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    Myrlla Muniz

    Cantora, compositora e professora de canto popular, membro da Academia de Letras e Música do Brasil na cadeira de Dominguinhos, mestra em Musicologia e doutoranda em Literatura pela UnB. https://youtube.com/@MyrllaMuniz

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    Chico nos ajuda a descortinar diversas páginas da história do Brasil, na curta duração de uma canção

    "Construção", que Chico compôs quando voltou do exílio, é um retrato em branco e preto da memória de um povo (vídeo)

    Chico Buarque, muito além do Retrato em Branco e Preto: ele nos ensina a folhear as páginas infelizes da nossa história e a penetrar o Brasil profundo (Foto: Arte - Rô Maria/Sairon Santos)

    A propósito dos 80 anos de Chico Buarque de Hollanda, li vários textos em homenagem ao "nosso amor", como disse generosa e carinhosamente a bela e sábia Carol Proner, musa e companheira do grande compositor.

    Entre essas publicações, destaco o texto do professor Alfredo Werney, que é músico e pesquisador da obra de Chico Buarque. Professor de música do Instituto Federal do Piauí (IFPI), mestre em literatura e doutor em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Alfredo é também autor do livro "Música e palavra nas canções de Chico Buarque e Tom Jobim".

    O professor Werney é uma das minhas referências na pesquisa de doutorado que desenvolvo na Universidade de Brasília (UnB), Departamento de Literatura, "Palavra viva: As Canções de Chico Buarque e o Modernismo de 1922".

    Mas, como disse Werney, para entender Chico Buarque não basta enxergar o mundo pelas lentes de uma cultura livresca, embora esta seja indispensável. Chico nos ajuda a descortinar diversas páginas da história do Brasil, na curta duração uma canção.

    É o caso de "Construção", que compôs quando voltou do exílio e e eu considero uma das músicas mais bonitas do século XX. Tive a oportunidade de interpretá-la com o Quarteto de Brasília, gravação que compartilho abaixo, neste dia de festa.

    Segue o texto do Professor-Doutor Alfredo Werney:

    Na estrada há muitos anos, Chico Buarque é um artista brasileiro capaz de descortinar diversas páginas da história do país na curta duração de uma

    canção. A imagem de seresteiro, poeta e cantor talvez seja insuficiente para definir uma figura que se tornou, ao logo do tempo, um dos mais importantes intérpretes da realidade brasileira.

    Para os que só enxergam o mundo pelas lentes de uma cultura livresca e julgam que a canção popular midiatizada é uma forma de entretenimento passageiro, convém escutar suas canções. Para além de sua notável arquitetura poético-musical, a obra de Chico causou um forte impacto na formação do imaginário cultural brasileiro. Recusando a opulência retórica e o tom metafísico, suas produções se voltam para a materialidade da existência cotidiana e elaboram um painel heterogêneo da sociedade brasileira. Chico renega o olhar segregador da elite nacional e vocaliza o universo dos que estão fora do quadro oficial: malandros, prostitutas, pivetes, boêmios, moradores da periferia, artistas mambembes, trabalhadores sem-terra e travestis.

    Se minha formação enquanto músico e pesquisador é tributária da existência desse artista, confesso que a formação humana é muito mais. Chico Buarque

    afetou profundamente minha visão de mundo. Por meio de sua obra foi que despertei um olhar crítico acerca das relações humanas, compreendi melhor as dinâmicas de poder entre o masculino e o feminino e aprendi a ler o fenômeno complexo da miscigenação brasileira. Seu cancioneiro e seus romances, quase sempre revestidos de humor e ironia, ensinaram-me a folhear as páginas infelizes da nossa história e a penetrar o Brasil profundo.

    “Não chore ainda não que tenho um violão e nós vamos cantar”. Chico também me ensinou, que, mesmo diante das intempéries e das injustiças sociais que assolam o país, vale à pena entrar na roda, mostrar gingado e cultuar a vida e o samba. Em suas mãos, a canção e a poesia alcançaram o poder dionisíaco e o dom de parar o tempo subordinado ao relógio e nos fazer experienciar o tempo da delicadeza e do encanto. Contra fel, moléstia e crime, Chico Buarque nos redime! Viva os 80 anos de Chico Buarque!

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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