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    Carlos Alberto Mattos

    Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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    Cinema: Comer, beber, morrer

    “Clube Zero” mostra o lado macabro de uma juventude ávida de bem-estar e superação de limites. “Plano 75” imagina uma forma “confortável” de descartar idosos

    (Foto: Divulgação )

    Fome Zero

    Chama atenção nos créditos finais de Clube Zero (Club Zero) a informação de que nenhum ator perdeu peso na realização do filme. Todas as modificações corporais foram feitas por efeitos visuais, maquiagem e figurino. Não é um trabalho dos mais eficazes. Com o emagrecimento dos personagens, as roupas ficariam mais largas, mas não mais compridas como estão. A maquiagem é também incongruente. Mas, afinal, a aparência física conta bem menos que a caracterização mental dos adolescentes.

    Numa escola de elite de país não identificado de língua inglesa, um pequeno grupo de alunos se distancia dos demais ao embarcarem na doutrina da nova professora de Nutrição (Mia Wasikowska), adepta do lema “Comer consciente”. Isso significa alimentar-se com muito pouco e muito lentamente. No horizonte almejado está o ideal que o título do filme indica.

    A proposta ecoa fundo na mentalidade de meninos e meninas embevecidos por noções confusas de aperfeiçoamento. Comer menos seria benéfico para o corpo, a mente, a auto-estima e o planeta. Seria uma contestação ao consumo e, em última instância, à lógica capitalista. Eles e elas são metonímias de uma sociedade obcecada pelo bem-estar, a performance e o “improvement” – sempre atingir o próximo nível, mesmo que este seja o abismo. São também exemplares de vítimas de influencers nocivos, os Jim Jones da era digital. O comportamento de manada é o que explica a adesão do bolsista que a princípio resistia aos novos hábitos.No pano de fundo está o comportamento dos pais, que ao desejarem o melhor para seus filhos empurram-nos para a seita da Sra. Novak e custam a perceber o que se passa. A ironia com a classe dos ricos fica evidente na forma afetada com que a diretora austríaca Jessica Hausner conduz o elenco: as vozes impostadas e a elegância quase caricatural dos adultos, em contraste com a postura robótica e arrogante dos mais jovens. A mise-en-scène muito racional, fria e simétrica não só carrega um traço do estilo austríaco, mas principalmente traduz uma vontade de dissecação da realidade apresentada.

    O filme me manteve conectado durante todo o tempo, à exceção do final, que me pareceu descambar para um esoterismo estéril.

    A morte institucionalizada

    Cerca de 29% da população japonesa tem mais de 65 anos, o maior índice do mundo. Contando a baixíssima taxa de natalidade, envelhecer no Japão virou um problema nacional. As contas da previdência não fecham. Não há emprego para tantos idosos, muitos dos quais vivem solitários. Yasujiro Ozu, aliás, já cuidava disso no clássico Era uma Vez em Tóquio, lá nos anos 1950. A partir desse quadro, a diretora Chie Hayakawa escreveu Plano 75 (Plan 75), uma ficção distópica que bem poderia estar em vigor no Japão pragmático de hoje.

    No filme, o governo lança um programa para estimular a eutanásia de pessoas com mais de 75 anos. Oferece benefícios como auxílio financeiro preparatório, últimos dias confortáveis e uma morte tranquila e indolor. Três personagens gravitam em torno do programa. Uma arrumadeira demitida do emprego e solitária aos 78 anos inscreve-se no Plano 75; um funcionário do programa decide levar seu tio para a eutanásia; e uma jovem cuidadora filipina emprega-se na instituição onde os idosos têm seu destino final.

    Plano 75 segue alternadamente esses três eixos narrativos, que evoluem para uma vaga tomada de consciência quanto ao caráter macabro do plano. O roteiro, porém, arrasta-se por quase duas horas sem conseguir delinear seus propósitos claramente. O funcionamento do sistema permanece obscuro aos nossos olhos. Resta a intenção de tocar em temas sensíveis, como a solidão e o descarte dos idosos numa sociedade tão segmentada, a reciclagem da vida em lucro capitalista e a obsessão sacrifical que é parte do ethos japonês.

    O caráter melancólico dessa fabulação não justifica a lentidão do filme, nem muito menos os buracos de sentido do prólogo e das ações secundárias de alguns personagens. Plano 75 desperdiça um tema sobre o qual haveria muito a dizer em vez de apenas insinuar.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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