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    Julian Rodrigues

    Professor e jornalista, é militante do PT-SP e ativista dos movimentos LGBT e de Direitos Humanos

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    Brizola, 100 anos

    "O legado do engenheiro vindo dos pampas é imenso. Merece ser estudado, divulgado e celebrado por toda esquerda brasileira", escreve Julian Rodrigues

    (Foto: Divulgação/PDT)

    Por Julian Rodrigues 

    (Publicado no site A Terra é Redonda)

    Não consigo escrever sobre Leonel de Moura Brizola com distanciamento ou frieza analítica. É sempre um esforço emotivo e afetuoso. Em 1989 dei meu primeiro voto. Foi quando conheci Brizola. Eu votei em Lula, talvez por instinto de classe. Mas que campanha foi aquela! Era impossível não se encantar pela persona velho Brizola, com seus gestos, sotaques, retórica, autenticidade. Quem viveu aquela eleição nunca vai esquecer o “filhote da ditadura” que Briza carimbou na testa de Collor num debate.

    Lula ultrapassou Brizola na reta final e foi ao segundo turno. Uma disputa acirrada. Lula obteve 11.622.673 votos contra os 11.168.228 de Brizola. Ao mesmo tempo em que cunhou um icônico apelido para Lula (“sapo barbudo”) o apoio de Brizola a Lula logrou transferir praticamente todos seus votos ao petista no segundo turno em 1989.

    A relação do petismo com Brizola foi de mútua hostilidade durante um bom tempo. Só em 1998 houve uma aproximação e o pedetista foi candidato a vice de Lula na eleição presidencial. A passagem do bastão – antagonismo entre o petismo em ascensão e o brizolismo. A antipatia sempre foi recíproca.

    Não é difícil entender. O PT nasce orgulhosamente ostentando uma ideia de ruptura com todas as tradições anteriores da esquerda (do PCB ao trabalhismo). Deliciosamente ousada, mas também pretensiosa, a proposta petista era de construir um partido classista e rupturista, diferente de tudo que viera antes.

    Essa marca original afasta o PT tanto da tradição da maioria da esquerda comunista como do legado do trabalhismo. Possibilitou o crescimento do Partido, por um lado, mas carregando certo sectarismo que só viria a ser superado anos 1990. Uma coisa particularmente incompreensível, aos olhos de hoje, é a oposição que o PT fazia no Rio de Janeiro ao brizolismo.

    Brizola faz falta. Um líder da sua dimensão histórica não aparece todo dia. Ele transitou do trabalhismo getulista a uma espécie de nacionalismo revolucionário na garantia da posse de Goulart em 1961 com a “cadeia da legalidade”. Enquanto Jango vacilava, Brizola comandou o enfrentamento, atraindo inclusive uma parte do Exército. E resistiu armado no Palácio Piratini.

    O golpe de 1964 rompeu um fio histórico. Entre tantos outros motivos, tinham receio de que o governador gaúcho se tornasse presidente pelo voto popular.

    É pouco conhecida a história dos “grupos de onze” que impulsionou em 1963-1964 – embriões da radicalização da resistência democrática e até da luta armada. A ditadura militar forçou o longo exílio do ex-governador gaúcho. Quando voltou, após a anistia, sentiu o baque da manobra de Golbery do Couto e Silva, que deu a legenda do PTB para a conservadora Ivete Vargas. Construiu seu PDT a partir daí.

    Na redemocratização, eleito governador do Rio de Janeiro Brizola fez com Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer os CIEPS (Centros Integrados de Educação Pública). Vanguarda total: arquitetura arrojada e prática, ensino em tempo integral, café, almoço e lanche, artes, esportes, assistência médica e odontológica.

    Apelidados de “brizolões”, os CIEPS apontaram o caminho de uma educação de qualidade voltada  para os mais pobres. Criticados à direita (muito caros, populistas) e também à esquerda – os CIEPS foram exaltados quase unanimemente muitos anos depois. A petista Marta Suplicy fez em São Paulo os CEUS, que são CIEPS modernizados. Brizola construiu nada mais nada menos que 520 CIEPS nos seus dois governos! Imaginem isso (e comparem com os feitos dos governos progressistas atuais).

    Pragmático, Leonel Brizola deixava correr solto seu PDT, que em muitos momentos fez alianças esdrúxulas e acolheu gente bem estranha. Por outro lado, foi o político brasileiro que mais denunciou a Globo (é bom nunca esquecer do Proconsult, em 1982, quando a rede Globo liderou um esquema para fraudar a apuração das eleições para governador no Rio de Janeiro, vencidas ao final por Brizola).

    Brizola era mais odiado e combatido pela máquina de Roberto Marinho do que o próprio Lula, Depois de tentar fraudar as eleições sem sucesso, o sistema Globo de comunicação fez oposição implacável ao primeiro governo de Brizola no Rio de Janeiro (1983-1986). Foram contra tudo: dos CIEPS ao sambódromo.

    Entrou para a história o direito de resposta que Brizola ganhou contra a rede Globo em 1994. Cid Moreira teve que ler em pleno Jornal Nacional o texto seguinte: “todos sabem que eu, Leonel Brizola, só posso ocupar espaço na Globo quando amparado pela Justiça. Quinta-feira, neste mesmo Jornal Nacional, a pretexto de citar editorial do jornal O Globo, fui acusado na minha honra e, pior, apontado como alguém de mente senil. Ora, tenho 70 anos, 16 a menos que o meu difamador Roberto Marinho, que tem 86 anos. Se é esse o conceito que tem sobre os homens de cabelos brancos, que o use para si. Todos sabem que critico há muito tempo a TV Globo, seu poder imperial e suas manipulações”.

    O radical anti-imperialismo do velho gaúcho é legado e uma inspiração para toda esquerda. Leonel nunca transigiu na denúncia das “perdas internacionais” e na defesa de nossa soberania. Rotulado pelo mainstream liberal como populista e caudilho (esses conceitos tão vagos quanto instrumentalizados), Brizola sempre foi uma pedra no sapato das elites e dos EUA, que nunca engoliram a estatização da Bonde & Share e da ITT – canetada histórica do nosso engenheiro quando governou o Rio Grande do Sul no início dos anos 1960.

    Às vezes fico imaginando como seria uma eleição presidencial em 1985-1986, logo depois das mega-manifestações pelas “Diretas Já”. Talvez Ulysses Guimarães fosse um candidato competitivo. Talvez Leonel Brizola, governador do Rio de Janeiro, despontasse como favorito.

    O fato é que a ditadura rasgou a história brasileira, interrompendo trajetórias e processos políticos. Minha sensação é que Brizola foi atingido em cheio por esse delay de 25 anos. Quando vieram as eleições diretas seu tempo de liderar a nação já havia passado.

    Em 1992. Brizola, então governador do Rio de Janeiro pela segunda vez, alertou o país sobre a “histeria” contra Collor. Ouvindo hoje as ponderações e cautelas do líder pedetista chama atenção sua clarividência. Remando contra maré, o experiente Brizola apontava os riscos de uma deposição do primeiro presidente eleito diretamente desde 1960.

    Me lembro que na época, empolgados com o movimento “Fora Collor”, xingávamos Brizola (aliado do corrupto neoliberal). Retrospectivamente, pensando em 2013 e 2016 soa profética a relutância do gaúcho com o impeachment (ele chamava a atenção para a posição da TV Globo e da revista Veja, contra Collor). Nos advertia para o risco de banalizar a deposição de presidentes eleitos por voto popular. Em 2016 pudemos refletir melhor – sofremos na pele o golpe da maioria parlamentar de plantão.

    Se apanhou muito do PT, Brizola bateu forte também. Talentoso frasista criou ácidos e inesquecíveis apelidos. O já mencionado “sapo barbudo”; para Lula ou o carimbo no PT: “UDN de tamancos”.

    De qualquer forma, o legado do engenheiro vindo dos pampas é imenso. Merece ser estudado, divulgado e celebrado por toda esquerda brasileira. Nesses atuais dias tão reacionários, fico imaginando Brizola indo para cima do Bolsonaro, brigando com os neofascistas de frente (seria épico). E lá se vão 100 anos.

    Viva Brizola! Brizola vive!

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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