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    Carlos Alberto Mattos

    Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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    Cinema: Adeus, Toni

    Toni era um abnegado defensor da classe cinematográfica, sempre presente nas lutas do setor

    Toni Venture (Foto: Reprodução)

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    Acordei ontem (domingo, 19/5) sob o abalo da notícia da morte do meu amigo Toni Venturi no dia anterior. Uma morte súbita, inexplicável. Ele nadava numa praia do litoral de São Paulo quando passou mal e não resistiu. Tinha apenas 68 anos. Ainda não sei mais detalhes, mas foi o suficiente para me deixar sem chão.

    Toni era um ser humano caloroso, traço que transbordava na voz, nos gestos e na afabilidade. Ali estava alguém com quem eu contava para compartilhar o amor pelo cinema e pelas boas causas. Seu engajamento em favor da democracia e das pautas progressistas também nos unia. Meus encontros com ele e com sua linda esposa, a esplêndida atriz Débora Duboc, eram sempre amorosos e entusiasmados. Faziam um casal especial, ligados pela arte e por um afeto profundo.

    Já éramos amigos quando fomos parceiros na série de programas Tirando do Baú, do Canal Brasil, em 2008. Toni assinava a direção geral, Jorge Furtado era o apresentador e eu fazia comentários críticos a respeito de filmes clássicos brasileiros. Rascunhamos outros projetos juntos, que infelizmente não saíram do papel.

    Documentários brasileiríssimos

    O cinema de Toni Venturi era tão afetuoso quanto ele. Logo com seu primeiro longa, venceu a competição brasileira do É Tudo Verdade. Era O Velho: A História de Luís Carlos Prestes, documentário definitivo sobre o líder comunista. A trajetória de vida do Cavaleiro da Esperança é revista desde o movimento tenentista, quando se deu o surgimento do mito nos idos de 1920, até sua participação na redemocratização do país. A abertura dos arquivos de Moscou lançou luz sobre fatos da nossa História que sempre estiveram envoltos nas brumas da dúvida e do desconhecimento. Leia aqui uma resenha do filme que publiquei no DVD da Programadora Brasil.

    A questão da moradia em São Paulo ganhou de Venturi um documentário movido pelo engajamento e a solidariedade. Dia de Festa (2006), dirigido juntamente com Pablo Georgieff, acompanha os dias que antecederam e sucederam as sete ocupações simultâneas de prédios abandonados ocorridas em outubro de 2004 em São Paulo. São cenas de uma cidade em guerra, ocupada pela polícia e vista através do olhar sensível de quatro mulheres negras, coordenadoras do MSTC, movimento dos Sem-Teto.

    Ainda no campo dos documentários, o cineasta se voltou para o seu próprio passado em Vocacional, uma Aventura Humana (2011). Como ex-aluno do Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha, ele reconta a história dessa experiência revolucionária no ensino em São Paulo. Confira minha resenha do filme. Já em Rita Cadillac, a Lady do Povo, Venturi fez um retrato afetuoso e respeitoso da chacrete mais popular do Brasil. Aqui uma pequena nota sobre o doc.

    O documentário No Olho do Furacão, realizado com Renato Tapajós sobre a vida privada dos guerrilheiros ativos durante a ditadura, serviu como preparação para a ficção Cabra-cega.

    Mais recentemente ele lançou Dentro da Minha Pele, realizado em conjunto com a socióloga Val Gomes. O documentário investiga em profundidade o racismo estrutural brasileiro através de três eixos: as experiências vividas, o pensamento articulado e a arte produzida por negros. Trata, ainda, do lugar de um diretor branco como ele perante o assunto. Leia mais sobre o filme. A parceria com Val Gomes se estendeu para a Coleção Antirracista, série de oito episódios curtos que ele produziu e ela dirigiu.

    No âmbito das séries documentais, Toni ainda dirigiu Cena Inquieta, 26 programas sobre teatro de grupo periférico. A série faz a cartografia de uma produção cultural e artística que muitos não conhecem, num total de 48 grupos e 10 espetáculos independentes de cinco estados brasileiros. Para a televisão, dirigiu documentários sobre Paulo Freire e o superatleta João Gonçalves Filho.

    Toni na ficção

    A ficção de Toni Venturi costuma apresentar dramaturgia sofisticada, capricho técnico e uma mão certeira na direção de atores. Débora Duboc, é presença frequente com sua capacidade de elevar as personagens a dimensões ao mesmo tempo humanas e épicas. Latitude Zero, que participou da seleção oficial dos festivais de Berlim e Toronto em 2001, traz Débora e Claudio Jaborandy numa história de amor visceral ambientada no coração do Mato Grosso. O filme chama atenção pela intensidade do huis clos e pela extraordinária performance da atriz, premiada em festivais de Kiev e Miami.

    Outro filme passado em espaço restrito é Cabra-cega (2004). A vivência da clandestinidade é mostrada pela perspectiva de uma história de amor entre Tiago (Leonardo Medeiros), ex-líder estudantil que optou pela luta armada, e Rosa (Débora Duboc), enfermeira e filha de operário comunista do interior de São Paulo. O filme revela um país amordaçado, vivendo um período de censura, imposições e provações. Cabra-cega levou os prêmios de melhor direção, ator, roteiro, direção de arte e filme do júri popular no Festival de Brasília.

    O drama Estamos Juntos (2011) é estrelado por Leandra Leal, Cauã Raymond, Lee Taylor, Dira Paes e Débora Duboc, além do ator argentino Nazareno Casero. O filme se apresenta como “um passeio pelo universo do acaso, que reinventa e desdobra as possibilidades da vida”. Para a jovem médica-residente Carmen, o mundo começava a moldar-se conforme seus planos. Uma vida independente na agitada São Paulo, ao lado de seu amigo gay DJ, uma aventura amorosa com um impetuoso músico argentino e uma relação de intimidade com um homem enigmático. A aparição de sintomas de uma doença grave faz a vida de Carmem se transformar para sempre.

    O mais recente lançamento de Toni Venturi na ficção foi A Comédia Divina (2017). A expansão das igrejas evangélicas, a aliança da mídia televisiva com o grande capital e a maleabilidade da chamada opinião pública são alguns alvos que ele mira ao se basear livremente no conto A Igreja do Diabo, de Machado de Assis. Leia aqui a resenha.

    Toni era um abnegado defensor da classe cinematográfica, sempre presente nas lutas do setor. Ultimamente, integrava a direção da Associação Paulista de Cineastas.

    Acompanhei a maior parte da sua carreira com meus textos e uma admiração profunda pela sua pessoa. Gostaria agora de estar perto da Débora (nossa querida “Dé”) e dos seus filhos Otto e Theo para abraçá-los bem forte e garantir que o guerreiro continua vivo dentro de nós.

    Aqui uma playlist dos filmes de Toni Venturi disponíveis na internet.

    E aqui uma live com Toni e Débora que organizei com Gustavo Conde

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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