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    Carlos Alberto Mattos

    Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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    Cinema: Ruth interrompida

    “Diálogos com Ruth de Souza” ensaia perfil da grande atriz e insere fabulações místicas sobre as mulheres negras.

    Ruth de Souza (Foto: Divulgação)

    O termo “diálogos” deve ser tomado aqui em mais de uma acepção. A mais clara são as conversas da diretora Juliana Vicente com Ruth de Souza (1921-2019) em torno de suas memórias, fotografias, recortes de jornal, etc. Outro diálogo se dá na medida em que Juliana se inspira na figura de Ruth para falar um pouco da condição das artistas negras. 

    A diretora “fala” principalmente por meio de cenas em que dramatiza a trajetória mística de uma mulher negra (um alter ego de Ruth?) cuja vida é guiada por “mães” do candomblé. Seis atrizes atuam em vinhetas oníricas, filmadas em belos cenários naturais. No entanto, a partir de certo ponto, as intervenções ficcionais mais interrompem o fluxo documental com Ruth do que colaboram para adensá-lo. Fica uma distância considerável entre a solenidade das encenações e a simpática simplicidade com que a atriz se expressa para a câmera. 

    Ruth de Souza é um ícone na história das artes dramáticas brasileiras. Primeira atriz negra a construir uma carreira sólida do cinema, teatro e televisão, sempre se manifestou contra a discriminação racial que reservava aos negros papéis subalternos, quando não papel nenhum. Em entrevistas mais antigas e nos encontros com Juliana entre 2016 e 2019, ela relembra histórias de racismo e também suas vitórias contra o preconceito. Conta, por exemplo, que gostava de aparecer fumando para ser vista como alguém que ocupava um lugar social. No fim das contas, acabou colocando seu nome à frente de atrizes brancas em muitos trabalhos.

    Num misto de doce vaidade e franqueza, ela mostra a Juliana o caderno em que anotava letras de canções em inglês para aprender o idioma com que mais tarde iria estudar teatro com uma bolsa nos EUA. Do pioneiríssimo Teatro Experimental do Negro traz lembranças primordiais, mas também não se exime de criticar certas condutas de Abdias do Nascimento. Orgulha-se de ter feito “uma carreira correta” e ter merecido o respeito do país. Não esconde, porém, a tristeza por estar impossibilitada de andar e atuar nos últimos anos de sua vida. 

    A personagem é maravilhosa, mas o filme fica aquém da sua altura. O roteiro é claudicante, desembocando no clichê da glória absoluta com a homenagem de uma escola de samba. Em muitos momentos tive dificuldade de entender o que Ruth dizia com sua dicção prejudicada pela saúde. Pergunto-me por que o pudor com o uso de legendas. 

    - Diálogos com Ruth de Souza está nos cinemas. A plataforma gratuita Itaú Cultural incorporou o longa Filhas do Vento, de Joel Zito Araújo, com Ruth no elenco. 

    O trailer:


     

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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