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    Roberto R. Martins

    Autor de Liberdade para os Brasileiros – anistia ontem e hoje

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    Carta aberta ao jornalista Georges Malbrunot de O Figaro

    Quando o nobre jornalista fará um artigo dizendo: está na hora da França emancipar-se do domínio da OTAN e do império do Norte?

    Caro jornalista: apreciei sua matéria publicada no site de O Figaro dia 22 próximo passado e reproduzido em alguns órgãos brasileiros, sobre as decisões do BRICS, que, entre outros, aprovou o ingresso da Arábia Saudita. Este ingresso, diz a matéria, significa um ato de emancipação para o país árabe. E mais adiante: “A monarquia saudita dá um novo sinal do seu desejo de se tornar um ator independente no cenário mundial”. A importância da matéria se acentua por ter sido publicada em O Figaro. Órgão sabidamente conservador, representante da direita francesa. Isso nos leva a algumas reflexões necessárias.

    Não que eu tenha alguma admiração por este país árabe. Até pelo contrário, condeno alguns aspectos de suas práticas políticas e sociais. Mas isso não vem ao caso. Cabe a cada povo definir sua cultura e sua forma de governo. Mas duas questões me vieram logo à lembrança quando li a interessante matéria, até porque admiro a independência dos povos. Vamos à primeira. 

    O Figaro traz a lembrança de que é um jornal secular, está bem perto de completar dois séculos de vida. E portanto contêm muito da história francesa. O caso Dreyfus, foi um de seus destaques. Afinal, foi em suas páginas que Émile Zola publicou seus três primeiros artigos em sua campanha para restabelecer a verdade e coibir a perpetuação da injustiça. Enquanto isso, o capitão Dreyfus, condenado injustamente por traição à pátria à prisão perpétua, amargava em nossa América, na Ilha do Diabo, na colônia francesa da Guiana. Lá passou quase cinco anos. Mas um dia tudo se esclareceu, ele voltou à França, teve novo julgamento, ao fim foi anistiado, reintegrou-se ao exército francês onde lutou na Primeira Guerra Mundial contra a mesma Alemanha a quem foi injustamente acusado de favorecer traindo sua pátria na guerra de 1870. Bem, mas o que mais importa aqui, é que Zola, a figura maior a lutar pela verdade e pela justiça restaurando a liberdade do capitão, fez um grande número de artigos, reunidos mais tarde no memorável J’Accuse, mas apenas os primeiros três foram acolhidos nas páginas de O Figaro. À recusa em prosseguir com as publicações, somou-se a recusa de todos os demais jornais franceses! Só restou a Zola continuar sua campanha com publicações avulsas, brochuras, nas palavras de hoje, folhetos, até que a maré começou a mudar e surge o jornal Aurora que passa a publicá-los, sendo que a tiragem quando do primeiro artigo no periódico foi de 300 mil exemplares!Ainda assim Zola entendeu e agradeceu a posição d’O Figaro. Hoje podemos entender melhor ainda: O Figaro sempre foi um jornal conservador. Por isso mesmo, senhor Georges Malbrunot, sua matéria adquire ainda maior relevância ao sair nas páginas de um órgão conservador. Mas deixemos a história, porém, à sua luz, avaliemos um problema contemporâneo. Ouso lhe encaminhar a pergunta:

    Quando o nobre jornalista fará um artigo dizendo: está na hora da França emancipar-se do domínio da OTAN e do império do Norte?

    Quem será o Zola da nova emancipação francesa?

    Muitos logo dirão: “Mas a França é um país livre!”. Eu acrescentaria uma vírgula. Livre, vírgula, até certo ponto. Em todas as questões secundárias, sim. Mas não é livre para vender submarinos nucleares à Austrália, mesmo com contrato assinado, pois o império do Norte impõe vender os seus; não é livre para gastar menos de 2% de seu PIB em armamento, pois a OTAN impôs preparar-se para guerra (qual guerra, não sei); não é livre para diminuir o frio de sua população, podendo negociar livremente a compra mais barata de combustíveis; nem para determinar sua política econômica evitando a inflação decorrente das ineficazes sanções contra a Rússia; nem é livre para recusar a doação de armamentos caros para Kiev, alimentando uma guerra sem solução à vista no campo militar, ceifando vidas de seres humanos! 

    Mas os franceses começam a se dar conta desta realidade. Há poucos dias, foi o ex-presidente Nicolas Sarkozy quem declarou, para todos saberem, que a União Europeia está dançando numa festa à beira dum vulcão! Mas não só ele. O ex-primeiro-ministro italiano, Guiseppe Conte disse que a estratégia da OTAN para o conflito na Ucrânia, baseada no fornecimento militar constante e na lógica de escalada, fracassou, enquanto a crise em si expôs a incapacidade da União Europeia em demonstrar liderança e sublinhou sua subordinação aos Estados Unidos.

    É preciso algo mais claro que estas duas declarações de lideranças políticas que não são de esquerda?

    Ou toda a Europa vai subordinar-se ao dito presidente do Comitê Europeu da OTAN, o economista austríaco Gunther Fehlinger, que declarou ser preciso o “desmantelamento de todos os nossos inimigos que se unem contra o Mundo Livre no BRICS...” Eu não entendi bem a que “mundo livre” ele se refere, será o do opressor império do Norte?

    E tu, França?

    França de 1789, da liberdade, igualdade, fraternidade?

    Relembremos Zola num dos seus artigos publicados em Acuso! Dirigidos como se fosse à França de hoje:

    - “França, eu te conjuro: sê de novo a grande França, volta a ti, recobra-te.”

    - “França, desperta, pensa em tua glória. Como é possível que tua burguesia liberal, teu povo emancipado, não vejam, nesta crise, a que aberração os estão levando?”

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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