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    JOÃO TAVARES

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    Chico Buarque: o que não dizem dele

    Avesso e acima de rótulos Chico carrega nos ombros o fardo de ser rotulado como cantor de protesto, talvez o maior erro de seus admiradores e aspirantes a biógrafos e exegetas

    Sem fazer qualquer concessão, sem dar qualquer declaração, sem qualquer aparição pública nos últimos três ou quatro anos – as curtas, raras e últimas foram por ocasião da curta turnê de 2010/11 – Chico Buarque comemorou em família seus 70 anos de vida bem vivida. Sua reclusão voluntária não impediu que amplas matérias fossem publicadas em jornais de todo o país e que centenas de artigos e análises fossem feitos em sites e blogs na internet. As TVs também resgataram belos e bons momentos de sua prolífica carreira.

    Cantor, compositor, cronista, poeta, dramaturgo, escritor e jogador de futebol. Chico é tudo isso e muito mais. Avesso e acima de rótulos Chico carrega nos ombros o fardo de ser rotulado como cantor de protesto, talvez o maior erro de seus admiradores e aspirantes a biógrafos e exegetas. A rigor - pela época em que foi escrita e pelo contexto em que foi lançada - apenas a canção ‘Apesar de Você’ pode ser considerada uma canção de protesto. E muito mais pelo uso que se fez dela e muito menos pela intenção do compositor.

    Chico, na realidade, sem perder o lirismo, o rigor estético, a música amasiada com a letra é um cidadão profundamente consciente do seu tempo. E como poeta que sempre foi soube antever, antecipar e descrever em suas canções situações políticas e sociais que envolvem o seu tempo, o nosso tempo.

    Dentro de sua obra existem pérolas ainda mal garimpadas. Os mais honestos analistas de sua obra ainda se refugiam em “Construção”, “Vai Passar”, “Cálice”, “O Que Será” – entre outras – para se referir ao artista antenado com o cotidiano de seu país. Mas Chico está muito além disso. 

    Quem quiser dar um passo à frente e se envolver com o universo dito político de Chico Buarque tem que atentar para muitas de suas canções, não necessariamente as mais tocadas ou assimiláveis. Treze pequenos exemplos:

    ‘Linha de Montagem’: Feita para um documentário de Renato Tapajós sobre as greves do ABC, em cima da música do instrumentista Novelli. Uma letra onde Chico abusa do seu domínio das palavras. As sílabas vão se encadeando como o trabalho dos operários em uma linha de montagem. 

    ‘Morena de Angola’: Vale pela citação que Chico faz do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) – liderado pelo político poeta Agostinho Neto. “Morena, minha bichinha danada do ‘emepela’”, como dizem os portugueses, verseja magistramente Chico.

    ‘Embarcação’: Numa quase esquecida canção de amor com Francis Hime, feita em plena guerra das Malvinas, Chico cria um verso para ironizar os ingleses. Ao falar do poder do amante, enquanto possuía a amada, ele canta “Deus, eu pensei que fosse Deus, e que os mares fossem meus, como pensam os ingleses”.

    Dr. Getúlio’: A controversa figura de Getúlio Vargas é homenageada neste samba enredo que é uma aula de história do Brasil. Pra cima, bem humorada e crítica a letra fala do “pai dos mais humildes brasileiros, lutando contra grupos financeiros e altos interesses internacionais”.

    ‘Maravilha’: Um canto de amor a Cuba - também com música de Francis -pelo que ela representou de resistência ao pensamento único americano e pelo que ela despertou como referência social para os povos do terceiro mundo.

    ‘Canção Pela Unidade Latino Americana’: Como o próprio nome já diz, a canção, adaptada dos versos de Pablo Milanés, retrata e anuncia “que já foi lançada uma estrela; pra quem quiser enxergar; pra quem quiser alcançar; e andar abraçado nela”.

    ‘Hino da Repressão’: Da versão cinematográfica da Ópera do Malandro – filme dirigido por Ruy Guerra e com direção musical de Carlinhos Vergueiro – esta canção é um soco no estômago de tantos que acham que a repressão só acontece em períodos ditatoriais esquecendo-se de que a mesma está entranhada no aparelho policial do Estado, independente da coloração ideológica de quem o administra.

    ‘Angélica’: Chico dá voz a uma mãe (A estilista Zuzu Angel) que busca incessantemente o filho (Stuart Angel) desaparecido pela ditadura. Três décadas depois de mãe e filho terem sido assassinados pela ditadura só agora surgem ‘as provas’ de quais foram seus algozes.

    ‘Assentamento’: Inspirado em Guimarães Rosa essa canção foi feita para e sobre o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Num ousado e bem sucedido projeto, Chico se aliou ao fotógrafo Sebastião Salgado e ao escritor José Saramago em um trabalho lançado em vários países do mundo.

    ‘Levantados do Chão’: Música homônima a um livro de Saramago essa canção, musicada por Milton Nascimento, também faz parte do projeto MST. Toda a arrecadação foi destinada a obras sociais e culturais dos sem terra.

    ‘Ode aos Ratos’: Da safra mais recente do compositor a música faz uma anatomia desses roedores. Falando em ratos Chico não precisa nominar os homens

    ‘Subúrbio’: Também da safra recente esta canção fala de um Rio de Janeiro que não está nos cartões postais. De um Rio que vive e pulsa às costas do Cristo Redentor.

    ‘Barafunda’: Recentíssima, do último CD de Chico, ‘Barafunda’ brinca com a falta de memória ou com a confusão da memória perdida ao longo dos tempos. Chico brinca com os tempos da militância: ‘misturam-se os fatos, as fotos são velhas; cabelos pretos, bandeiras vermelhas”.

    Enfim, o roteiro para conhecer Chico é múltiplo. Não precisa de malas, passaporte, bússula ou GPS. Bastam intuição e sentimento. Escolham o caminho. E boa viagem.

    *João Tavares é jornalista, pai da Clara e do João Vinícius, botafoguense e fundador do Polytheama/Juiz de Fora – a primeira e única franquia do time de futebol do Chico.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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