Carta aberta aos procuradores da Lava Jato
Impulsionados pelo furor de vis interesses, os senhores e o juiz justiceiro macularam as suas instituições: a que investiga e a que pune
Senhores Procuradores,
Nesta hora grave em que se debate o país, dirijo esta mensagem aos meus colegas do Ministério Público, sobretudo aos jovens, como um despertar para o relevante múnus público de que somos investidos por força de postulados constitucionais. Sobressalta a todos nós que lutamos pela salvaguarda da ordem jurídica, do devido processo legal e dos direitos humanos os rumos da nossa instituição.
Abram passagem à razão e à inteligência para que este tão sofrido e desencontrado Brasil não seja, pelo ódio, o preconceito e a estupidez, arrastado ao atraso.
Egresso dos quadros do Ministério Público, participei, ao lado de devotados constituintes de larga estatura política e visão de mundo, dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte (1986-1988), da qual emanou um novo e vigoroso Fiscal da Lei.
Tento ultrapassar o meu próprio tempo para compreender aqueles que se julgam senhores da razão e da verdade. Que pobres incautos!
Face à profunda crise política e econômica que domina a nação, cabe a cada um de nós e, em especial, aos agentes do Ministério Público, assumir a desafiadora função de calar o cinismo, apontar os oportunistas, desvendar as tramas que levaram o país a este fanatismo insensato que nos lança uns contra os outros, defender a justiça tão conspurcada por preconceitos ideológicos, reanimar os fracos, que se escondem no silêncio, convocar os fortes e sábios para a cruzada em defesa da verdade contra essa marcha da insensatez que nos ameaça com um futuro imprevisível.
Cessem com investigações cinematográficas que abalam o país e desorganizam os esforços para o reencontro com o desenvolvimento. Afastem-se das vantagens de uma indústria da delação premiada para forjar provas e abrir espaço para a ambição dos oportunistas. Reneguem a busca por aplausos fáceis, combatam os interesses escusos de poderosos grupos nacionais e internacionais.
Estas palavras vêm de quem enfrentou pesados desafios e cegas ditaduras no Brasil e no mundo.
O país sofre enormes perdas econômicas e financeiras, muitas das quais provocadas por operações de indefinidos propósitos. Apenas a Operação Carne Seca causou mais de um bilhão de reais de prejuízos para as nossas receitas de exportação. Só uma lei rege os espertalhões: a do poder econômico ou político.
Onde se encontra o maquiavélico julgador da Lava Jato? No Ministério da Justiça, e os seus cúmplices investigantes na busca insana de abocanhar mais de dois bilhões de reais de uma multa arrancada da Petrobras nos Estados Unidos para a criação de uma duvidosa fundação.
Onde se encontra a esperança por justiça neste Brasil de hoje, encurralado entre a mediocridade e o lunático? Destruída pela insensatez e por uma raiva canina de apequenados personagens. Apenas se ouve o grito do condenado de Caetés, ultrajado por forjadas provas arrancadas de delatores desesperados através de um criminoso conluio entre os que investigam e os que julgam. Que grande farsa!
Na atual conjuntura do país, a idiotia exalta o fanatismo para negar a inteligência. Zomba da educação e renega a cultura. Afinal, para onde querem levar este país?
Quando os povos se domesticam e perdem a capacidade de pensar, os bufões dominam a cena e se vestem de messiânicos da sociedade, da justiça, e alguns se fazem vestais do moralismo público. Que farsantes!
A Lava Jato produziu esses tipos e um deles se investe cinicamente de Ministro da Justiça de um governo que ajudou a eleger. E, muitos ainda, como os carneiros de Pannunzio, acreditam nesse impostor. Na interminável contenda entre o idealismo que constrói e a estupidez, a imbecilidade pede passagem. O horror à inteligência e ao diálogo ata-os à mente preconceituosa e a um fanatismo que agride a racionalidade: "Amo Israel"; "Sempre admirei os EUA"; "A terra é plana"; "O cidadão precisa de armas".
Quando o destino chama um estadista para reconstruir uma nação ou um líder para guiar o seu povo, a mediocridade mancomunada e arregimentada resiste. Neste altar, onde o Escamoucho presidencial medra, a paixão do besteirol é servi-lo cegamente.
Nestes tempos, não se pensa, lançam-se chavões; não se interroga, impõem-se ideias; não se governa, faz-se apologia à tolice.
Oh, tempora! Oh, mores, clamava Cícero no Senado romano, há mais de 2000 anos.
Procuradores, exerçam a função de agentes do Estado como vigilantes impávidos da ordem jurídica e do imparcial processo legal. Jamais se façam instrumentos de ambições desenfreadas daqueles que carregam apetites pessoais e não a imparcialidade dos magistrados dignos. Na escalada de certos vultos ao poder, retratam-se os desastrados resultados de suas suspeitas condenações investigativas.
Cessem as suas ações audaciosas e temerárias. Só os tipos humanos amesquinhados vivem sempre no joguetear das artimanhas, contanto que as suas ambições sejam saciadas. Repilam o moralismo de Tartufo que envolve uma simbologia repugnante. No momento das decisões difíceis e necessárias, encontram-se os verdadeiros homens. Saramago, certa vez me disse: "Quão difícil é encontrar um Homem".
Que horas sombrias atravessa o país. A bestialidade fez-se horda e pulula pelos poderes e estende tentáculos por toda a sociedade. Entidades que estiveram sempre na vanguarda em defesa dos direitos humanos e da ordem democrática, como a OAB, a ABI, a CNBB e tantas outras, hoje quedam-se cúmplices de um silêncio condenável e se posicionam naquela grotesca postura de Pilatos.
Procuradores, os senhores não se inebriem diante das luzes dos holofotes televisivos, nem se agachem aos aplausos fáceis das multidões frenéticas. Jamais sirvam de pau-mandados de carreiristas e oportunistas. Olhem a história dos povos e do próprio Brasil. Onde estão aqueles que se fizeram algozes de Frei Caneca, de Vargas, de Juscelino e de Brizola? No esquecimento e na lata de lixo da história.
A que calvário infame os senhores arrastam o ex-presidente Lula! A quem os senhores serviram para esta nefasta e aberrante aventura judicante? A quem os senhores serviram quando interferiram na Venezuela e fizeram divulgação contra o governo desse país, instrumentalizando-se de uma delação premiada da Odebrecht? Na primeira interrogação, a espertalhões que hoje se desmandam à frente do poder. Saibam que cada passo na busca da verdade e da justiça é fruto de uma investigação serena e digna, custa muito sacrifício e impõe desafios, ao contrário de decisões inconsistentes e ilegais.
Por esta senda os pregadores do moralismo público se agigantam e berram: "O Brasil está mergulhado na corrupção"; "Acabaram a Petrobras". Que cretinos! Mentem em nome dos grandes acionistas desta empresa petrolífera, de banqueiros e de grandes exportadores.
Basta, senhores procuradores!
Este teatrão tragigrotesco de mais de cinco anos arrastou o nosso país a uma depressão enorme e à destruição de empresas nacionais, sobretudo das grandes construtoras, com prejuízos por volta de 300 bilhões de reais.
Procuradores, quo vadis, quo vadis, para onde ides com a ordem jurídica que ultrajastes?
Que monumental farsa processual os senhores, em conluio com o Torquemada da Lava Jato, armaram contra a sucessão presidencial de outubro de 2018.
O site The Intercept Brasil, o jornal A Folha de São Paulo e a revista Veja escancararam ao país e ao mundo os porões de uma justiça de fancaria e mergulharam fundo num mar de lama que pulula no poder judicante de Curitiba, comandada pelos senhores e o justiceiro Moro. O que estarrece a nação em face deste gigante iceberg, do qual aparecem as primeiras pontas?
Ali, naquela selva de ilegalidade, autoritarismo e insensatez, o direito e a justiça são pisoteados e renegados. De prisioneiros e centenas de desesperados pelo medo os senhores extorquiram, por torturas psicológicas, os mais vis e fantasiosos depoimentos e delações premiadas. Nesta escuridão medieval em que se sangra a justiça, as suas vidas serão pinceladas como aqueles figurantes do quadro de Picasso em Guernica, Espanha. Apodrecidos tipos humanos.
Impulsionados pelo furor de vis interesses, os senhores e o juiz justiceiro macularam as suas instituições: a que investiga e a que pune. Sob a estratégia de uma mídia comprometida, inebriaram o povo brasileiro e anestesiaram a consciência da sociedade com prisões cinematográficas, longas prisões preventivas e delações premiadas extraídas por tortura psicológica, como caracteriza Raul Zaffaroni. Que horas graves e sombrias vivemos. Os lacaios da justiça se glorificam e os condenados, vários deles, carregam injustamente a pecha de corruptos.
Os incapazes sempre se insurgiram contra os grandes vultos: deram a Sócrates veneno, crucificaram Cristo, apunhalaram César, desterraram Dante, aprisionaram Alfred Dreyfus na Ilha do Diabo, lançaram no cárcere Mandela, mataram Vargas, degradaram Juscelino e, hoje, arrastam o ex-presidente Lula a um monstruoso martírio. É o pesado tributo que pagam aqueles que marcaram o destino humano. Nesta época de lunáticos, os palácios se povoam de sequazes que comandam o espetáculo do cinismo por fraudes processuais e injustas condenações.
Basta, Senhores Procuradores! Ponham na consciência de cada um o dever a ser cumprido. Lembrem-se: viver não é preciso, ter fibra moral é preciso.
Atenciosamente,
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