Bolsonaro é a expressão de uma política e cultura nazistas que nunca desapareceram do Brasil
Descobertas recentes mostram: o apoio a Hitler era maior do que se imaginava e pesquisa aponta que os adeptos da ideologia totalitária cresceu a partir de 2019
Desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência do Brasil, o discurso e a prática de ódio cresceram no Brasil. O fato mais recente desta triste era ocorreu no Vale do Javari, na Amazônia, quando violadores da lei ambiental e dos direitos do indígenas, mataram o agente da Funai Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips.
A antropóloga Adiana Dias, pesquisadora na Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, constatou o crescimento de 158% dos grupos neonazistas em Santa Catarina, unidade da federação onde Bolsonaro tem a sua maior popularidade.
O procurador geral de justiça do estado, Fernando da Silva Comin, citou a pesquisa no encontro realizado há duas semanas pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) e Conselho Nacional do MP (CNMP) em Brasília.
"Estima-se que haja hoje cerca de 530 células neonazistas ativas e mais de 10 mil participantes no Brasil. Com discursos dirigidos às vítimas já tradicionais dessa violência: judeus, negros, homossexuais, comunidade LGBTQIA+ e nordestinos, dentre outros. Isso evidencia a necessidade de construção de uma política pública permanente, de Estado e de Ministério Público, para prevenção e combate ao antissemitismo não só em Santa Catarina, mas em todo o Brasil”, declarou.
A ascensão da extrema direita não ocorreu do dia para a noite e decorre de um ambiente cultural (e criminoso) que surgiu no Brasil ao mesmo tempo em que, na Alemanha, Adolf Hitler dava seus primeiros passos rumo ao projeto de uma nova ordem, totalitária e excludente.
Há alguns anos, ao encontrar o advogado Renato Tucunduva em Piraju, interior de São Paulo, ele fez questão de me levar para sua casa para me entregar um livro de sua autoria e mostrar o piso de sua casa, que comprou em 1962, na qual já existia um piso com símbolos nazistas.
Ele, que tinha 89 anos e faleceria pouco tempo depois, era um democrata, mas aquele piso o intrigava. “Veja só. Eu não troquei o piso porque achei curioso. Alguém que gostava do Hitler fez esse piso e eu deixei, por razão histórica”, afirmou.
Em pesquisa em cartório, constatei que a casa fora construída pelo empresário Miguel Antônio Arbex, de família de imigrantes sírios. A casa foi registrada no tabelionato na década de 40, numa área que já pertencia à família desde os anos 30.
Arbex era dono de uma das maiores casas comerciais da cidade, a Salomão Arbex & Companhia, e gozava de prestígio junto à administração pública, a ponto de ser pessoalmente beneficiado por uma lei municipal que o isentava do pagamento de impostos.
Não há filhos ou netos que residam na cidade, e os parentes mais distantes não tinham conhecimento do piso. A 120 quilômetros dali, uma fazenda da família Rocha Miranda teve uma experiência abertamente nazista, entre os anos 30 e 40. Há alguns anos, um fazendeiro que comprou a propriedade encontrou tijolos com a suástica.
O historiador Sidney Aguilar Filho, a quem o tijolo foi mostrado por uma aluna, enteada do fazendeiro, decidiu pesquisar o caso, em um estudo de pós-graduação e encontrou pessoas que tinham vivido na fazenda.
Já idosos, eles contaram que, na década de 30, foram retirados de um orfanato no Rio de Janeiro, e levados para a propriedade, que ficava a mais de 600 quilômetros. Não recebiam salários e sofriam castigos físicos. “Era uma escravidão”, disse Aloisio Silva, já quase com quase 90 anos de idade.
A revelação resultou também no documentário “Entre a suástica e a palmatória”, do diretor Philippe Noguchi, com reportagem de Alice Alves. A história de Aloisio Silva e de outros 49 meninos ficou em segredo durante quase 60 anos.
O estudo de Sidney Aguilar Filho mostrou que a família Rocha Miranda descendia de um latifundiário do tempo do império, o Barão de Bananal, que teve muitos escravos.
“Não há dúvida de que o nazismo encontrou um ambiente propício no Brasil, por conta do nosso país como uma nação que teve grande número de escrevas”, disse Aguilar Filho à TV 247 (vídeo abaixo). Ele defende que a descoberta do piso com a suástica em Piraju seja aprofundada.
O Brasil foi o último país das Américas a libertar oficialmente os escravos — embora ainda tenha havido práticas clandestinas, como a da fazenda dos Rocha Miranda. Ainda assim, a libertação foi feita sem nenhuma política de compensação.
Pelo contrário.
Depois da abolição, o país incentivou a imigração européia, de trabalhadores brancos, que ocuparam na lavoura a antiga mão de obra escrava, com remuneração ou sistemas de parcerias. “A exclusão social dos negros no Brasil foi um projeto”, disse o advogado e sociólogo Fernando Fernandes. “Os antigos escravos ficaram sem trabalho”, acrescentou.
Se a elite brasileira até hoje torce o nariz para políticas de compensação, como cotas em universidade pública, imagine-se na época. O país aboliu a escravidão sem fazer a revisão daquele período perverso.
Da mesma maneira, a experiência nazista e a adoração de parte dos brasileiros pelas ideias de Hitler foram varridas para debaixo do tapete.
Não é surpreendente, portanto, a ascensão de Bolsonaro. Ele não tem o apoio da maioria da população — nunca teve —, mas chegou ao poder por conta de uma campanha contra um segmento da política que favoreceu aqueles que amam odiar.
Bolsonaro já era próximo dos adeptos do nazismo muito antes de se candidatar. Em 2015, quando era realizada uma audiência pública na Câmara do Rio de Janeiro sobre a Escola Sem Partido, Carlos Bolsonaro convidou um sujeito vestido de Hitler para discursar.
Impedido de ocupar a tribuna em razão de protesto de outros vereadores, o professor se retirou e depois tirou foto com Bolsonaro, que usou como propaganda em busca de uma cadeira no Legislativo carioca. Flávio Bolsonaro chegou a ajudar financeiramente a campanha do sósia de Hitler, como registrou Yahoo Notícias.
O jornalista Eduardo Reina descobriu que Bolsonaro enviou carta a um jovem condenado por apologia ao nazismo e corrupção de menor, em processo que começou em 2013. O destinatário, Marcus Vinícius Garcia Cunha, teve estes e outros pertences apreendidos.
A juíza do caso mandou devolver aquilo que considerou sem importância, mas mandou remeter a carta ao Ministério Público Federal. O teor nunca foi divulgado, em razão do sigilo do processo, que tramitou na 9a. Vara Federal de Minas Gerais.
Já presidente, Bolsonaro recebeu no Palácio do Planalto a neta de um ministro de Hitler que é deputada alemã por um partido de extrema direita, o AfD, e nomeou para a secretaria de Cultura Roberto Alvim, demitido depois da repercussão negativa que teve junto à comunidade judaica vídeo em que imitava Joseph Goebbels, responsável pela propaganda de Hitler.
Fatos como este mostram que a cultura nazista nunca desapareceu do Brasil, e que o tijolo usado na construção do projeto nazista no interior de São Paulo e o piso da casa do empresário em Piraju ajudaram na construção de um projeto de poder que coloca em risco a democracia no Brasil.
Só não vê quem não quer.
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