe que a exposição dos resultados de pesquisas deve merecer um grande cuidado por parte daquele que avalia, sob pena de, ao invés de ser fonte de conhecimento, tornar-se um palanque para satisfazer a vaidade do avaliador. O que pode nos conduzir a questionar a opção do magistrado pelo método adotado de utilização dos números exibidos.

    Ao apresentar os dados de que houve redução da taxa de crescimento da população carcerária no mesmo momento em se encontra em vigor a possibilidade de execução provisória da pena, Barroso pegou os números frios e aplicou como uma sentença matemática, concreta e fixa, sem variáveis. Algo totalmente inimaginável para o objeto de análise. Negligenciou as políticas públicas adotadas, sobretudo o papel das audiências de custódia que, presentes em todas as unidades da federação desde o ano de 2015, são um instrumento que, de fato, vem contribuindo para amenizar o quadro de superlotação e superpopulação no sistema prisional, com dados estatísticos precisos, produzidos pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

    Outro elemento que o ministro Barroso “esqueceu” de mencionar foi a implementação da Lei das Medidas Cautelares (Lei 12.403/11), que introduziu no processo penal brasileiro uma gama de medidas específicas, destinadas a reduzir a decretação de prisões preventivas, substituindo-as por outras cautelares, que lhe possam fazer as vezes em casos onde a restrição antecipada da liberdade não se mostre adequada nem necessária.

    O relatório do Ministério da Justiça do ano de 2016 produziu um amplo diagnóstico da implantação das audiências de custódia no país. Apresenta informações dos Estados, como do Rio de Janeiro, onde antes da implementação da Lei de Cautelares, 83,8% dos flagrantes resultavam em encarceramento provisório. Com a lei, houve redução para 72,3% dos casos e, com a implementação das audiências de custódia, caiu para 57%. Em São Paulo, de 87,9% de prisões em flagrante que eram convertidas em prisões preventivas, houve queda para 61,3% com a Lei de Cautelares, e para 53% após a implementação das audiências de custódia.

    O voto do ministro Barroso é assustador e preocupante. Não apenas por ausência de qualquer nexo ou lógica, diante da evidência de que a permissão para a execução provisória da pena jamais teria o condão de influenciar a diminuição do número de prisões apenas porque os “magistrados se tornaram mais cautelosos” - para usar sua exata frase  – mas sobretudo porque, ao fazer manipulação de dados a partir de sua particular análise, e colocar isso formalmente em um voto em uma questão absolutamente sensível, que é o encarceramento de seres humanos, produz uma distopia de informações e joga com o imaginário popular. 

    As respostas foram oferecidas não com o propósito de contribuição para compreensão de qual o melhor caminho a ser adotado, em respeito ao princípio constitucional da presunção de inocência, e a validade do art. 283, do Código de Processo Penal, ou capazes de estimular reflexão, mas para apresentar-se o ministro como um verdadeiro iluminista, que julga a partir de evidências concretas. O que se poderia levar a sério, não partisse de premissas falsas e dados manipulados, exatamente como fazem os adeptos do bolsonarismo fundamentalista e os defensores da Terra plana. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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