Caso Greenwald - Biden volta a deixar claro: não existe mídia imparcial
Jornalista Aquiles Lins critica o silêncio coordenado da mídia dos EUA ao analisar o artigo de Glenn Greenwald com denúncias contra Joe Biden. "Uma coisa parece ter ficado evidente: não dá mais para sustentar o mito do jornalismo imparcial, a serviço da 'verdade'. Jornalismo tem lado e ele deve ser, por uma questão moral e de honestidade, cada vez mais explicitado ao leitor”, afirma
Por Aquiles Lins
O jornalista Glenn Greenwald publicou nesta sexta-feira (30) uma parte do artigo com denúncias contra o candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, que motivou seu desligamento do site The Intercept sob a acusação de censura. O texto levantou questões que subsidiam um debate intenso e longo, do qual não sairá um único argumento vencedor, sobre o papel do jornalismo na vida política de um país e sobre a velha dicotomia “imparcialidade” versus ativismo político.
No texto, de fôlego, Glenn apresenta uma série de informações, fatos e posicionamentos da grande mídia dos Estados Unidos sobre emails supostamente escritos de e para Hunter Biden, filho de Joe Biden, refletindo seus esforços para induzir seu pai a tomar decisões que beneficiassem a empresa de energia ucraniana Burisma, em cujo conselho dos diretores, Hunter recebia pagamento mensal de US$ 50.000. Em troca, Joe Biden, Hunter e Jim Biden (irmão de Joe) teriam perspectivas de negócios lucrativos na Ucrânia e na China. Os emails teriam sido descobertos após Hunter Biden deixar seu notebook em uma loja de assistência técnica no estado Delaware apresentando danos causados pela água e que nunca teriam sido retirados de volta, permitindo ao proprietário do local acessar seu conteúdo. A autoria dos emails não foi comprovada. E Hunter Biden também não nega que eles tenham existido. Glenn também relata a atuação efetiva de Joe Biden na substituição do procurador-geral de Justiça da Ucrânia, Viktor Shokin, responsável por investigações contra a empresa Bursima, em troca da liberação de US$ 1 bilhão pelos EUA em ajuda ao país no governo de Barack Obama, do qual Biden era vice-presidente.
Glenn mostra que boa parte da mídia dos Estados Unidos está preferindo deliberadamente não tocar sobre o assunto Biden Ucrânia, desde que os primeiros emails de Hunter Biden vieram a público pelo jornal New York Post, cuja publicação, inclusive, foi censurada pelas mídias sociais Twitter e Facebook. O jornalista mostra em seu artigo que há um movimento coordenado dos veículos de comunicação para não se tocar neste assunto, sendo signatário o próprio Intercept, do qual Glenn é co-fundador. O Intercept se opôs à acusação de censura e disse que Glenn Greenwald não foi convidado a remover as críticas de Joe Biden de seu artigo. “Ele foi convidado a apoiar suas alegações e insinuações sobre ações corruptas de Joe Biden com evidências”, disse ao Washington Post a editora-chefe Betsy Reed.
Nós sabemos que os meios de comunicação de massa desempenham uma influência significativa na percepção, opinião e no comportamento das pessoas. Pois é a partir deles, e não de sua experiência pessoal, que os cidadãos adquirem a maior parte do conhecimento político. Esta constatação foi feita pelo jornalista e escritor Walter Lippmann em 1922 e ainda mantém sua atualidade nos dias de hoje. Neste contexto, cabe refletirmos um pouco sobre um conceito bastante sedimentado na área da Comunicação, também utilizado na Ciência Política, que é o da Agenda Setting ou Teoria do Agendamento. Segundo o pesquisador Maxuel McCombs, que cunhou o conceito em um artigo publicado em 1972, os meios de comunicação, por meio da seleção (o que inclui a omissão), disposição e incidência das notícias, impõem um conjunto seleto de temas (a agenda), que passam a ganhar notoriedade pública. Ou seja, o que é proeminente na agenda da mídia torna-se proeminente na agenda do púbico. A esta correspondência entre a agenda da mídia e a agenda do público, McCombs chama de primeira dimensão de agendamento. A segunda dimensão seriam os atributos mobilizados pela mídia para descrever as características de determinado assunto, personagem ou acontecimento. Esta segunda dimensão também é conhecida como enquadramento. Em síntese, a mídia seleciona o que deve ser levado ao debate público – e, consequentemente, o que não deve ser debatido – e em quais termos o debate será travado. Assim, a decisão de noticiar ou não um assunto já é se posicionar sobre ele.
A partir das constatações de Glenn Greenwald, depreende-se que a maioria dos veículos de comunicação de massa está se omitindo de trazer ao debate público, ou se o faz é pela via da desqualificação, as denúncias que atingem Joe Biden por um movimento coeso contra a reeleição do presidente Donald Trump. Que é, não resta dúvida, um político de extrema-direta, racista, xenofóbico, homofóbico, negacionista, que exerce influência direta sobre o governo neofascista e genocida de Jair Bolsonaro no Brasil. Enfim, Trump é um típico representante desta identidade supremacista branca cisheteropatriarcal e neoliberal, que vive seu momento histórico de declínio. Humanisticamente, é um movimento justificável o da mídia estadunidense.
No entanto, sabemos que ao longo da história denúncias de menor consistência já foram levados a público pela mídia mainstream dos EUA. É pouco factível, a esta altura do campeonato, representar o bom samaritano do jornalismo, e utilizar um argumento do 'jornalismo tradicional', com seus métodos rigorosos de checagem para julgar o que Greenwald deveria apresentar ou não. Primeiro porque é inócuo, efetivamente a matéria foi publicada. E segundo porque demonstra que não publicar uma matéria porque vai prejudicar alguém envolvido é assumir um lado na questão. O Intercept precisaria então se decidir: ou tem lado, favorável a Joe Biden e ao seu projeto para os Estados Unidos, ou considera que "o jornalismo é oposição e o resto é secos e molhados", como diria o célebre Millôr Fernandes. Ademais, se tivesse dado vazão ao texto, o impacto da matéria provavelmente teria sido muito menor.
Por outro lado, Glenn Greenwald está sendo acusado de colocar o ego acima do jornalismo, de fazer, nas palavras da escritora Naomi Klein, colunista do Intercept, uma “jogada de marketing” ao sair do veículo e migrar para a plataforma Substack. O Washington Post lembra que Greenwald se tornou um convidado regular do Fox News Channel, tradicional apoiador de Donald Trump, participando especialmente no programa noturno de Tucker Carlson.
Em toda a história não há um lado totalmente certo e outro totalmente errado. Mas uma coisa parece ter ficado evidente: não dá mais para sustentar o mito do jornalismo imparcial, a serviço da “verdade”, emdefesa dos direitos da população etc. Jornalismo tem lado e ele deve ser, por uma questão moral e de honestidade, cada vez mais explicitado para o leitor.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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