Capitólio de Brasília desmascara uma ilusão
"O ataque covarde do Capitólio de Brasília ontem desmascarou uma ilusão", escreve o jornalista Paulo Moreira Leite
Por Paulo Moreira Leite
Não foi preciso esperar mais do que uma semana desde a posse de Lula no Planalto para o golpismo de extrema-direita exibir sua face violenta e imunda aos brasileiros e brasileiras.
A invasão de Brasília foi uma operação covarde, típica de traidores da Pátria que não possuem escrúpulos nem qualquer espírito decente, contra um governo eleito em dois turnos, num pleito sem fraudes ou irregularidades.
Transportados por uma centena de ônibus que partiram de vários Estados brasileiros, num movimento organizado sem muita discrição por gerentes do bolsonarismo, os invasores deixaram um rastro de destruição e ameaça.
Imagens internas de salas e corredores da Presidencia da República, do Congresso e do Supremo, alvos escolhidos não por acaso, deixam claro qual o objetivo real da operação -- ferir a democracia, destruindo o simbólico para atingir o real.
O ataque expõe um projeto reacionário que pretende inviabilizar um governo eleito, recém-empossado, preparando o caminho para o eterno plano B da extrema-direita -- o golpe de Estado.
No curto prazo, as metas de tamanha indecência política, jamais registrada na já triste história de nossa República, foram bem enumerados pelo historiador militar Manoel Domingos Netto, em artigo disponível no Brasil 247.
Ele escreveu: "acabar com a alegria da vitória, meter medo no povo, desgastar o governo, desmoralizar o presidente, alimentar o caos, animar a ultradireita, formar clima para ruptura institucional, projetar a guerra civil".
A invasão de Brasília é o primeiro lance de um movimento golpista após a derrota nos dois turnos de outubro. Há muito tempo articulado às escondidas, agora foi escancarado. Deve ser enfrentado com atenção, rigor e nenhum espalhafato. Lula anunciou ontem:
"eu queria dizer para vocês que todas as pessoas que fizeram isso serão encontradas e serão punidas. Eles vão perceber que a democracia garante direito de liberdade, de livre comunicação, livre expressão, mas ela também exige que as pessoas respeitem as instituições que foram criadas para fortalecer a democracia.
Não é possível esconder a gravidade dos fatos. Uma semana após a derrota nas urnas, a extrema direita mostrou-se capaz de invadir a capital do país e, sem ser incomodada, atacar o Congresso, o STF e a Presidência da República, numa combinação assombrosa de selvageria e violência.
Os lamentáveis acontecimentos deste domingo demonstram duas coisas. Em primeiro lugar, confirmam o caráter criminoso, sem escrúpulos de qualquer natureza, das forças vencidas nas urnas. Nada tem de democratas. Não se deve esperar gentileza nem pão-de-ló dessa turma.
Em segundo lugar, o desembaraço da invasão mostrou o despreparo do lado de cá. Não é uma questão de equipamentos nem treinamentos. Mas de visão política.
Enquanto a extrema-direita organizava um ataque a sede dos Tres Poderes, as forças encarregadas de proteger a lei e a ordem tinham sumido. Apareceram quando não havia muito o que fazer -- a não ser avaliar os escombros.
O despreparo revelou-se na dificuldade para enfrentar os invasores na tarde de ontem mas sua origem é mais profunda. Alimenta-se da convicção de que a derrota eleitoral do bolsonarismo representou a restauração plena do regime democrático, sem riscos nem ameaças para as liberdades arrancadas ao longo de nossa história política.
O ataque covarde do Capitólio de Brasília ontem desmascarou uma ilusão.
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