Cartas na Mesa!
Enquanto comunidades lutam por territórios, o Inema autoriza a supressão de vegetação nativa, para erguer um empreendimento turístico-imobiliário no sul baiano
A escalada de violência nos territórios indígenas, no sul da Bahia, foi denunciada à Comissão de Meio Ambiente (CMA) e à Comissão da Igualdade Racial da ABI, em julho de 2022. Ao apurarem a situação, acionaram a representação da ABI no estado da Bahia e a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos (CDLIDH).
Os relatos foram alarmantes e envolvem políticos, policiais militares, empresários, fazendeiros e outros invasores de terras indígenas em crescentes ataques milicianos, campanhas de difamação e o desmonte de órgãos federais, no governo de Jair Bolsonaro, relevantes para conter a violência e exigir o cumprimento das leis nestas áreas.
No mesmo ano, a Associação Brasileira de Imprensa — ABI informa aos veículos de comunicação e profissionais da imprensa ter protocolado, em 30/08/2022, uma Carta ao então Governador do Estado, Rui Costa, solicitando medidas urgentes de proteção para os povos originários, jornalistas, educadores e indigenistas do Sul e Extremo Sul da Bahia.
Criada a Força Tarefa pelo governo estadual, foram presos três policiais militares pelo suposto envolvimento no assassinato de um indígena de 14 anos.
No dia 14 de dezembro, de 2022, a justiça federal, da subseção judiciária de Teixeira de Freitas, sul da Bahia, acolheu a denúncia oferecida pelo MPF, em face de três policiais militares do estado estarem supostamente envolvidos no assassinato do indígena Gustavo Silva da Conceição.
Os policiais, Renato Martins do Carmo, Silvaldo Almeida de Oliveira e Willer Diorgenes Santos Melo, indiciados por crime de genocídio e associação ao genocídio, na forma tentada; homicídio qualificado consumado; homicídio qualificado tentado; acumulados da conduta tipificadas nos arts. 1º e 2º, da Lei n.º 2.889/56.
Lembramos que mesmo após a chegada da Forca Tarefa para investigar o assassinato do adolescente Gustavo Silva da Conceição, Pataxó, de apenas 14 anos, no dia 4 de setembro, a violência continuou. Há crianças, mulheres e anciãos vivendo sob ameaças e pressões insuportáveis, dia e noite, ininterruptamente.
A ABI também denunciou que nas eleições do ano passado (2022) várias comunidades indígenas não votaram no primeiro turno das eleições, no último dia 2 de outubro. Gostariam de votar, escolheram seus candidatos, mas não puderam sair de suas aldeias.
Segundo relatos, além de coação, houve até fechamento de passagens em estradas para impedir que os indígenas votassem. Estas denúncias foram ouvidas por mais de 100 participantes da I Caravana Intercultural Indígena, que passou pela Região do Descobrimento entre os dias 15 e 17 de outubro.
Medidas foram tomadas pelo Tribunal Regional Eleitoral da Bahia em conjunto com as forças de segurança pública do estado para garantir o direito dos povos originários e quilombolas de votar.
Passado este período conturbado, os problemas não terminaram. Outros dois jovens foram assassinados por policiais militares que estavam a serviço de fazendeiros. Presos pela Força Tarefa do novo governo estadual (eleito), mesmo assim, resta saber onde estão os mandantes.
Entre tantos desrespeitos com aquela região, aos povos originários, quilombolas e comunidades tradicionais, como se não bastasse o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia (Inema) baixa portaria de n.º 28.063, em 7 de março deste ano, autorizando a supressão de vegetação nativa, licença de instalação e autorização para manejo de fauna.
Válido pelo prazo de cinco anos, à Mangaba Cultivo de Coco Ltda, para implantação do empreendimento turístico-imobiliário Ponta dos Castelhanos, na ilha de Boipeba. Terras da União, que em regime de ocupação de natureza precária em território pertencente, há gerações, a pescadores e quilombolas nativos da Ilha, localizada no sul baiano.
Manifestação: O deputado estadual Hilton Coelho (PSOL) apresentou na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA), no último dia 10 de março, Projeto de Decreto Legislativo que susta a Portaria n.º 28.063, de 7 de março de 2023, do instituto baiano, Inema.
“A ALBA tem o dever de se posicionar em defesa dos interesses maiores da população e impedir este atentado social e ambiental. Um absurdo se privilegiar o grande capital em detrimento de interesses ancestrais”, afirma Hilton Coelho.
Em nota, o Inema informa que o empreendimento Fazenda Ponta dos Castelhanos, na Ilha de Boipeba, nas imediações do Povoado de São Sebastião (Cova da Onça), município de Cairu, trata-se de uma área com extensão de 1.651,00 ha para implantação de condomínio, na área de abrangência da APA das Ilhas de Tinharé e Boipeba.
“O projeto tem impacto em 2,9 hectares de um total de 1.651 hectares da propriedade, que possui escrituras registradas em cartório e manifestação favorável do IPHAN, formalizada no processo de licenciamento”.
“O projeto foi licenciado com a mais perfeita lisura e transparência dos atos adotados pelo Instituto, de acordo com a lei, seguindo o código florestal, atendendo a Lei da Mata Atlântica, os marcos legais e as resoluções federais e estaduais. Tendo em 2016, após ser avocado, passado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (CEPRAM) sem ressalvas ou considerações deste colegiado, que possui participação da sociedade civil, inclusive organizações não governamentais com atuação ambiental”, defende a nota.
http://www.inema.ba.gov.br/2023/03/inema-esclarece-licenca-concedida-a-empreendimento-em-boipeba/
Segundo matéria publicada no Jornal da Chapada, — A Superintendência do Patrimônio da União na Bahia afirma que o “imóvel Fazenda Ponta dos Castelhanos é totalmente da União” e que, até hoje, não recebeu nenhuma consulta dos órgãos ambientais do estado quanto ao projeto turístico-imobiliário. Como pode isso?
Para o Ministério Público Federal (MPF), “não existe fundamento legal para o Inema realizar o licenciamento ambiental de um empreendimento sem a concordância do proprietário do imóvel em que será instalado, especialmente em se tratando de imóvel da União, insuscetível de usucapião ou desapropriação”. E agora?
O Analista Ambiental Célio Costa Pinto entende que o local possui grande sensibilidade ecológica com a presença de fauna e flora representativa para o Bioma Costeiro e Marinho. As comunidades tradicionais precisam ser ouvidas pela forma de vida que levam num local que é bem da União. “Considero incompatível um empreendimento desse porte naquele lugar, pois não ficou clara a harmonia com as populações tradicionais. O impacto sócio-econômico é de grande magnitude e deveria ser melhor estudado com a inclusão dos afetados”.
Em entrevista ao Bnews, no último dia 13 (segunda-feira), o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, afirma que “a gente tem uma lei nacional que estabelece um quantitativo para quem tem uma propriedade poder fazer uso dela com respeito à lei. Até 20% de desmatamento, supressão vegetal. A informação que nós temos é que são dois hectares, não é toda a área. Mas eu pedi para que eles pudessem sentar com a Casa Civil, ver se tem alguma coisa porque o Estado depende de um parecer de legalidade do Poder Judiciário para qualquer tipo de atitude do Executivo. Dentro da lei, o projeto está dentro do padrão”.
Bem: Mesmo assim, o empreendimento, autorizado pelo Inema, causará impactos em manguezais, restingas, apicuns, mata nativa e terrenos de Marinha, tudo protegido pela legislação federal, por sua importância para a sobrevivência e reprodução de inúmeras espécies de peixes e crustáceos.
O pior, sabemos que o Conselho da Área de Proteção Ambiental — APA Tinharé-Boipeba não foi ouvido também e nem o povo nativo. Assim vai, e os povos tradicionais reagindo, resistindo com a proteção divina. O Inema diz que ouviu o povo nativo. Cadê as fotos, filmagens deste momento? Acho importante que o Inema apresente a imprensa, já que a população cobra e é contra este empreendimento.
O MPF na Bahia, recomenda a suspensão imediata do decreto, e que não autorize ou licencie em áreas públicas federais, principalmente nas localidades em que envolvam comunidades tradicionais protegidas constitucionalmente.
Já nos territórios indígenas, na região do TI Barra Velha, na região do Descobrimento, nos últimos meses o conflito se intensifica, retomadas foram realizadas pelos povos originários, que receberam, em represália, fortes ataques por parte dos latifundiários, por pistoleiros e milícias privadas.
Para o povo Pataxó, é dever sagrado defender e lutar pelos seus territórios, que sofrem com a “invasão, destruição ambiental e a urbanização desorganizada e invasiva orquestrada para descaracterizar e desqualificar o processo de demarcação”.
O que mais podemos esperar? Quando os mandantes serão presos pelos assassinatos? A força tarefa está do lado de quem? E o Estado Brasileiro, o STF e a demarcação? Quando teremos os direitos garantidos pela Constituição?
A demarcação é um ponto importante do conflito em terras indígenas. As prisões dos mandantes dos assassinatos, também. A APA Tinharé-Boipeba não foi ouvida e nem o povo nativo da ilha. Como pode?
Pedimos ao governador do Estado da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), proteção e interferência aos problemas no sul baiano. Os povos originários, tradicionais e quilombolas desta região fizeram o “L” com a esperança de uma vida digna e respeito aos seus direitos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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