Brasil miliciano: todo poder às bancadas BBB (da bala, do boi e da Bíblia)
"Depois da Lava Jato, os partidos foram substituídos pelas bancadas 'temáticas' e deixaram de ter qualquer importância", escreve Ricardo Kotscho, do Jornalistas pela Democracia. "Quem manda agora no Legislativo são as bancadas suprapartidárias chamadas de BBB (da bala, do boi e da bíblia), todas elas ligadas ao bolsonarismo raiz"
Por Ricardo Kotscho, no Balaio do Kotscho e para o Jornalistas pela Democracia
“Uma certeza se pode ter: a maluquice perversa a que o Brasil está entregue não terminará bem” (abertura da coluna de Janio de Freitas na Folha com o título “Nosso andar no escuro”).
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Todo mundo já desconfiava disso, desde o início deste desgoverno, caro Janio, mas nada acontece para evitar o desastre.
Líder sindical de militares e policiais por 28 anos na Câmara, Jair Bolsonaro hoje nem partido tem e despreza a articulação política, mas mesmo assim controla o Congresso como quem manipula um boneco de ventríloquo.
Como isso é possível, com mais de 30 partidos no parlamento, e tantos interesses difusos?
Muito simples: depois da Lava Jato, os partidos foram substituídos pelas bancadas “temáticas” e deixaram de ter qualquer importância.
Quem manda agora no Legislativo são as bancadas suprapartidárias chamadas de BBB (da bala, do boi e da bíblia), todas elas ligadas ao bolsonarismo raiz e cevadas com cargos e emendas pelo Palácio do Planalto.
Bolsonaro apenas está colocando em prática, agora com todo o poder na mão, o que pregou como deputado do fundão do baixo clero quando ninguém o levava a sério.
É com e para essa gente que Bolsonaro governa, liberando armas e as terras dos índios na Amazônia para os bois e o garimpo, e dispensando a turma da bíblia de pagar impostos.
Em sua coluna de domingo no Globo, Bernardo Mello Franco lembra que, já em 2003, o ex-capitão pregava da tribuna uma greve geral dos policiais militares contra a reforma da Previdência.
Era o início do governo Lula.
A greve não saiu, mas Bolsonaro nunca desistiu do seu projeto de botar fogo no país a partir dos quartéis das PMs. De quem ele quer se vingar?
O grosso da mão-de-obra das milícias que se ramificaram por toda parte, não por coincidência, é formado por ex-PMs e ex-militares expulsos de suas corporações.
É isso que está por trás dos motins que explodiram no Ceará esta semana e já deixaram 88 mortos em cinco dias.
E por que no Ceará?
Nada acontece por acaso, como já escrevi esta semana.
Sergio Moro colocou como secretário nacional de Segurança Pública o general Guilherme Teófilo, que nas últimas eleições tomou uma surra de Camilo Santana, do PT, o governador reeleito do Ceará em 2018, com 80% dos votos, no primeiro turno.
Teófilo foi candidato pelo PSDB, mas logo se bandeou para Bolsonaro e arrumou uma boquinha em Brasília.
O comandante da Força Nacional, a ele subordinada, é um coronel da PM cearense.
Os líderes da rebelião são todos políticos bolsonaristas que se elegeram por diferentes partidos com os votos dos quartéis.
A bancada da bala no Congresso é coordenada por quatro senadores e 32 deputados ligados às Forças Armadas e às PMs.
Bem maiores são as bancadas do boi, formadas pelos setores mais atrasados do agronegócio, e a da bíblia, que não para de crescer, no embalo dos templos neo-pentecostais dos bispos eletrônicos espalhados por todo o país.
Só na estrada que liga Caraguatatuba a São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, dos dois lados da via, há mais templos do que farmácias e botecos, alguns pomposos, a maioria em garagens.
Brotam de um dia para outro com as mais variadas e exóticas denominações.
Bolsonaro se dizia católico, mas desde a campanha eleitoral tornou-se terrivelmente evangélico, a ponto de já ter participado de cultos em 40 templos no seu primeiro ano de governo.
Com o Congresso dominado pelas bancadas BBB e as oposições na muda, o Brasil miliciano que sequestrou as instituições agora poderá formar maioria também no STF, onde serão abertas em breve duas vagas.
O que sobrou da sociedade civil, com as centrais sindicais destroçadas pela reforma trabalhista, limita-se a divulgar notas de protesto quando Bolsonaro exagera na dose da imbecilidade e da estupidez. E fica tudo por isso mesmo.
Viramos um acampamento de refugiados em nossa própria terra, onde impera a lei do mais forte e, como dizem os militares, manda quem pode e obedece quem tem juízo.
Sem contar os milicianos de carteirinha (ninguém sabe quantos), já que está tudo muito misturado, são hoje 500 mil homens nas PMs que obedecem ao comando de Brasília e se sentem fortalecidos para afrontar os governadores.
Diante desse quadro, a caminho do poder absoluto, guarnecidos por uma tropa de generais e no comando da rede bolsonarista de rádio e televisão, fica até difícil entender porque os Bolsonaros se mostram tão preocupados com os celulares do amigo miliciano morto na Bahia e as investigações sobre as rachadinhas e o assassinato da vereadora Marielle Franco no Rio.
Estão com medo de quê?
Escreve o sempre bem informado Janio de Freitas, veterano de outras guerras e outros carnavais:
“Aproxima-se uma situação limite. A inclusão de generais em torno de Bolsonaro tem mais a ver com a ditadura, claro, mas também com um motivo prático e imediato.: formar uma guarda pretoriana, a partir da ideia de que nenhuma instituição ou movimento público confrontaria essa representação do Exército com a tentativa de um impeachment, que também a alcançaria”.
Impeachment? Com esse Congresso dominado pelas bancadas BBB e o mercado fechado com Paulo Guedes e Trump?
E o que viria depois? O general Mourão?
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come…
Bonito não vai ser, com certeza, caro Janio.
Eu não esperava passar por tudo de novo, já entrando na fase de prorrogação da vida.
Faz escuro, cada vez pior, sem luzes à vista.
E vida que segue…
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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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