Bolsonaro, cloroquina e a pseudociência como estratégia política
O momento agora é de unidade nacional para salvar vidas, sobretudo da parcela da população mais vulnerável. Isso significa somar esforços para conter o avanço acelerado do coronavírus, combinado com medidas socioeconômicas de socorro aos desempregados e trabalhadores informais
Temos visto nas últimas semanas que Bolsonaro e Mandetta tem discordado frequentemente sobre a eficácia de um medicamento. Infelizmente ainda não existe uma cura para essa doença tão grave, mas algumas pesquisas parecem promissoras.
Poderíamos estar falando sobre o coronavírus, mas é sobre a fosfoetanolamina. Em 2016, na Câmara dos Deputados, após 28 anos desde sua primeira eleição a um cargo público, Bolsonaro aprovou seu segundo (e último) projeto de lei, liberando o uso da substância no tratamento do câncer. Na época, o então deputado federal Mandetta e outros parlamentares denunciaram que a suposta “pílula do câncer” nunca havia tido ação cientificamente comprovada. Um mês depois de sancionada a lei foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.
A história se repete, e dessa vez como farsa e tragédia.
Desde o primeiro caso registrado de covid-19 no Brasil as respostas de Bolsonaro têm sido contraditórias. Se publicamente ele já disse até que a doença era uma fantasia, já faz algumas semanas que ele encontrou a “cura” para o que nem acreditava que existia. A pílula mágica, dessa vez, é a cloroquina.
Em sua “saidinha” no último domingo (29/03) – desrespeitando as orientações das autoridades sanitárias – um vídeo chamou a atenção. Em registro feito por populares, Bolsonaro aparece conversando em uma farmácia no Sudoeste (DF). Logo ele pergunta: como tá a procura da cloroquina aí? E a atendente responde que está em falta.
Poucos dias após ter feito declarações que provocaram uma corrida às farmácias, Bolsonaro anunciou nas redes sociais que o Exército produziria cloroquina em seus laboratórios. Enquanto isso, o medicamento está em falta para as pessoas que realmente dependem dele para o tratamento de doenças como malária, lúpus e artrite. Chegamos a receber denúncias sobre a falta do fármaco na Comissão de Direitos Humanos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), através do diretor-executivo Mike Ryan, já declarou que “não há tratamento efetivo ou drogas comprovadas contra a Covid-19”. Ainda que, daqui a alguns meses, seja comprovada alguma eficácia da cloroquina, a ampla divulgação de uma falsa cura como tem sido feita por Bolsonaro só gera prejuízos para a população. Nos Estados Unidos já há pessoas morrendo pela automedicação com cloroquina. Os alertas sobre efeitos colaterais dessa droga são graves, como síndrome hemorrágica e danos no fígado e rins.
Não há solução mágica para a crise que passa o Brasil e o mundo. Vacinas podem demorar anos para chegar ao mercado. Como tem alertado o cientista Atila Iamarino, a melhor medida contra a pandemia neste momento é o isolamento social e suspensão de atividades. Não seguir essas orientações é o mesmo que condenar os brasileiros à morte.
Bolsonaro nunca teve compromisso com a ciência e com a verdade. Não é a primeira vez que ele usa a pseudociência para se promover, e não será a última.
O momento agora é de unidade nacional para salvar vidas, sobretudo da parcela da população mais vulnerável. Isso significa somar esforços para conter o avanço acelerado do coronavírus, combinado com medidas socioeconômicas de socorro aos desempregados e trabalhadores informais, bem como medidas econômicas de suporte a micro e pequenas empresas para a garantia dos empregos formais. Mas também se faz necessário articularmos um movimento cada vez mais amplo para impedir Bolsonaro de cometer seus crimes contra a humanidade.
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