Contos antifascistas
Publicado no início de 2017. Desde lá, quem imaginaria o peso colossal da avalanche de ressentimentos?
"Não é demonstração de saúde ser bem ajustado a uma sociedade profundamente doente". A máxima do filósofo indiano contemporâneo impactou tal qual um soco no queixo, os vídeos de Zeitgeist idem. Irresistível, um chacoalhão, retomava assim o hábito da escrita após um hiato de 25 anos. Era o ano 2013 em Brasília. "Desajustados" e "Ainda Desajustados" marcaram tal retomada. Pariram umas 700 páginas cada, muito a falar, romanceados por serem emotivos, mas pouca ficção, praticamente tudo realmente ocorreu, a vida nua e crua.
Início de 2017, Contos Antifascistas. Escrito em 2016 em meio à ascensão de Moro ao panteão dos deuses e aos ecos do coro de baixo calão nas Olimpíadas. Coro nefasto à presidenta, orquestrado por um perspicaz burguês presidenciável salvador presente na abertura do evento.
Já se falava bastante em Antifa, uma honraria. Anti-fascism no inglês, mas aqui junta-se, tal qual o impagável antirracismo de dois erres. Impagável também o maravilhoso autorretrato, bem poderia se usar o português. Abaixo as tais ditas selfies. De fato é palavra mais curta, mas não é desculpa, que se ouse, vejamos o maravilhoso rato em substituição ao mouse dos computadores em Portugal.
Dez anos exatos em cargo público na área rural do DF, doze em Brasília, escancarado e incoerente a predileção de grande maioria de colegas funcionários ao ruralismo latente nos entornos da capital federal. Uma incongruência ao poder público, em tese muito mais voltado aos agricultores familiares. Em tese, voltado aos menos capitalizados.
Havia uma bagagem importante, e traumática, de passagem pela Amazônia brasileira antes de pisar em terras de cerrado no Centro-Oeste. Também no Norte um ruralismo, mas diferenciado, muita gente de estados sulistas lá se aventurando, ganhando muito, muito dinheiro. E poder, muito poder. Imagine-se cidade pequena isolada no meio da Amazônia. "Em terra de cego quem tem um olho é rei". Mandam e desmandam, e mandam de novo.
Escrito o Antifa, alcunha íntima querida, perguntaram: "Qual a fonte de tal ficção?". Nenhuma, infelizmente, muito bom fosse, mas não. Talvez uns 95% não são ficcional. É um bocado de coisa. Talvez tão somente os desfechos abruptos das estórias sejam parcialmente ficcionais. Parcialmente. Certamente houve relatos em agências de notícias idênticos aos desfechos, ou estreitamente similares.
Escritas estruturadas em uma trilogia, pois toda a narrativa também de Contos Demoníacos e Contos Libertários se dá ladeada a um pano de fundo progressista. Quando publicado praticamente ninguém comentava, o significado de alguém se identificar tal qual um libertário.
Direita e esquerda já nos traz polêmicas. Bem sabemos as diferenças, mas eventualmente defender a privatização em casos muito específicos de empresas públicas não estratégicas seria uma traição à esquerda? Ou defender que haja grandes e fortes empresas privadas lucrativas com ações na bolsa de valores, cota de acionistas funcionários, empresas estas que respeitem todos os direitos trabalhistas, implementem não menos do que a obrigação em fornecer boas creches às mães funcionárias, um bom plano de saúde e de previdência complementar, seria isto de fato um pisar no campo da direita?
Libertário na pandemia tornou-se palavra amaldiçoada, talvez com boa dose de razão. Muitos disseram querer a liberdade para não se vacinarem. Contrassenso, o mesmo do que pleitear livre acesso e direito ao tabagismo em sentido amplo. A minha liberdade, não a sua. Imagine um cidadão probo, correto, pagador de impostos, sem ficha criminal, após semana exaustiva de trabalho justo tal sujeito deseja muito um delicioso banho de mar refrescante e refazedor.
Ocorre que a praia tal foi interditada pelo poder público devido à recente ocorrência de ataques de tubarões. Socorros emergenciais, internações junto ao sistema de saúde público, mobilização de equipes de resgate, a utilização de todo um procedimento médico evitável. O cidadão libertário talvez questione e se rebele contra a medida de interdição de um espaço público, ecológico e natural, inegociável, alegará o argumento que estiver à mão.
Pior ainda confundir liberdade com libertinagem. Daí a gravura de capa de Contos Libertários. As capas da trilogia. Contos Antifascistas é de fato enigmática, escolha do editor, a interpreto como o fomentar ao raciocínio, ou ao jogo da vida, algo assim.
Progressismo, talvez, nomenclatura mais límpida, sempre pensar à frente, com proatividade. Talvez inventem algo para manchar também este belo nome, a oposição ao conservadorismo. Humanismo, bom termo, porém significaria que os seres humanos são os superiores no planeta Terra, seriam eles os definidores de toda uma cadeia trófica equilibrada no ecossistema. Ou não, a se questionar. Abate humanitário, tal termo, interessante pensar a respeito.
Holista. Preferível. Soa pedante, alguns estranharão, mas que seja. O holismo, uma abordagem em contexto, se aproxima bem do que deva ser o enfoque de uma pessoa qualquer dentre o seu meio e condição de sobrevivência. Visualizar e compreender o todo, não uma limitada porção amostral, mas o todo, o universo estatístico em termos técnicos, se assim se prefira.
Todos torcemos muito para que não ocorra algo ainda mais grave, mas bem sabemos que a chance de que haja uma escalada de violência até o próximo pleito eleitoral é significativa. Agindo em todas as frentes, com aquilo que nos for possível, o que nos cabe fazer: resistir.
Contos Antifascistas foi retirado de site de e-books pagos, ainda que por valor módico, o menor lá permitido, e estará disponível gratuitamente a quem ousar, tiver tempo e paciência, e fígado talvez. Busque-se em Recanto das Letras, autores, e lá estará.
Recomendo muito o formato de leitura e-PUB ao invés do clássico PDF. O primeiro amplia letras enormes que se distribuem na tela, fornece opções de fonte, parágrafo e pano de fundo. Um aplicativo gratuito. Em celulares dispõe as linhas em opcional orientação horizontal. Um bálsamo para olhos gastos após décadas de leitura em papéis amarelados sob má iluminação.
São quatro contos: O Fazendeiro; O Policial; O Economista e O Escritor. Com a exceção de O Economista, os outros três são de grande afinidade em vivências e experiências taxativamente verídicas. Algo para refletir, ou para logo se descartar a quem não agradar. Talvez seja de fato uma leitura totalmente insignificante, em meio a grande disponibilidade, felizmente, de tanta coisa boa que se escreve e já se escreveu a respeito do tema, autores e autoras nacionais e estrangeiros.
Mais do que se informar bem e sopesar argumentos dialéticos, cabe a população sensata, a Nação brasileira, agir de forma proativa. Muita gente se disse um pouco desgastada após tantas manifestações de rua sucessivas. Há também quem tenha limitações, de mobilidade, econômicas, de tempo, tanta coisa possível. Fácil vociferar para que os outros façam o que nós não estamos dispostos a empreender.
Ao viver em sociedade se assume deveres e direitos. Plenamente facultativo que alguém não se sinta confortável e não se sujeite aos deveres, então por coerência que se retire ao ermo meditativo e pacífico. A quem opte pela vida em aglomerados urbanos ou rurais por óbvio cabem regras mínimas.
Ao viver em sociedade, portanto cercado de gente afim ou não afim, não basta a afirmação quanto a não portar preconceitos, aversões sociais. Muitos já disseram. Óbvio é muito pouco não ter aversão, afinal a multidão cruza e cruzará sempre o caminho de um morador habitante de cidade qualquer. Viver em sociedade.
É muito pouco não praticar o preconceito, é bem mais coerente e sensata a aversão firme a ele, o ato de ser antifascista, que já abrange quase de tudo de ruim. Abrange o antinazismo, o antirracismo, a negação da xenofobia, abrange a afirmação pela igualdade e solidariedade entre os povos, tolerância religiosa, abrange a negação de discriminações e de quaisquer perseguições aos demais agrupamentos humanos em sociedade.
Considerando-se mesmo que alguns grupos humanos professem comportamentos, enquanto cidadãos e em essência pacíficos, que possam não agradar, de alguma forma, seja como for, a determinados outros agrupamentos humanos. Diversidade, o planeta Terra é biodiverso, aquilo que nele há por óbvio também.
O que nos cabe fazer: resistir de forma cidadã e proativa, nos manifestar. Vistamos pois e incorporemos a camiseta e o pensamento antifascista. Um contexto de crítico momento do País.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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