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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

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Conluio de saqueadores: Gaza Resistirá

Em paralelo, graças aos bons augúrios, vozes se erguem para chamar a atenção contra os absurdos

Trump quer transformar Gaza destruída na "riviera do Oriente Médio (Foto: Reuters)

Contando, ninguém acreditaria. Nem nos mais ousados pesadelos da criação latino-americana, haveria espaço para um tipo da sua estatura. Mal se sentou na cadeira de Presidente dos Estados Unidos, para um segundo mandato, e já começou com pregações malucas, respaldadas por uma sucessão de decretos que devaneiam com a dominação do mundo. Dir-se-ia na sua pele um Eu, o supremo, de Roa Bastos, ou um patriarca no outono, de García Márquez, na sua versão anglo-saxônica.  

Um neurocientista que o examinasse apostaria que algo da ordem de um curto-circuito lhe queimara os neurônios. No entanto, pondo de lado a gravidade do desacerto que provoca aqui ou ali, não se lhe atribuiu ainda o diagnóstico necessário, capaz de invalidá-lo para a administração pública.  Mesmo quem o considera aliado, como Benjamin Netanyahu, escondeu mal o misto de espanto e alegria com que lhe escutou a ideia da expulsão dos palestinos de Gaza para transformar o lugar numa Riviera oriental. Na ocasião, televisada, a atitude de Donald Trump transmitiu a sensação de haver colhido no bolso do colete a bizarrice da proposta. Claro que, além do dirigente israelense, ninguém aplaudiria a crueldade da fantasia. 

Os palestinos acabavam de sair de um morticínio, movendo-se entre ruínas e dispostos a reconstruir casas e instituições. Em contrapartida, o outro lhe atira uma hipótese capaz de balançar o norte-americano comum, enquanto sai da piscina ou dirige seus automóveis. Tirando eles, no resto do continente, na Europa, na Ásia e na África, entre as pessoas de boa vontade, o que se viu gerou rejeição. Homens, mulheres e crianças, sobreviventes do genocídio, em voz unânime, gritaram: “Em Gaza, não cederemos um milímetro.” Claro que estamos frente a um fenômeno individual e coletivo cujo final se ignora, apesar de avaliações catastróficas dando conta de uma possível Terceira Guerra Mundial. Esperemos que não aconteça. Esperemos, igualmente, que uma intervenção bem sucedida ponha fim ao desvario, antes que uma gota d’água transborde e gere novas convulsões. Nesse meio tempo, o estrago se aprofunda. É inegável. Mais um decreto estabeleceu censura nos trabalhos científicos e artísticos, antes da sua publicação, em função de preconceitos contra a inteligência. A humanidade conhece os efeitos de censuras quando utilizadas por motivos ideológicos. O saber encolhe. A criatividade se enrijece. E a modernidade perde na sua luta pela sobrevivência.  

Em paralelo, graças aos bons augúrios, vozes se erguem para chamar a atenção contra os absurdos. Clamores surgem algures e no próprio interior da sociedade vítima da atual administração. E Gaza, sentindo-se vitoriosa, porque afinal Tel Aviv não conseguiu ganhar a guerra, forçada a um cessar fogo, não desanima. Tem a seu lado o melhor da solidariedade, em defesa de seus direitos de existir. Será necessário muito, muito mais do que um desequilibrado para esmagar a determinação de um povo de sobreviver. E não se esmagam pessoas determinadas em favor de uma causa. Hitler aprendeu a lição. Colonizadores e criadores do apartheid também.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.