COP26: trem suicida segue. É possível detê-lo?
"O mundo agora terá de responder da possibilidade de domar o monstro, e decididamente não se trata de tarefa simples. Exigirá uma disposição política de grande monta", alerta o jornalista Emiliano José ao avaliar a conferência da ONU sobre mudanças climáticas
Por Emiliano José
Há autores proféticos. Passam desapercebidos quando em vida. Ou quase. Subestimados. Só mais tarde, nuvens afastadas pelo tempo, emergem, e diamantes, descobertos, como se não existissem havia tanto tempo. Caso do filósofo Walter Benjamin Marxista, caminhando invariavelmente na contramão de muitas teses do próprio marxismo, ou aprofundando-o. Sob muitos aspectos, dele me valho para tentar entender o presente e descortinar o futuro, no qual ele desde os anos 1940 apostava pouco, avesso à ideologia do progresso – para ele, progresso e barbárie andavam de mãos dadas, irmãos siameses, e a razão estava com ele, fácil enxergar agora.
Nele, vamos encontrar uma reflexão permanente: a rejeição ao capitalismo. Esse brevíssimo texto é provocado por essa característica dele. No momento de discussão planetária sobre o futuro da Terra, há poucas perguntas sobre a causa mais profunda da origem dos males atuais. Como se de repente, tudo desabasse, e não fosse resultado do acúmulo resultante do chamado progresso, impulsionado com a Revolução Industrial, pelo desabrochar do capitalismo. O capital não carrega preocupações de natureza social ou ambiental, e é duro dizer: não carregou ontem, não carrega atualmente.
É um trem suicida. Como parar esse trem? Segredo ainda não desvendado, mundo à procura, sem ir fundo na análise das razões por que continua nos trilhos, a todo vapor. Falamos em acumulação primitiva ao dizer da fase anterior ao capitalismo propriamente dito, mas não estaríamos longe da verdade se disséssemos ter sido sempre primitiva a acumulação capitalista, no sentido de sua capacidade destrutiva do ambiente Terra, imenso potencial para criar um território inóspito à existência humana. Não subestimo os esforços da COP26 – trata-se de louvável movimentação política.
Lamento, e profundamente, a atitude do governo brasileiro – disposto a seguir a tradição mais destrutiva do capitalismo. Vamos torcer: os esforços mundiais podem constranger o presidente brasileiro nesse resto de mandado dele. Torcer pelos esforços de tantos países serem verdadeiros. E a Terra garantir assim sua sobrevivência. É uma torcida, pensamento desejoso, querendo a não sobrevivência do capitalismo como religião – há um livro com esse título Capitalismo como religião, organizado por Michael Löwy,tratando exatamente do pensamento de Walter Benjamin.
Às vezes, com razão, reagimos a previsões apocalípticas. Não olhar o trem suicida a caminho, no entanto, é hoje mais arriscado. Temos ouvido, assistido nas últimas horas líderes mundiais falarem de uma forma ou de outra em bases bíblicas, recorrendo quase literalmente ao Apocalipse. E não são metáforas. Enxergam o trem, estão dizendo dessa caminhada em direção ao desastre.
A Terra está derretendo, e queimando. As florestas, desaparecendo. A natureza ruge, esperneia. O tempo urge. Dilúvios. Tempestades. Cidades inteiras levadas pelas águas. Em outro canto, desertos. Tudo numa velocidade assustadora. A religião capitalista imaginou poder fazer tanto estrago impunemente. Não. A natureza é vida, e quando agredida, reage. E tudo pode morrer, ou o ambiente se tornar inóspito, até o ser humano não ter mais condições de existência sobre essa Terra, tão generosa durante tanto tempo, e agora reagindo.
O mundo agora terá de responder da possibilidade de domar o monstro, e decididamente não se trata de tarefa simples. Exigirá uma disposição política de grande monta. Não tenho certeza exista na dimensão exigida para o enfrentamento da fera. Mas insisto: torço haja essa disposição, coragem. O jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung dizia, hoje, 3 de novembro deste 2021: “em uma área do tamanho de 27 campos de futebol devastados por minuto, a floresta não pode mais ser vista pela razão banal de que não há mais árvores.” E questiona se o Brasil participará dos esforços para impedir a destruição das florestas. A acentuar, para não nos enganarmos: não há como deixar de lado a principal responsabilidade dos países mais desenvolvidos com a situação do planeta Terra. São eles os mais fogosos maquinistas do trem suicida. Vão parar o trem? Mudar o rumo dele?
Resposta, tenho não. O monstro não é brincadeira. Movimentos como o da COP26 são importantes. Um grito de alerta. Outros, vários, desenvolvidos anteriormente. E o capitalismo sempre com ouvidos de mercador. Até quando? Até o momento em que o monturo de lixo acumulado nos esmague a todos, não poupe ninguém. Talvez apenas aqueles capazes de pegar a nave espacial, e seguir para outros mundos, exercício já iniciado por alguns bilionários, quem sabe antevendo o Apocalipse pelas bandas de cá.
Abri com ele, fecho com ele. Com texto conhecido, comentado, discutido, e tão atual – repare: escrito pelo final dos anos 1930, palavra de um profeta. É a Tese IX, está no livro de Michel Löwy, Walter Benjamin: aviso de incêndio. Reproduzo-a. E tenham certeza: merece leitura, tenham um pouco de paciência. Como dizem os baianos: repare. Prestenção. Naquele tempo, quase um século atrás, ela falava na tempestade do progresso, crescendo até o céu, o anjo obrigado a dar as costas para o futuro. Atual, atualíssimo.
Existe um quadro de Klee intitulado “Angelus Novus”. Nele está representado um anjo, que parece estar a ponto de afastar-se de algo em que crava o seu olhar. Seus olhos estão arregalados, sua boca está aberta e suas asas estão estiradas. O anjo da história tem de parecer assim. Ele tem seu rosto voltado para o passado. Onde uma cadeia de eventos aparece diante de nós, ele enxerga uma única catástrofe, que sem cessar amontoa escombros sobre escombros e os arremessa a seus pés. Ele bem que gostaria de demorar-se, de despertar os mortos e juntar os destroços. Mas do paraíso sopra uma tempestade que se emaranhou em suas asas e é tão forte que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, para o qual dá as costas, enquanto o amontoado de escombros diante dele cresce até o céu. O que nós chamamos de progresso é essa tempestade.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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