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    Pepe Escobar

    Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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    Como Mariupol irá se tornar um nó de importância crucial para a integração eurasiana

    Mariupol já vinha sendo fustigada pelo Batalhão Azov de extrema direta ucraniano muito antes de Moscou lançar sua operação militar

    (Foto: Twitter)

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    Por Pepe Escobar, para o The Cradle.co

    Tradução de Patricia Zimbres para o 247

    Mariupol, o porto estratégico do Mar de Azov, continua no olho da tempestade na Ucrânia. 

    Segundo a narrativa da OTAN, a Azovstal – uma das maiores usinas metalúrgicas e siderúrgicas da Europa, foi praticamente destruída pelo Exército Russo e pelas as forças aliadas de Donetsk que "sitiaram" Mariupol.

    A história verdadeira é que, desde o início da operação militar russa na Ucrânia, os neonazistas do Batalhão Azov vinham usando como escudos humanos dezenas de civis de Mariupol para depois recuarem para o Azovstal, usado como último ponto de resistência. Após um ultimato proferido na semana passada, eles agora vêm sendo totalmente exterminados pelas forças da Rússia e de Donetsk e pela Spetsnaz chechena.

    Azovstal, parte do grupo Metinvest controlado pelo oligarca mais rico da Ucrânia, Rinat Akhmetov, é de fato uma das maiores usinas metalúrgicas da Europa, que descreve a si própria como  um empreendimento metalúrgico integrado e de alto desempenho produzindo coque, sedimento calcário, aço, bem como outros produtos como rolamentos, barras e moldes".

    Em meio a uma tempestade de depoimentos detalhando os horrores infligidos pelos neonazistas do Azov sobre a população civil de Mariupol, uma outra história invisível e bem mais auspiciosa traz bons augúrios para o futuro imediato.

    A Rússia é a quinta maior produtora de aço, além de possuir imensos depósitos de ferro e carvão. Mariupol – uma Meca siderúrgica – antes obtinha seu aço de Donbass, mas a partir dos eventos de 2014 em Maidan, que levaram a um domínio neonazista de fato, a cidade tornou-se importadora. O ferro, por exemplo, passou a ser fornecido por Krivbas, na Ucrânia, distante mais de 200 quilômetros de Mariupol.

    Depois de Donetsk se solidificar como república independente ou, por meio de um referendo, optar por se tornar parte da Federação Russa, essa situação fatalmente será alterada.

    Azovstal investe na produção de uma grande variedade de produtos extremamente úteis: aço estrutural, trilhos de estradas de ferro, aço reforçado para correntes, equipamento de mineração, rolamentos para máquinas industriais, caminhões e vagões ferroviários. Parte das instalações da fábrica são bem modernas, enquanto outras, construídas há décadas, necessitam urgentemente de serem modernizadas, o que a indústria russa é perfeitamente capaz de fazer.

    Em termos estratégicos, o complexo é enorme, situado nas proximidades do Mar de Azov, que hoje, para todos os fins práticos, foi incorporado à República Popular de Donetsk, e próximo ao Mar Negro. O que significa uma curta viagem até o Leste do Mediterrâneo e inclui muitos clientes potenciais do Oeste Asiático. E, cruzando o Suez e chegando até o Oceano Índico, há clientes de toda a Ásia do Sul e do Sudeste Asiático.

    A República Popular de Donetsk, portanto, possivelmente parte de uma futura Novorossiya ou mesmo parte da Rússia, estará no controle de muita capacidade de manufatura siderúrgica para o Sul da Europa, o Oeste Asiático, podendo chegar até ainda mais longe.

    Uma das consequências inevitáveis será sua capacidade de fornecer produtos para um verdadeiro boom de construção ferroviária na Rússia, China e nos "istãos" da Ásia Central. A construção de ferrovias é o modo de conectividade privilegiado por Pequim para a ambiciosa Iniciativa Cinturão e Rota (ICR). E o que é ainda mais importante, também para o cada vez mais turbinado Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (CITNS). 

    Situada a meio caminho, portanto, Mariupol pode esperar vir a se converter em um dos principais nós de um boom das rotas norte-sul  – o CITNS através da Rússia e suas conexões com os "istãos" - bem como grandes modernizações nos corredores leste-oeste da ICR e nos corredores sub-ICR.

    A Eurásia Interligada 

    Os principais atores do CITNS são Rússia, Irã e Índia que agora, na etapa pós-sanções da OTAN, estão em modo avançado de interconexão, inclusive com a formulação de mecanismos visando contornar o dólar americano em seu comércio internacional. O Azerbaijão é um outro ator importante no CITNS, embora mais volátil em razão de privilegiar os planos turcos de conectividade no Cáucaso. 

    A rede do CITNS, além disso, irá gradativamente se ligar ao Paquistão - o que significa o Corredor Econômico China-Paquistão (CECP), um nó importante da ICR, que, de forma lenta mas segura, vai se expandindo em direção ao Afeganistão. A visita não-programada do Chanceler Wang Yi a Cabul, na semana passada, teve como objetivo fazer avançar a incorporação do Afeganistão às Novas Rotas da Seda.  

    Tudo isso ocorre enquanto Moscou - extremamente próxima a Nova Delhi - vem, simultaneamente, expandindo suas relações comerciais com Islamabad. Os três países, o que é crucial, são membros da Organização de Cooperação de Xangai (OCX).

    O grande desenho Norte-Sul, portanto, indica uma conectividade fluente do grande interior russo até o Cáucaso (Azerbaijão) e  Oeste Asiático (Irã), chegando até o Sul da Ásia (índia e Paquistão). Nenhum desses atores importantes em algum momento demonizou ou aplicou sanções à Rússia, apesar das atuais pressões nesse sentido por parte dos Estados Unidos.

    Estrategicamente, isso representa o acionamento do conceito russo de multipolaridade da Parceria da Grande Eurásia em termos de comércio e conectividade – paralelamente e complementando a ICR, uma vez que a Índia, ansiosa por instalar um mecanismo rúpia-rublo para compra de energia, neste caso é um parceiro absolutamente essencial para a Rússia, do mesmo nível de importância do acordo estratégico de 400 bilhões de dólares entre a China e o Irã. Na prática, a Parceria da Grande Eurásia irá facilitar uma conectividade mais desimpedida entre Rússia, Irã, Paquistão e Índia.

    O universo OTAN, enquanto isso, é congenitamente incapaz de reconhecer a complexidade desse alinhamento e muito menos de analisar suas implicações. O que temos aqui é o entrelaçamento da ICR, do CITNS e da Parceria da Grande Eurásia na prática - noções essas que são, todas elas, vistas como anátema pelo Beltway de Washington.

    Tudo isso, é claro, vem sendo formulado em meio a um momento geoeconômico que representa uma total virada de jogo, na medida que a Rússia, a começar desta quinta-feira, passará a só aceitar de nações "inamistosas" pagamentos em rublos por seu petróleo.  

    Paralelamente à Parceria da Grande Eurásia, a ICR, desde seu lançamento em 2013, também vem progressivamente tecendo uma rede complexa e integrada de parcerias eurasianas: nas áreas financeiro/econômicas, de conectividade, de construção de infraestrutura física  e de corredores econômicos e comerciais. O papel da ICR como co-formuladora de instituições de governança global, incluindo suas bases normativas, vem tendo também importância crucial, para o desespero da aliança da OTAN.

    Hora de desocidentalizar  

    Mas só agora o Sul Global, especialmente, irá começar a perceber a total amplitude do jogo China-Rússia na esfera eurasiana. Moscou e Pequim estão profundamente envolvidas na empreitada conjunta de desocidentalizar a governança globalista, se é que não em eliminá-la por completo. 

    A Rússia, de agora em diante, será ainda mais meticulosa em  sua construção de instituições, unindo a União Econômica Eurasiana (UEE), a OCX e a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) – uma aliança militar eurasiana de estados pós-soviéticos selecionados - em um contexto geopolítico de irreversível divisão institucional e normativa entre a Rússia e o Ocidente.

    Ao mesmo tempo, a Parceria da Grande Eurásia solidificará a Rússia como a principal ponte eurasiana, criando um espaço eurasiano capaz de ignorar a Europa vassalizada.

    Enquanto isso, na vida real, a ICR, tanto quanto  o CITNS, estarão cada vez mais plugados ao Mar Negro (alô, Mariupol). E a própria ICR talvez tenda a reavaliar sua ênfase na ligação da China Ocidental à base industrial cada vez mais precária da Europa Ocidental.

    Não haverá sentido em privilegiar os corredores setentrionais da ICR – China-Mongolia-Russia via Transiberiana e a ponte terrestre via Cazaquistão  – no momento em que a Europa descamba para uma demência medieval,

    O novo foco da ICR será obter acesso às commodities insubstituíveis – e isso significa Rússia – e também assegurar o abastecimento adequado da indústria chinesa. Os países ricos em commodities, como o Cazaquistão e muitos dos atores africanos, irão se converter nos grandes mercados do futuro comércio internacional chinês.

    Em um giro pré-covid pela Ásia Central, era comum ouvir que a China constrói fábricas e ferrovias, enquanto a Europa, na melhor das hipóteses, redige documentos. E pode piorar ainda mais.  

    A União Europeia como território ocupado pelos Estados Unidos está desmoronando aceleradamente, passando de um centro do poder global à condição de um ator periférico sem a menor importância, um mero mercado decadente na periferia longínqua da "comunidade de destino compartilhado" criada pela China. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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