Centro-Oeste e Nordeste: inversão de polos nas eleições de 2024
"Virada do PT em Cuiabá faz parte de uma tendência maior", escreve Sara Goes
Apesar de biomas semelhantes, o Centro-Oeste e o Nordeste costumavam ser diametralmente opostos em suas posições políticas. No entanto, estas eleições municipais parecem ter invertido os polos magnéticos, desafiando o alinhamento tradicional dessas regiões.
Tradicionalmente alinhada a candidatos conservadores e liberais, a capital mato-grossense agora testemunha o crescimento da influência do PT, algo que a miopia das mídias comerciais e independentes (que, sejamos francos, ainda dividem o mesmo CEP) não previa. A presença de Lúdio Cabral (PT) na fase final da corrida eleitoral, contra a figura bolsonarista mais desesperada por atenção, Abílio Brunini (PL), é um sinal de que as forças progressistas estão se consolidando naquele território, desafiando o predomínio de figuras ligadas ao agronegócio e à direita conservadora.
Essa virada do PT em Cuiabá faz parte de uma tendência maior que também está em curso em Goiânia, onde a candidata pelo PT, Adriana Accorsi, alcançou 24,44% dos votos no primeiro turno. Embora ela não tenha chegado ao segundo turno, sua expressiva votação mostra que o partido está longe de ser irrelevante na capital goiana. Adriana, conhecida por seu trabalho como delegada e por sua defesa dos direitos das mulheres, está fortalecendo uma ponte entre pautas progressistas e demandas populares por segurança pública. Destaca-se também a eleição de Aava Santiago (que depois da andança se filiou ao PSDB) para a vereança, sendo a mulher mais votada da história de Goiânia, o que reforça ainda mais essa tendência. Evangélica progressista e feminista, Aava personifica uma transformação no perfil tradicional de lideranças evangélicas no Brasil, e sua proximidade com Lula mostra que a resistência à hegemonia conservadora evangélica está ganhando força, especialmente entre mulheres jovens. Pouco mais de 400 quilômetros distante da capital goianiense, foi reeleito no primeiro turno o primeiro prefeito quilombola do Brasil, Vilmar Kalunga (PSB).
Este indício de virada política no Centro-Oeste pode ser observado negativamente nas capitais do Nordeste, que enfrentaram uma disputa intensa entre direita e extrema-direita, um fenômeno que eu tratei brevemente naquele artigo. Diferentes tons de bolsonarismo se fazem presentes em cenários como o de João Pessoa, onde Cícero Lucena (PP) concorre no segundo turno com o ex-ministro da saúde negacionista de Bolsonaro, Marcelo Queiroga (PL), que, assim como Ramagem (PL), jamais deveria se sentir à vontade de se candidatar. Um segundo turno que gera expectativas positivas é em Natal, onde Natália Bonavides, potência petista cuja história familiar se destaca pela luta pela democracia no Nordeste, disputa o segundo turno com Paulinho Freire (União) depois de uma virada que surpreendeu até quem torceu o nariz para sua escolha no partido. Na capital sergipana, recordista de candidaturas femininas, a candidata do PT, Candisse Carvalho, ficou em 4º lugar, com um pouco mais de 28 mil votos. A maior surpresa negativa nas capitais do Nordeste parece ter sido em Teresina, onde o candidato do União Brasil, Silvio Mendes, venceu o pleito no primeiro turno, mostrando que talvez a força política do ex-governador e ministro Wellington Dias tenha diminuído no estado. Outro padrinho político forte, mas que não pôde exercer diretamente sua influência em virtude dos limites do cargo de ministro do STF, foi Flávio Dino, ex-governador do Maranhão, estado cuja capital elegeu Eduardo Braide (PSD) no primeiro turno.
Maceió reelegeu um acrônimo (JHC) no PL com facilidade, aparentemente ignorando a postura conivente do prefeito diante da tragédia provocada pela Braskem na capital alagoana. Salvador reelegeu Bruno Reis, do União Brasil, com facilidade, mostrando a força do carlismo e que há limites de influência da esquerda nas capitais nordestinas, dominadas por uma elite econômica e uma imprensa tradicional.
Um ponto fora da curva na análise das capitais nordestinas é Recife – claro que a capital pernambucana seria destaque –, onde João Campos (PSB), aquele que não é de direita nem esquerda, inegavelmente herdou o carisma do pai e embarcou no caminho pavimentado de seu avô para inovar em uma gestão que seria o orgulho de todo militante petista que reclama nas redes: uma presença forte nas redes sociais durante toda a gestão, tornando impossível para o recifense não conhecer seus feitos, sobretudo na infraestrutura da cidade. O sucesso de João foi tão grande que surpreendeu até nas pesquisas, levando 78,11% dos votos, deixando o sanfoneiro de Bolsonaro (Gilson Machado, do PL) isolado e tendo que "se trocar" com candidatos à vereança. Na noite de ontem, só o recifense foi feliz.
Em Fortaleza, o 3º maior colégio eleitoral do país, o cenário é ainda mais relevante para o Partido dos Trabalhadores (PT). Se André Fernandes (PL) perder para Evandro Leitão, Fortaleza poderá ser a maior cidade administrada pelo PT no Brasil. E, já que nós nordestinos apreciamos títulos de superlativos factuais, neste caso, o Ceará seria o único estado a não eleger prefeitos pelo PL nestas eleições. Para alentar o eleitor progressista alencarino, outro dado relevante é que o PT elegeu quatro vereadores na capital cearense, incluindo, com certa facilidade, Mari Lacerda, pupila de Luizianne Lins. Outro protegido da ex-prefeita, Catanho, entrou no segundo turno em Caucaia por apenas 8 votos, dando ao futuro político de Lins uma linha para se agarrar. Diretamente, o PT elegeu prefeitos em 46 municípios, mas compôs chapas diversas (diversas mesmo) em diferentes municípios.
Esses resultados não são preocupantes apenas para o Nordeste. Não é segredo que há uma saudável disputa entre ministros nordestinos que já ocuparam cargos de governador para aumentar sua influência local e apresentar resultados ao presidente Lula, que nutre especial admiração pelos líderes do Nordeste. Se os números forem impressionantes, o vencedor dessa corrida poderá se posicionar como um forte concorrente em uma segunda disputa, desta vez direta com Fernando Haddad, para ser o candidato em 2026.
Lula, mais do que um líder do PT, é um símbolo de esperança e desenvolvimento para o Nordeste, uma região historicamente marcada pela negligência e até sabotagem, como visto durante o governo Bolsonaro. Sua ausência preocupa o futuro da esquerda e da região, pois pode deixar um vácuo difícil de preencher, tanto na política progressista quanto na conexão com o eleitorado nordestino. O desafio será a capacidade da esquerda de se reorganizar e encontrar novas lideranças que mantenham essa conexão e continuem a defender pautas inclusivas.Por outro lado, Lula, que sempre repetiu que é governador de todos, inclusive dos que não gostam dele, agora precisa se dividir e dar uma atenção maior ao centro-oeste e observar as lideranças que podem surgir naquela região.
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