Cinema: Verissimo como ele é
O melhor que se pode dizer sobre o documentário “Verissimo” é que se parece com seu personagem
Como fazer um documentário sobre um homem recatado ao extremo, que não gosta de conversar e parece participar pouco da própria vida? Angelo Defanti tomou a decisão certa perante Luís Fernando Verissimo. Fez sua câmera assumir a mesma atitude distante e impassível do retratado. Verissimo é um vero filme de observação, daqueles que não quebram seu dispositivo por nada.
Ou quase nada. Pois há um brevíssimo momento em que LFV murmura duas palavras para a câmera enquanto rabisca umas caricaturas. De resto, é a comédia da vida privada do escritor taciturno, imperturbável. A câmera se posiciona estrategicamente nos cômodos de sua casa para flagrá-lo em silêncio, quase ausente das conversas da família, permitindo-se quando muito tomar parte nas reinações dos dois netos. Verissimo boceja, faz exame de sangue e sessões de fisioterapia, ouve música em alto volume sem dizer palavra. Somente aos 14 minutos de filme o ouvimos balbuciar pela primeira vez alguma coisa.
Volta e meia, é visto (e então ouvido) dando entrevistas para terceiros e recebendo homenagens por seus 80 anos em 26 de setembro de 2016. Ficamos com a impressão de que o criador de O Analista de Bagé só fala quando é instado a isso pelas obrigações do ofício. Aí então surgem os chistes e pensamentos espirituosos que nos acostumamos a ler em seus textos. Sua mulher, Lúcia, disse certa vez que gostava desses eventos porque só aí vinha a saber o que o marido pensava.
Verissimo parece ter encontrado a forma ideal de mostrar como é Verissimo. Em reuniões sociais, vemos como ele discretamente se afasta dos grupinhos para ficar à parte. No dia do aniversário, era o que menos participava da festa. Diante dos cumprimentos banais e da pajelança no lançamento de um livro, mal conseguia disfarçar o incômodo. No bar temático Verissimo, em São Paulo, todo decorado com referências a ele e sua obra, nem parecia que a coisa era com ele. Tido pelos gaúchos como uma glória estadual e pelos brasileiros como uma nacional, ele responde a tudo com um singelo “obrigado”. A frase “tenho vocação para aposentado” ganha, assim, um sentido mais amplo.
LFV teve um marcapasso implantado em 2016, meses antes das filmagens, e agora se recupera de um AVC. Esse documentário tão parecido com ele chega como um voto de saúde e, para nós, uma janela privilegiada para sua personalidade.
>> Verissimo está nos cinemas
O trailer:
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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