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    Pepe Escobar

    Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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    Batalha das Eras para impedir a Integração da Eurásia

    Na próxima década, os EUA enfrentarão Rússia, China e Irã pela conexão da Nova Rota da Seda

    (Foto: AFP / HO / Iranian Army office)

    Por Pepe Escobar, para o Asia Times

    Traduzido por Vanessa Guazzelli Paim para o 247

    A década de 20 começou estrondando com o assassinato intencional do general Qasem Soleimani, do Irã.

    No entanto, um estrondo ainda maior nos espera ao longo da década: as inúmeras declinações do Novo Grande Jogo na Eurásia, que coloca os EUA contra a Rússia, China e Irã, os três principais nodos da integração euroasiática.

    Todo ato de mudança de jogo em geopolítica e geoeconomia na próxima década terá que ser analisado em conexão com esse confronto épico.

    O Estado Profundo e os setores cruciais da classe dominante dos EUA estão absolutamente aterrorizados com o fato de a China já estar superando economicamente a “nação indispensável” e com a Rússia superando-a militarmente. O Pentágono designa oficialmente os três nodos da Eurásia como "ameaças".

    As técnicas da guerra híbrida, demonizando 24 horas por dia, 7 dias por semana, irão se proliferar com o objetivo de conter a "ameaça" da China, a "agressão" russa e o "patrocínio do terrorismo" do Irã. O mito do "mercado livre" continuará a se afundar sob a imposição de uma enxurrada de sanções ilegais, eufemisticamente definidas como novas "regras" comerciais.

    Mas, isso dificilmente será suficiente para inviabilizar a parceria estratégica Rússia-China. Para desvendar o significado mais profundo dessa parceria, precisamos entender que Pequim a define como rumo a uma “nova era”. Isso implica em planejamento estratégico de longo prazo – tendo como data-chave 2049, o centenário da Nova China.

    O horizonte para os múltiplos projetos da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) - como as Novas Rotas da Seda, impulsionadas pela China - é de fato a década de 2040, quando Pequim espera ter tecido completamente um novo paradigma multipolar de parcerias entre nações soberanas na Eurásia e além, todas conectadas por um labirinto interligado de cinturões e estradas.

    O projeto russo - Grande Eurásia – de certa forma reflete a Cinturão e Rota e será integrado a ela. A Cinturão e Rota, a União Econômica da Eurásia (EAEU), a Organização de Cooperação de Xangai (SCO) e o Banco de Investimento em Infraestrutura da Ásia (AIIB) estão convergindo para a mesma visão.

    Realpolitik

    Essa “nova era”, como definem os chineses, depende então fortemente de uma estreita coordenação Rússia-China, em todos os setores. O plano Made in China 2025 está englobando uma série de descobertas tecnocientíficas. Ao mesmo tempo, a Rússia se estabeleceu como fonte tecnológica incomparável de armas e sistemas que os chineses ainda não conseguem igualar.

    Na última cúpula do BRICS em Brasília, o presidente Xi Jinping disse a Vladimir Putin que “a atual situação internacional, com crescente instabilidade e incerteza, demanda que China e Rússia estreitem sua coordenação estratégica”. A resposta de Putin: “Sob a situação atual, os dois lados devem continuar a manter uma estreita comunicação estratégica. ”

    A Rússia está mostrando à China como o Ocidente respeita o poder da realpolitik de todas as formas e Pequim está finalmente começando a usá-lo. O resultado é que, após cinco séculos de dominação ocidental - que, aliás, levaram ao declínio das antigas rotas da seda - o coração da Eurásia está de volta, estrondosamente, afirmando sua preeminência.

    Como observação pessoal, minhas viagens nos últimos dois anos da Ásia Ocidental à Ásia Central e minhas conversas nos últimos dois meses com analistas em Nur-Sultan, Moscou e Itália, permitiram-me aprofundar os meandros da situação, definidos por mentes afiadas como o Double Helix. Estamos todos cientes dos imensos desafios que temos pela frente, ao mesmo tempo em que mal conseguimos acompanhar, em tempo real, o impressionante ressurgimento do coração da Eurásia.

    Em termos de poder brando, o papel de destaque da diplomacia russa se tornará ainda mais importante - apoiado por um Ministério da Defesa liderado por Sergei Shoigu, um tuvano da Sibéria, e por um braço de inteligência capaz de dialogar construtivamente com todos: Índia / Paquistão, Coréia do Norte / Sul, Irã / Arábia Saudita, Afeganistão.

    Esse aparato suaviza questões (complexas) geopolíticas de uma maneira que ainda escapa a Pequim.

    Em paralelo, praticamente toda a região do Pacífico Asiático - do Mediterrâneo Oriental ao Oceano Índico - agora tem em plena consideração Rússia-China como um contraponto ao sobrealcance naval e financeiro dos EUA.

    O que está em jogo no Sudoeste da Ásia

    O assassinato intencional de Soleimani, com todas as suas consequências a longo prazo, é apenas uma jogada no tabuleiro do xadrez do Sudoeste Asiático. Em última análise, o que está em jogo é um prêmio macro geoeconômico: uma ponte terrestre do Golfo Pérsico ao Mediterrâneo Oriental.

    No verão passado (do hemisfério norte), um encontro trilateral Irã-Iraque-Síria estabeleceu que "o objetivo das negociações é ativar o corredor de carga e transporte Irã-Iraque-Síria como parte de um plano mais amplo para a retomada da Rota da Seda".

    Não poderia haver um corredor de conectividade mais estratégico, capaz de interligar simultaneamente o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul; a conexão Irã-Ásia Central-China até o Pacífico; e projetando Latakia ao Mediterrâneo e ao Atlântico.

    O que está no horizonte é, de fato, uma subseção da Cinturão e Rota no Sudoeste da Ásia. O Irã é um nodo essencial da Cinturão e Rota; a China estará fortemente envolvida na reconstrução da Síria; e Pequim-Bagdá assinaram vários acordos e criaram um Fundo de Reconstrução Iraquiano-Chinês (renda de 300.000 barris de petróleo por dia em troca de crédito chinês para que empresas chinesas reconstruam a infraestrutura iraquiana).

    Uma rápida olhada no mapa revela o “segredo” de os EUA se recusarem a fazer as malas e deixar o Iraque, conforme exigido pelo Parlamento e pelo Primeiro Ministro do Iraque: impedir o surgimento desse corredor por qualquer meio necessário. Isto fica especialmente claro quando vemos que todas as estradas que a China está construindo na Ásia Central - naveguei por muitas delas em novembro e dezembro - acabam ligando a China ao Irã.

    O objetivo final: unir Xangai ao Mediterrâneo Oriental - por terra, através do coração da Eurásia.

    Por mais que o porto de Gwadar no Mar da Arábia seja um nodo essencial do Corredor Econômico China-Paquistão e parte da estratégia multifacetada de "fuga de Malaca" da China, a Índia também cortejou o Irã para igualar a Gwadar através do porto de Chabahar, no Golfo de Omã.

    Por mais que Pequim queira conectar o Mar Arábico a Xinjiang, através do corredor econômico, a Índia quer se conectar ao Afeganistão e à Ásia Central via Irã.

    No entanto, os investimentos da Índia em Chabahar podem não dar em nada, com Nova Délhi ainda ponderando se deve se tornar parte ativa da estratégia norte-americana para o "Indo-Pacífico", o que implicaria em desistir de Teerã.

    O exercício naval conjunto Rússia-China-Irã no final de dezembro, começando exatamente em Chabahar, para Nova Délhi, foi um oportuno chamado a acordar. A Índia simplesmente não pode ignorar o Irã e acabar perdendo seu principal nodo de conectividade, Chabahar.

    O fato imutável: todo mundo precisa e quer a conectividade com o Irã. Por razões óbvias, desde o império persa, esse é o centro privilegiado de todas as rotas comerciais da Ásia Central.

    Além disso, para a China, o Irã é uma questão de segurança nacional. A China investe fortemente no setor de energia do Irã. E todo o comércio bilateral será feito em yuan ou em uma cesta de moedas ignorando o dólar americano.

    Enquanto isso, os neoconservadores norte-americanos ainda sonham com o que o regime de Cheney estava buscando na década passada: mudança de regime no Irã levando os EUA a dominarem o Mar Cáspio como trampolim para a Ásia Central, a apenas um passo de Xinjiang e de tornar o sentimento anti-China uma arma. Isto poderia ser visto como uma Nova Rota da Seda ao contrário, para perturbar a visão chinesa.

    Batalha das Eras

    Um novo livro, O impacto da Iniciativa Chinesa Cinturão e Rota, de Jeremy Garlick, da Universidade de Economia de Praga, tem o mérito de admitir que "fazer sentido” de Cinturão e Rota “é extremamente difícil".

    Trata-se de uma tentativa extremamente séria de teorizar a imensa complexidade da Cinturão e Rota - especialmente considerando a abordagem flexível e sincrética da China para a formulação de políticas, bastante desconcertante para os ocidentais. Para atingir seu objetivo, Garlick entra no paradigma de evolução social de Tang Shiping, mergulha na hegemonia neo-gramsciana e disseca o conceito de "mercantilismo ofensivo" - tudo isso como parte de um esforço em "ecletismo complexo".

    O contraste com a narrativa medíocre de demonização da Cinturão e Rota, que emana de "analistas" americanos, é flagrante. O livro aborda em detalhes a natureza multifacetada do trans-regionalismo da Cinturão e Rota como um processo orgânico, em evolução.

    Os formuladores das políticas imperiais não se importarão em entender como e por que a Cinturão e Rota está estabelecendo um novo paradigma global. A cúpula da OTAN em Londres no mês passado ofereceu alguns indícios. A OTAN adotou acriticamente três prioridades dos EUA: política ainda mais agressiva em relação à Rússia; contenção da China (incluindo vigilância militar); e militarização do espaço - uma derivação da doutrina de domínio de espectro total de 2002.

    Assim, a OTAN será atraída para a estratégia do "Indo-Pacífico" - o que significa contenção da China. Sendo ela o braço armado da UE, isso implica em interferência dos EUA em como a Europa negocia com a China - em todos os níveis.

    O coronel aposentado do Exército dos EUA Lawrence Wilkerson, chefe de gabinete de Colin Powell de 2001 a 2005, vai direto ao ponto: “Os Estados Unidos existem hoje para fazer guerra. De que outra forma interpretamos 19 anos seguidos de guerra e sem um fim à vista? Faz parte de quem somos. Faz parte do que é o Império Americano. Vamos mentir, trapacear e roubar, como Pompeo está fazendo agora, como Trump está fazendo agora, como Esper está fazendo agora... e vários outros membros do meu partido político, os republicanos, estão fazendo agora. Vamos mentir, trapacear e roubar para fazer o que for preciso para continuar esse complexo de guerra. Essa é a verdade. E essa é a agonia da situação. "

    Moscou, Pequim e Teerã estão plenamente conscientes do que está em jogo. Diplomatas e analistas estão trabalhando na orientação do trio, em desenvolver um esforço conjunto para proteger um ao outro de todas as formas de guerra híbrida - inclusive sanções - lançadas contra cada um deles.

    Para os EUA, esta é realmente uma batalha existencial - contra todo o processo de integração da Eurásia, as Novas Rotas da Seda, a parceria estratégica Rússia-China, aquelas armas hipersônicas russas misturadas com uma diplomacia flexível e adaptável, o profundo desgosto e revolta contra as políticas dos EUA em todo o Sul Global, o quase inevitável colapso do dólar. O certo é que o Império não sucumbirá noite a dentro silenciosamente. Devemos todos estar prontos para a batalha dos tempos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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