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    Carlos Alberto Mattos

    Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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    Cinema: "Em Marselha todo mundo é de esquerda"

    “E a Festa Continua!”: em duas famílias geminadas forma-se uma corrente de afetos e consolos mútuos que é matéria-prima do cinema político de Robert Guédiguian

    “E a Festa Continua!” (Foto: Divulgação)

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    Robert Guédigian é o incansável cronista humanista de Marselha. A cidade do norte francês se confunde com seus personagens amorosos, empenhados na política para apoiar os fracos, desfavorecidos, imigrantes, etc. Em E a Festa Continua! (Et la Fête Continue!), seu 23º longa-metragem, ele vê a esquerda marselhesa em crise. Divididas, as forças progressistas não conseguem enfrentar 40 anos de domínio da direita na administração municipal.

    É o que desanima Rosa (Ariane Ascaride), matriarca de uma família de origem armênia e pré-candidata à prefeitura da cidade. Um de seus filhos administra um restaurante armênio em Marselha e o outro está prestes a partir para ajudar na reconquista do enclave de Nagorno-Karabagh, anexado pelo Azerbaijão. A futura nora, Alice (Lola Naymark), dirige um coro de imigrantes e lidera protestos contra o descaso da prefeitura. 

    O subtexto político é lançado logo na abertura do filme com imagens reais do desabamento de duas casas dilapidadas onde moravam imigrantes em 2018, quando morreram oito pessoas. O evento, ocorrido junto a uma praça onde impõe-se uma coluna encimada por um busto de Homero, dá margem a uma fabulação em torno do lendário poeta grego. Mas é principalmente a senha para Guédiguian deslanchar seu elogio à solidariedade. “A gente devia ter duas vidas. Uma para ajudar a nós mesmos e outra para ajudar os demais”, diz a certa altura Rosa, cujo nome era uma homenagem de seus pais a Rosa de Luxemburgo. 

    Rosa tem dois canais para sair de seu impasse: os sonhos com o pai militante já falecido e o romance outonal que inicia com Henri (Jean-Pierre Daroussin), um amante de citações literárias que por coincidência é o pai de Alice. Ou seja, em duas famílias geminadas forma-se uma corrente de afetos e consolos mútuos que costuma ser a matéria-prima do cinema de Guédiguian. A relação entre Rosa e Henri chega a ser um tanto adocicada pela trilha musical e pelos olhares enlevados que dirigem um ao outro.

    Guédiguian nutre uma ternura quase complacente com seus personagens de esquerda. É bonito, mas em outros filmes ele já foi mais efetivo do que em E a Festa Continua!. Um toque de autoironia é colocado na boca do irmão de Rosa, um bon-vivant que atua como uma espécie de coro grego: “Em Marselha todo mundo é de esquerda. Nada de burgueses, racistas nem fascistas”.
    >> E a Festa Continua! está nos cinemas.

    O trailer:

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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