Caiado e Tarcísio em Israel, uma viagem sem respostas
"Esta reportagem foi produzida a partir de dados abertos que foram consultados na internet e da apuração buscada junto às entidades e governos citados"
Uma estranha viagem que teve por objetivo inicial de prestação de apoio e solidariedade à política genocida e colonial, que já matou mais de 30 mil pessoas na Palestina, com tempo para visitas oficiais ao primeiro-ministro e ao chefe da diplomacia e de negócios. Assim foi o périplo da comitiva dos governadores de Goiás e São Paulo, respectivamente, Ronaldo Caiado (União Brasil – GO) e Tarcísio Freitas (PL-SP) que visitou Israel entre os dias 17 e 21 de março.
A princípio foi divulgado que os dois governadores teriam sido convidados pelas organizações da Kehilat Or Israel (comunidade brasileira em Israel) e a Gmach Brasil, outro grupo da comunidade judaica brasileira. Mas dias antes do embarque, foi noticiado que o governo de Israel, através de seu primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu oficializou o convite para uma agenda oficial, sendo isso publicado pelas respectivas comunicações de seus estados.
É importante frisar que esta reportagem foi produzida a partir de dados abertos que foram consultados na internet e da apuração buscada junto às entidades citadas e dos governos dos estados envolvidos.
No passeio, Caiado e Tarcísio, inicialmente, visitaram áreas atacadas pelo Hamas em 7/10/23; o Museu do Holocausto, e cumpriram agenda conjunto no encontro com Netanyahu e Israel Katz, o linguarudo ministro de Relações Exteriores de Israel; com agenda de negócios, visitando a sede da Indústrias Aeroespaciais Israelenses, que fornece tecnologias para defesa espacial, aérea, terrestre, naval, cibernética e interna. Também correu visita ao Ministério da Defesa de Israel para um encontro com representantes do Sibat, e um almoço no Ministério das Relações Exteriores do país. Tarcísio Freitas, também visitou as sedes das startups OrCam, que atua em acessibilidade, e Mobileye, voltada a inovações em mobilidade.
*A desumanização do outro*
Mas voltemos a as duas entidades Kehilat Or Israel e Gmach Brasil. Bom, ambas são sediadas em Israel, cidade de Ra'anana , no distrito Central, com 73.100 habitantes, situada na Região Sarom, a cerca de 20 quilômetros de Tel Aviv. Essas duas entidades no momento promovem o Projeto Charvot Barzel, uma iniciativa que visa distribuir alimentos e suprimentos para ajudar famílias afetadas após 7/10, e compra de equipamentos táticos para as forças armadas israelenses. No site da Kehilat Or Israel são informadas duas formas para a doação financeira para a compra de capacetes tipo 1755 e para coletes balísticos 2925. A primeira é para uma conta do Banco Mizrahi, em nome da Gmach Brazil, e segunda é para uma conta no Brasil, no Banco Bradesco, em nome da Associação Beneficente Cultural Religiosa Mizrachi do Brasil. (https://www.kehilatorisrael.com/general-5 )
Enquanto isso, do outro lado do muro, na Faixa de Gaza, mais de 2 milhões de pessoas sofrem com a fome e deslocamento, em meio a bombardeios de Israel que já mais mataram oficialmente 32,5 pessoas, sendo mais de 14 mil crianças, com mais 75 mil feridos, segundo dados de Ministério da Saúde de Gaza. Somente em Rafah, 1 milhão de palestinos estão amontados aguardando ajuda humanitária que é impedida de entrar pela IDF.
Dinheiro de doações
Em vídeo publicado no perfil da comunidade Gmach Brasil, pode-se observar um dos líderes da entidade, Nilton Migdal portando um fuzil, orgulhoso mostrando um colete balístico, resultado das doações. Migdal é o consultor de segurança privada, sendo sócio-administrador da Migdal Consulting Consultoria em Segurança LTDA, empresa sediada na cidade de São Paulo, diz que recebeu seu colete para se proteger das rondas que faz pela Polícia de Fronteira de Israel, a Mishmar HaGvul. (https://www.instagram.com/p/C5YZhTOszoa/ ) Ele costuma aparecer em programa da TV aberta, dando pitacos sobre segurança condominial. (https://www.migdalconsulting.com.br/migdal-midia ) Em vídeos no Instagram, no perfil da Kehliat aparece pedindo doações para a campanha de doações de equipamentos táticos, dizendo que as doações são necessárias para “terminar o serviço contra o Hamas e talvez contra o Hezbollah”. (https://www.instagram.com/p/C5FxAi8sPhq/ ) Migdal mantém um perfil numa plataforma de doações, a CauseMatch em que pede doações para Kehliat, tendo arrecadado ILS 10.318 (Novo Sekel – moeda de Israel), o equivalente a mais de R$13 mil. (https://causematch.com/Or-Israel2022-pt/46408/ )Em 27/11/23, o mesmo Nilton Migdal anunciava no Instagram a arrecadação de mais de ILS 1 milhão, cerca de R$ 1,3 milhão. (https://www.instagram.com/p/C0KG7i9MTG9/ )Outra liderança do Kehilat or Israel é Alberto Rabinovitsch, um carioca radicado há sete anos em Israel, morando em Petah Tikva, aproximadamente 10 km de Tel Aviv. Rabinovitsch foi o cicerone dos governadores Ronaldo Caiado e Tarcísio Freitas, e orgulhosamente posa para fotos com ambos. (https://www.instagram.com/p/C4pBlFtIuy-/ )
Perguntas sem respostas
Esta reportagem tentou contato com a Kehila por Israel, encaminhando perguntas para o e-mail disponibilizado no site da entidade, mas não obteve nenhum tipo de retorno. O conteúdo das perguntas eram os seguintes:
1 - Quanto já foi arrecadado até o momento e qual a quantidade de equipamentos táticos distribuídos aos soldados das IDF pela campanha de apoio aos soldados da linha de frente?
2 - Esse material é comprado no Brasil, é de fabricação brasileira, qual o fornecedor? Se for do exterior, qual a origem?
3 - Por ser um recurso obtido de doação há alguma isenção do governo brasileiro na remessa para Israel?
4 - O Estado de Israel está em dificuldades para oferecer esses equipamentos aos seus soldados?
5 - Afinal, quem custeou a visita dos governadores dos estados de Goiás e São Paulo, Ronaldo Caiado e Tarcísio Freitas?
6 - Os governadores prometeram algum tipo de doação de equipamentos táticos para os soldados de Israel?
Quem pagou e quanto foi a conta do passeio à Israel?
Em contato com a comunicação do governo de Goiás nos foi informado que a viagem do Caiado foi paga pela Kehilat Or Israel. “O governador Ronaldo Caiado realizou agenda oficial em Israel a convite do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. As despesas de viagem do governador e do ajudante de ordens foram pagas pela comunidade judaica brasileira Kehilat Or Israel” – informa.
A reportagem também perguntou se o governador Caiado firmou algum acordo com Israel ou alguma empresa do país. A resposta foi negativa, citando que já existe um acordo de cooperação entre os entes na área agrícola que prevê ainda a troca de informações e compartilhamento de novas tecnologias no sentido de aperfeiçoar o Projeto de Fruticultura Irrigada do Vão do Paranã.
Recentemente, em 02/04, representantes da Subsecretaria de Políticas para Cidades e Transporte da Secretaria Geral de Governo do Estado de Goiás (SGG), da Metrobus e da Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo (CMTC) participaram, nesta terça-feira (2/4), de uma reunião com o gerente-geral da empresa israelense Optibus, Ronne van Avraham, líder em soluções de Inteligência Artificial para o planejamento operacional de transportes. O encontro foi realizado no prédio da Antiga Chefatura de Polícia, na Praça Cívica, em Goiânia. (https://brilchamber.org.br/governo-de-goias-conhecem-tecnologia-israelense-de-transporte-coletivo/ )
Isso mostra, mais uma vez, o grau de cooperação e simbiose existente entre governadores da extrema-direita brasileira com o estado e empresariado de Israel. O Brasil, pelo visto, se tornou uma Meca de negócios para os israelenses de extrema-direita.
Por sua vez, o governo do estado de São Paulo não respondeu os mesmos questionamentos encaminhados pela reportagem.
Viajar para Israel não é nada barato, as passagens áreas variam em valores entre R$ 3 mil e R$5 mil. Além disso, existem as despesas com hospedagem e deslocamentos. Certamente, os governadores não se hospedaram em hotéis menos categorizados e baratos em sua estadia em Israel. Será que a Kehliat or Israel, que está em campanha de arrecadação de fundos para apoiar o que o estado de Israel, pelo visto, não está conseguindo oferecer o mínimo, como capacetes e coletes balísticos aos seus soldados, usou esses recursos para o “passeio” dos governadores de Goiás e São Paulo?
Além disso, o que fica bem claro é que os participantes desses grupos voluntários de brasileiros em Israel, integrantes da Gmach Brasil e da Kehliat or Israel, possuem um engajamento político com integrantes da extrema-direita brasileira, que atualmente apresenta Ronaldo Caiado e Tarcísio Freitas como alternativas à liderança de seu campo político no Brasil. Não é à toa que foram convidados pelo genocida Netanyahu para uma visita oficial.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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