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    Carlos Henrique R de Siqueira

    Historiador e sociólogo pela UnB

    1 artigos

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    Bolsonaro e a política da inevitabilidade

    Como o liberalismo autoritário de Bolsonaro promove a proliferação da morte

    Timothy Snyder, historiador norte-americano especialista no Leste Europeu, tem um conceito interessante que ajuda a entender Bolsonaro e sua visão sobre a pandemia.

    Em seu livro “Na contramão da liberdade”, Snyder usa o termo 'política de inevitabilidade' para falar de um certo liberalismo que não assume responsabilidades. Ela ecoa o conceito neoliberal de “ordem espontânea", de Hayek. Para Snyder, “o clichê da política da inevitabilidade” é o famoso “não há alternativas".

    Os líderes políticos que implementam a 'política da inevitabilidade' consideram que há uma força maior que regula os acontecimentos, uma força acima da história. Por conta disso, consideram que as ações e políticas de Estado não são necessárias porque, ao fim e a cabo, tudo que aconteceu ou acontecerá era ou será inevitável. No máximo, a ação do Estado tem um efeito paliativo. Mas não há como interromper as forças incontroláveis que movem o mundo.

    Dessa forma, esses líderes políticos não consideram que tenham que assumir responsabilidades. Afinal, seja qual for o resultado da história, nada depende de suas ações.

    No caso da gestão da COVID-19, Bolsonaro assumiu, junto com seus conselheiros, que a ação do governo não era importante. O vírus iria cumprir sua trajetória inevitável. Essa, aliás, foi uma tese defendida insistentemente por Osmar Terra, que traficou para dentro do governo o argumento da imunidade de rebanho obtida pela contaminação com o coronavírus.

    A ação constantemente proposta por Bolsonaro, na verdade, era combater as tentativas de Estados e municípios de dificultar a circulação do vírus por meio do isolamento social e lockdowns.

    Não fosse a decisão do STF reafirmando a competência dos poderes dentro da federação, o Governo Federal teria baixado todas as barreiras contra o vírus implementadas pelos Estados.

    Na acepção de Bolsonaro e, por extensão, na do governo, se o vírus matasse poucas pessoas, esse seria um processo natural inevitável. Se o vírus matasse muitas pessoas, igualmente: esse seria também um processo inevitável, não importando os esforços e as políticas do Estado.

    Nesse cenário, a política oficiosa do 'tratamento precoce’ fazia o papel de medida paliativa. Mas essa política não seria suficiente e nem fora desenhada para barrar a trajetória inevitável do vírus. Quantas vezes Bolsonaro afirmou que todo mundo morre um dia, numa clara tentativa de fazer a sociedade se conformar a um suposto destino inevitável?

    Enquanto isso, Bolsonaro demitia Ministros comprometidos com políticas de intervenção pública. Tanto Mandetta quanto Nelson Teich perderam o cargo não pela falta de um plano de combate efetivo à pandemia, mas porque sinalizaram que iriam adotar práticas de intervenção internacionalmente sancionadas.

    E quando o General Eduardo Pazuello assumiu o Ministério da Saúde, sua missão era clara: bloquear qualquer tentativa de uma ação nacional coordenada, impedir a adoção das melhores práticas internacionais e deixar o caminho livre para o coronavírus cumprir seu destino.

    Ao ser perguntado na CPI qual foi a justificativa de Bolsonaro para demiti-lo, no momento em que nos aproximávamos do marco de 500 mil mortes, o ex-ministro disse apenas que o presidente considerava que ele tinha cumprido sua missão.

    Bolsonaro nunca assumiu nenhuma responsabilidade. Essa talvez seja uma de suas maiores idiossincrasias. Até sua campanha foi baseada na ideia de que ele não teria nenhuma função efetiva na gestão do Estado. Inúmeras vezes ele ressaltou que não precisava entender de saúde, educação ou economia para ser presidente. Se alguma questão mais complexa surgia nas entrevistas, ele logo pedia para perguntar “ao Posto Ipiranga”.

    Se há corrupção no governo, a culpa não é dele porque ele não tem como saber tudo que acontece nos ministérios, como disse recentemente. Se o povo morre de COVID-19, nem falem para ele, já que ele não é coveiro.

    Para Snyder, aceitar a política da inevitabilidade “é negar a responsabilidade individual de observar a história e promover mudanças. A vida se torna uma caminhada sonâmbula para um túmulo já marcado, num lote já comprado".

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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