Bruxas, e povo na rua
"O caminho é seguir na luta, perseverança e ousadia. Torcer e lutar para a presença do povo nas ruas em contraposição às anunciadas hordas bolsonaristas. Nosso desafio é este: garantir mobilizações amplas, com forte participação popular nesse Sete de Setembro, tão decisivo", escreve Emiliano José
Quando ouço ameaças de golpe, penso nas bruxas. Coisa antiga, de criança talvez. Adulto, deixei de temer. Não creio nelas mais, e o digo até com alguma tristeza. Não as considerava tão assustadoras assim. Mas, esse pensamento me põe alerta, e é bom estar atento. Não existem, pero que las hay, las hay. Não é aconselhável tratar com desdém ameaças de golpe, sobretudo quando procedentes do presidente da República, e sem que as Forças Armadas do país não o desmintam de modo cristalino, façam ao contrário um silêncio ensurdecedor, e a ele continuem prestando continência.
Dou crédito, e como, ao querido companheiro de armas, José Genoíno. Ele afirma: o golpe já foi dado. Numa entrevista, penso que ao Tutaméia. Coberto de razão. Em 2016, os golpistas mostraram suas armas, derrubaram a presidenta Dilma, disseram de seus projetos, com a cumplicidade ativa das chamadas instituições, do Congresso ao Judiciário. Arrumaram a cama para a chegada de Bolsonaro, criaram o clima para tanto, impediram Lula de ser candidato, e desde lá, militares às centenas incrustados no governo dele. Ilusão de quem pensou, inclusive militares, de domar o espírito trumpista do atual presidente, envolvido a cada minuto com a ideia de golpe, com a radicalização do modelo em curso, com o desmonte das frágeis instituições democráticas remanescentes.
Nunca se aconselha simplificação. Há de fato movimentação de setores das classes dominantes, incomodados com os desatinos do presidente, o mesmo incensado por eles na eleição de 2018, sob o argumento da derrota do PT – tudo, menos o PT. Deu no que deu. Agora, o mundo desabou sobre a cabeça deles. Um presidente desatinado, negacionista, disposto a praticar genocídio. E esses setores são bem-vindos. No entanto, não devemos bancar o avestruz. Tais setores, qual Diógenes, buscam uma terceira via, outra vez tentando conter o PT, a força telúrica de Lula. Até agora, patinando nesse esforço.
De outro lado, toda a classe dominante, falo das forças econômicas nacionais e das internacionais, solidamente alinhada com as chamadas reformas de Bolsonaro, com a perversidade neoliberal, com a maior ofensiva de nossa história, ao menos nos últimos 80 anos, contra os direitos do povo brasileiro, especialmente contra os direitos trabalhistas, sem contar o fim de todas as políticas públicas inclusivas do presidente Lula e da presidenta Dilma.
O País convive hoje com metade de sua força de trabalho praticamente desempregada: coisa de 50 milhões entre desempregados, desalentados e aqueles trabalhando 20 horas por semana, o precariado do precariado. É contradição da terceira via: investir contra o negacionismo de Bolsonaro e permanecer ao lado dele, rente que nem pão quente, em relação à sua devastadora e cruel política econômica.
A Rede Globo, porta-voz entusiasmada da terceira via, viúva de Sérgio Moro, tenta equilibrar-se no fio da navalha dessa contradição: positivamente faz a crítica do negacionismo, defende medidas científicas em relação ao covid-19, e embarca na terceira via, esconde Lula, firme na trincheira antipetista, e apoia as chamadas reformas de Paulo Guedes, núcleo essencial do governo Bolsonaro, se puder quer radicalização delas.
Muita contradição, e é necessário à esquerda saber mover-se em relação a ela. Estar ao lado do resquício de iluminismo das forças do centro, porta-voz de nossas classes dominantes, e contra a atitude favorável de tais forças às políticas concentradoras de renda, excludentes de direitos, a favor sempre de uma democracia mitigada, apenas para consumo dos de cima.
O programa da esquerda há de ser de combate frontal às políticas neoliberais, a favor da democracia compreendida como luta incessante pela igualdade e pela liberdade política e nisso não será possível transigir, por mais esforços sejam feitos para ampliar o leque de alianças, esforços absolutamente indispensáveis a requerer, no entanto, um olho no padre, outro na missa.
E a ameaça de golpe?
Vou e volto ao nosso Genoíno, a quem não me canso de reverenciar, por sua história e dedicação ao povo brasileiro, por sua capacidade de elaboração. Peço licença para uma ponderação. Na Bahia, no candomblé, pede-se licença aos mais velhos para falar. Aqui, pedir licença ao mais sábio.
Sim, já deram o golpe. Mas, podem redobrar a aposta. Fizeram isso em outras ocasiões, e não vou ensinar padre-nosso a vigário, e Genoíno é vigário antigo, experiente. Em 1968, com o AI-5. Já ocorrera o golpe em 1964, e os promotores daquele movimento sangrento, resolveram radicalizar. Claro, claro, Genoíno, velho marinheiro, pode me alertar: a conjuntura é outra. É, sem dúvida. Mas, é sempre bom dar uma olhada ao passado. A um golpe pode suceder outro, pondero.
O atual presidente não se cansa dia após dia de anunciar o golpe. Há quem diga: não terá apoio das Forças Armadas. A mídia tradicional tem batido nessa tecla. Eu, cá com meus botões, não diria com tanta certeza, pois tais forças foram desmoralizadas por Bolsonaro nos últimos meses, em episódios bastantes conhecidos, a envolver a saída dos três comandantes militares, a nomeação dos novos, o perdão de Pazuello e o desfile de obsoletos tanques pela Esplanada dos Ministérios em dia de votação do voto impresso. Ajoelharam, têm de rezar.
Avançando um pouco. Talvez quase certo o presidente jogue com pau de dois bicos: se não tiver o apoio das Forças Armadas num primeiro momento, pode contar com suas milícias e com parcelas das polícias militares, além de sempre estimular hordas vinculadas a ele de comprar mais e mais armas, como fez nas últimas horas, e mobilizá-las. Pode apostar num confronto que leve o País a uma situação caótica, e que obrigue as Forças Armadas a intervir, criando uma situação de fato, dando algum argumento e conforto a tais forças, evidentemente responsáveis e fiadoras da presença do capitão reformado à frente da presidência da República, disso ninguém duvida ou pode esconder. Tá legal: pode acontecer de tudo não passar de um blefe. Mas, blefe seja, perigoso. E é bom não ignorá-lo ou desconhecê-lo.
Nada é simples, também, no entanto, para Bolsonaro e seu golpismo. Há uma situação internacional pouco propícia. Trump não é mais presidente. Os ventos na América Latina sopram a favor da democracia: Argentina, Bolívia, Peru, Chile são exemplos desses ventos. O flerte de Biden com endurecimento na América Latina pode sofrer algum recuo, especialmente diante do desastre do Afeganistão, com forte impacto interno. E o neoliberalismo não apresenta seu melhor momento. E a China vai assumindo dianteira na geopolítica mundial. Não há, assim, inevitabilidade do golpe, mas é sempre bom estar atento – volto: as bruxas não existem, mas que las hay, las hay.
E o caminho é seguir na luta, perseverança e ousadia. Torcer e lutar para a presença do povo nas ruas em contraposição às anunciadas hordas bolsonaristas. Nosso desafio é este: garantir mobilizações amplas, com forte participação popular nesse Sete de Setembro, tão decisivo. Aqui, eu e Genoíno estamos juntos, como sempre. Os golpes, e lembre-se o da Bolívia feito com o concurso sobretudo de milícias, só são contidos se houver presença do povo, e disposto a lutar. Grande desafio. Com a maioria da força de trabalho desempregada ou subempregada, há de crescer a indignação, e os partidos e movimentos podem ajudar nesse crescimento, sem nunca poder substituir a população, tentação voluntarista sempre presente.
Conjuntura difícil, inegavelmente. Desafiadora de nossa criatividade e imaginação. Os índios, nas últimas horas, e escrevo antes do desfecho da votação do STF sobre a tentativa de volta atrás nos direitos dos indígenas, nos deram lições de ousadia e coragem, e de amplitude. A maior mobilização de todas até agora, resistindo a essa quebra de direitos. Dia Sete de Setembro, com todo seu simbolismo, pode ser um bom momento para seguir os passos deles – nosso povo nas ruas para garantir a democracia, os direitos das maiorias e minorias, e um clima civilizado e democrático de disputa eleitoral em 2022 para levar Lula novamente à presidência, e recomeçar outra história. Será, assim sendo, uma bela e forte e necessária contraposição às ameaças golpistas. Tocando em frente, como diria nosso Almir Satter.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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