Com quantas quartas-feiras se derruba um governo?
“Os argentinos não vão às ruas para pedir que o governo revise posições, mas para que Milei seja derrubado”, escreve o colunista Moisés Mendes
Os argentinos não estão protestando para tentar consertar, com recuos pontuais do governo, as crueldades de Javier Milei contra pobres, idosos, crianças, estudantes, professores e servidores públicos.
Os argentinos querem, com certeza, derrubar Milei, como fizeram com Fernando de la Rúa em 2001. As últimas das mais de 10 grandes manifestações de rua realizadas até agora alertam o fascista de que o objetivo é tirá-lo do poder.
O que vem acontecendo todas as quartas-feiras em Buenos Aires, com as caminhadas dos aposentados, que não são apenas manifestações da frustração de velhinhas e velhinhos. É uma demonstração de força capaz de abalar o governo.
Mesmo que não pareça fácil derrubar o amigo de Bolsonaro e de Trump, o que há pela frente – as próximas quartas-feiras, a quase certa desvalorização do peso, uma greve geral, as eleições parlamentares de outubro e as investigações sobre o escândalo da criptomoeda – pode mostrar que derrubá-lo não será tão difícil.
E pode ficar menos complicado por um fato recente. Milei era, até 14 de fevereiro, um farsante que se apresentava como gênio da economia capaz de salvar a Argentina. Naquele dia 14, quando lançou a $Libra, passou a ser também um gângster mundial dos esquemas das criptomoedas.
O gênio da economia foi incapaz de perceber, ao ser manobrado por uma quadrilha internacional, que iria fracassar como alquimista de dinheiro virtual com a $Libra. Foi um simplório ao não se dar conta de que seria improvável que a operação desse certo.
E não deu. A partir daquele dia Milei deixou de ser um problema apenas para o kirchnerismo, para as esquerdas e para os democratas argentinos e se transformou num criminoso para o capitalismo mundial.
Milei terá que acertar contas não mais só com seus inimigos internos, mas com direitistas furiosos e vingativos dos pântanos da especulação financeira com moedas inventadas pela manhã e extintas à noite.
É seu desafio hoje. Todos as grandes publicações mundiais, do The New York Times ao The Wall Street Journal e à Forbes, tratam Milei como parte de um esquema mafioso de pirâmides erguidas com o nome genérico de criptomoedas.
Já tramita no tribunal de Nova York uma representação de ‘investidores’ logrados pelo golpe, que beneficiou apenas os que fizeram, na noite de 14 de fevereiro, a compra e a revenda imediata da $Libra. Há brasileiros entre eles.
É na esfera da Justiça, com jogadores dos subterrâneos do capitalismo, que Milei terá de se entender sobre sua condição de chefe de quadrilha, como já está provado. Ele é mais do que propagandista de uma pilantragem.
E será na esfera política, talvez ainda este ano, que terá de provar que pode continuar governando. Mesmo que tenha obtido aval do Congresso para fechar acordo com o FMI e que mantenha uma base articulada com a velha direita e com o que teria sido um dia o centrão da política argentina, tudo passa a ser instável para Milei.
O sujeito viu sua aprovação em março, segundo a consultora Delfos, cair para 33% e a rejeição subir para 55%. Até quatro meses atrás, aprovação e desaprovação oscilavam em torno de meio a meio.
Aumenta o drama e a revolta dos empobrecidos e desaparece a ilusão da inflação controlada num país em que a economia está quase morta (o PIB caiu 1,7% no ano passado). O governo fecha aliança com o agro, despreza a indústria e se submete ao FMI, do qual depende para ter o mínimo de dólares.
É um cenário ruim para o falso liberalismo de um ditador desastrado. Que pode se agravar com o resultado das eleições de outubro, para renovação de metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado.
O embate político, com o kirchnerismo desarticulado mas ainda vivo, se dá nas ruas mais do que no Congresso. E as ruas mostraram na quarta-feira que o movimento dos aposentados é muito mais amplo. É dos sindicatos, dos piquetes, das comunidades e principalmente dos jovens.
Buenos Aires misturou idosos e jovens na caminhada ao Congresso sitiado por 2 mil policiais, como se anunciasse que pode repetir hoje o que fez em 2001, desta vez com a participação de gente que nem havia nascido. Em 2001, as ruas derrubaram De la Rúa.
Quarta-feira que vem tem mais, até a realização de outra greve geral a ser marcada para datas entre 2 e 10 de abril. Até lá, Karina Milei, irmã de Javier e sua secretária, pode ser chamada a depor no Congresso sobre seu envolvimento com a gangue da $Libra.
Os argentinos passam a se perguntar com mais insistência sobre o que está claro que é a intenção dos que vão às ruas: quantas quartas-feiras faltam para que se derrube um governo que, além de autoritário e fracassado, virou sócio de mafiosos de criptomoedas?
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